OBRA SOCIAL DO SAGRADO CORAÇÃO DE MARIA, GUIMARÃES

Para que todos tenham vida e a tenham em abundância

É antiga a história da Obra Social do Sagrado Coração de Maria (OSSCM), mais antiga mesmo do que o meio século de existência estatutária que no corrente ano assinala. Foi ainda no século XIX que o Instituto do Sagrado Coração de Maria (IRSCM) se instalou em Portugal, mais concretamente na cidade do Porto, corria o ano de 1871. E isto 22 anos apenas depois da fundação do Instituto, pelo padre Gailhac, em França.
“A Obra Social no seu conjunto e à semelhança do que os fundadores fizeram, trabalhou sempre com a preocupação, por um lado, da vertente teológica e, por outro, quem quer amar a Deus e segui-Lo tem que fazer alguma coisa pelos outros, senão é uma conversa, como disse S. Tiago. Amar a Deus e torná-Lo amado para que todos tenham vida e abundância, preferencialmente os mais pobres”, contextualiza a irmã Judite Maia, responsável máxima pela instituição em Guimarães, onde, após um período de fuga para Galiza, nos tempos da I República, a IRSCM se instalou no ano de 1932.
Inicialmente, o IRSCM abriu um Colégio feminino e um patronato para as crianças mais desfavorecidas. “As crianças passavam aqui o período em que não tinham escola e tomavam as refeições, para muitos o mais importante. Começámos por ter meninas e mais tarde meninos. O colégio para meninas que podiam pagar e o patronato para os que não podiam. E as colónias de férias, em regime de internato, em que cada criança passava pelo menos 15 dias na praia de Esposende”, conta a irmã Judite.
Em 1967, três anos sobre a lavra dos estatutos fundadores da OSSCM, data que agora se assinala, “verificou-se que havia estabelecimentos de ensino público suficientes e o IRSCM considerou que já não se justificava a existência do colégio, que fechou”, recorda a religiosa, acrescentando: “Isto numa altura em que o colégio estava no seu auge, mas como o Instituto achou que não era necessário, apesar da grande oposição das famílias, o colégio fechou e abriu uma residência para meninas que frequentavam o ensino público em Guimarães e eram de longe. Como fechou o colégio, a Obra Social expandiu-se e passou a ocupar as áreas do antigo colégio”.
A primeira resposta social dada pelo que entretanto viria a ser a OSSCM é a grande vitória da instituição, pois apesar de todos os ataques, ela sobrevive e continua em crescimento.
“Entre 1932 e 1967 era apenas as chamadas atividades de tempos livres, com alimentação e apoio ao estudo. Depois passou a haver o, dito agora, Pré-escolar e o ATL para o 1º Ciclo alargou ainda mais. Em 1984 abriu-se o Pré-escolar para os 2 anos e o ATL até ao 3º Ciclo. Mas, mais tarde, com os problemas surgidos em torno do ATL e do aparecimento da resposta pública, o edifício do ATL do 1º Ciclo foi transformado em edifício de creche, dos 0 aos dois anos”, explica a irmã Judite, realçando o fenómeno de crescimento da valência ATL: "Continuámos com crianças do 1º Ciclo, mas em pontas, e com o ATL dos 2º e 3º Ciclos muito florescente. O ataque governamental aos ATL aqui não resultou e continua a não resultar, porque as famílias apesar de terem muitas possibilidades, são muito exigentes sob o ponto de vista académico, e o ATL do 1º Ciclo voltou ao que era. Fomos um bocadinho rebeldes”.
Atualmente, a OSSCM, na Casa de Vila Pouca (Guimarães), acolhe em ATL (1º, 2º e 3º Ciclos), ao abrigo do Acordo de Cooperação, 240 crianças, “com uma procura incrível e crescente”, mais 84 em Creche e 150 em Pré-escolar. Já na Quinta da Armada (Braga), criada em 1971, a Obra Social tem a seu cargo o mesmo número de crianças em Creche e em Pré-escolar e ainda 100 em ATL.
E a presença da OSSCM não se cinge às duas maiores cidades minhotas, porque logo nos anos 1930 o IRSCM instalou-se ainda em Penafiel, Guarda, Viseu e Aveiro. Nos dias que correm, enquanto o IRSCM detém os colégios do Rosário, no Porto, e do Sagrado Coração de Maria, em Lisboa e em Fátima, o braço mais social da instituição, para além dos polos de Guimarães e Braga, promove ainda o Espaço Raiz, no Porto, e um Centro de Acolhimento Temporário (CAT), em Portalegre.
“Em 2002, o Colégio do Rosário candidatou-se ao Programa Escolha para também desenvolver esta vertente social, para que os próprios alunos do colégio pudessem trabalhar esta vertente e ficassem sensibilizados para esta perspetiva. Ganhou o concurso e começaram os colaboradores e os alunos do colégio a fazer voluntariado junto dos jovens de Ramalde, de início num espaço muito pequeno. Periodicamente havia novas candidaturas, ou as chamadas Gerações, a que nos apresentámos sempre e que foram sendo sempre renovadas, até que em 2013 pensámos em criar uma estrutura onde pudéssemos ter mais espaço, trabalhar com mais qualidade e onde os colaboradores do Colégio do Rosário pudessem trabalhar com mais condições e as próprias, crianças, jovens e famílias do Bairro de Ramalde fossem acolhidos de outra forma”, conta a irmã Conceição Pereira, responsável pelo equipamento da Quinta da Armada, resumindo o que se seguiu: “O espaço já existia na Junta de Freguesia de Ramalde, fizeram-se obras e o espaço foi todo remodelado. No ano passado foi inaugurado e todo o apoio foi transferido para este Espaço Raiz, ou seja, um Centro Comunitário de Ramalde. É um espaço por onde passam cerca de 150 crianças e jovens nos diversos dias da semana e são apoiadas perto de 100 famílias. E ainda tem a vertente de atividades para os idosos, com um Centro de Dia”.
Já sobre o CAT de Portalegre, a irmã Conceição, uma estudiosa da história do IRSCM, explica; “As religiosas foram para Portalegre em 1950 onde trabalharam a vertente social e a saúde. Depois abrimos um Colégio que, entretanto, fechou, mantendo-se uma residência para jovens estudantes que iam para o Politécnico. Em 1999 houve um decréscimo de procura das alunas e foi um ano em que estávamos a celebrar os 150 anos da fundação do IRSCM. Então, as irmãs quiseram ter um gesto simbólico representativo desse aniversário e juntamente com a Segurança Social de Portalegre equacionámos qual a necessidade e abrimos o CAT. Neste momento já passaram por lá cerca de 100 crianças, num equipamento com capacidade para 24 crianças, dos 0 aos 12 anos”.
No seu conjunto, a OSSCM tem 128 colaboradores, sendo que 35 são religiosas.
No ADN da OSSCM está o serviço a Deus e aos mais desfavorecidos, como sublinha a irmã Judite acerca do trabalho desenvolvido na instituição.
“É um privilégio dar prioridade àqueles que têm necessidades educativas especiais e aos mais desfavorecidos. Hoje, felizmente, vivemos numa sociedade mista e aqui todas as atividades extra-curriculares são universais e gratuitas. Ou são para todos ou não são para ninguém”, destaca, lembrando o lema da casa: “Para que todos tenham vida e a tenham em abundância”.
Ora, nos dias que correm dar prioridade aos mais desfavorecidos acarreta constrangimentos financeiros incontornáveis.
“Neste momento, a grande dificuldade da Obra Social é mesmo a questão económica, com as famílias a depararem-se com o desemprego e os cortes de rendimento… Como coordenadoras dos equipamentos temos sentido um decréscimo muito grande da comparticipação das famílias e, depois, são as mesmas crianças, os mesmos colaboradores e o mesmo Acordo de Cooperação. Já tivemos que reduzir muitas mensalidades e temos muitos pedidos para fazer mais”, sustenta a irmã Conceição, ao que a irmã Judite acrescenta: “Temos pedidos diários para baixar mensalidades ou para deixarem de pagar e, neste momento, temos cerca de uma centena de crianças com mensalidade zero aqui. E nós, por enquanto, como temos o suporte do IRSCM, vamo-nos podendo dar ao luxo de poder aceitar”.
Esta é uma ideia reforçada pela irmã Conceição: “Se não fosse a entidade fundadora não íamos a lado nenhum. O Instituto é que tem assegurado muito do que fazemos, pois sempre que é necessário fazer obras nos equipamentos, assume-as na íntegra, tal como quando há despesas extra. A Obra Social é muito acarinhada pelo Instituto”.
Por isso é que, “projetos futuros não são nada ambiciosos, nem podem ser”, afirma a irmã Judite, dizendo que “são sempre prestar um serviço cada vez com mais qualidade”.
“O nosso grande sonho continua a ser construirmos um corpo de adultos unido para que as crianças possam também sentir-se amadas e com estabilidade neste mundo de tremenda instabilidade”, defende a irmã Judite.
Por seu turno, reforçando esta ideia, a irmã Conceição vai um pouco mais longe: “Em Braga, os projetos, desejos ou anseios prendem-se, essencialmente, com duas áreas: olhando à atual crise de valores, e como diz o sociólogo Bauman que estamos numa sociedade líquida em que não há tempo para solidificar os valores, penso que o desafio passa por trabalharmos no sentido que as crianças tenham consistência nos próprios valores, prestando um serviço de qualidade para que elas possam refletir sobre o que se vai passando e não viver cada momento em mais um momento, não assimilando os valores que queremos passar com a nossa ação; um outro aspeto, é sermos realistas e mantermos os pés na terra e, se aparentemente pode parecer que não estamos a dar uma resposta social, na verdade estamos ao manter postos de trabalho. Os pais ao colocarem os filhos nos vários equipamentos porque confiam muito nos serviços e nos recursos humanos da Obra Social”.
Quando se instalou em Guimarães, em 1932, a instituição fê-lo num palacete dos Condes de Vila Pouca de Aguiar. O edifício é monumental, está muito bem conservado e permite ainda um mergulho na história. Quis o desígnio que, sem herdeiros diretos, o Conde de Vila Pouca deixasse o solar a um sobrinho, que acabaria por o perder ao jogo. Em leilão, o IRSCM ficou com ele. E na verdade, não apenas o edifício, mas toda a envolvente se preta a que os homens e as mulheres de amanhã tenham um crescimento muito harmonioso, como o são os jardins e demais áreas adjacentes ao edifício-sede.

PEDAGOGIA EM PROJETO

Na OSSCM segue-se o Modelo High/Scope, que surgiu em 1960 nos Estados Unidos e destinava-se a crianças com necessidades educativas especiais, sendo depois alargado a outras crianças. Como explica a irmã Judite, educadora de infância de formação inicial: “O modelo baseia-se na pedagogia ativa em que se defende que não se ensina nada a ninguém, mas cada criança e cada pessoa aprende a partir da experiência. Adota princípios da pedagogia ativa, colocando a criança em circunstâncias que a levam a querer aprender e a querer investigar. Os pilares essenciais da pedagogia high/scope são criar à criança uma rotina estável, organizar o espaço e o tempo e promover a interação entre os pares e entre os pares e os adultos. Isto é complementado pela pedagogia do projeto, sabendo-se que há projetos essenciais para cada nível etário na idade do pré-escolar. E há três projetos que são desenvolvidos em cada nível etário. E a pedagogia em projeto também é investigação, que pode partir da criança ou ser provocado pelo educador. Nunca é um saber imposto, mas é induzido. Obviamente, eles aprendem brincando, pois todas as atividades têm que ter um carácter lúdico”.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2014-10-28



















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