PEDRO DOMINGUINHOS, PRESIDENTE DA COMISSÃO NACIONAL DE ACOMPANHAMENTO DO PRR

Precisamos de acelerar para que no final do dia o PRR alcance os objetivos

O momento de execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) não é o melhor, pois regista-se, segundo o quarto relatório da Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR, de junho, “um certo agravamento dos investimentos denominados de críticos, ou seja, aqueles que face aos prazos que temos e à concretização física desses mesmos investimentos têm uma dificuldade muito significativa em ser concretizados no tempo”.
Ainda assim, Pedro Dominguinhos, presidente da Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR considera que é necessário executar o máximo possível a bem das populações.
“Precisamos de acelerar para que no final do dia o PRR na realidade alcance os seus objetivos e possa promover maior competitividade, maior coesão territorial e maior inclusão social”.
Em concreto sobre o PRR no Sector Social Solidário, Pedro Dominguinhos reconhece que “os objetivos foram muito ambiciosos” e houve, por outro lado, “uma resposta muito significativa” por parte das instituições.
E, “excluindo a Mobilidade Verde, também verificamos um número muito significativo de investimentos críticos” no Sector Social Solidário, muito por culpa dos atrasos nos concursos públicos para as obras.
O responsável pelo acompanhamento da execução do PRR deixa ainda uma crítica à Segurança Social: “A preocupação central parece que não tem sido o serviço ao utente, mas a conclusão do investimento. E com a conclusão do investimento não resolvemos o problema”.

SOLIDARIEDADE - Que ponto da situação é possível fazer do Plano de Recuperação e Resiliência PRR, em geral?
PEDRO DOMINGUINHOS
- A Comissão Nacional de Acompanhamento publicou em junho o 5º Relatório onde faz a análise de cerca de 120 investimentos e o que notamos é que, desde o último relatório, que publicámos em 2024, há um certo agravamento dos investimentos denominados de críticos, ou seja, aqueles que face aos prazos que temos e à concretização física desses mesmos investimentos têm uma dificuldade muito significativa em ser concretizados no tempo. Estamos a falar de investimentos relacionados com a habitação… Esta análise é sempre feita confrontando a meta que foi negociada com Bruxelas! Não estamos a dizer que não se vão fazer casas, mas no caso da habitação estamos a falar de 26 mil casas. Face às obras ainda não iniciadas, e estamos a falar de 11 mil dessas 26 mil, depois estamos a falar de obras relacionadas com Cuidados Continuados, também com o Metropolitano de Lisboa e com a Linha Vermelha. Recorde-se que a Linha Violeta já tinha sido retirada do PRR na última reprogramação, aquela que foi aprovada em maio deste ano. O que notamos é que à medida que o tempo escasseia para a concretização dos investimentos do PRR, aquelas metas e marcos que obrigam à obra física tornam-se mais difíceis. Por outro lado, o que também verificamos, e Portugal tem sido exemplar no sentido de cumprir os pedidos de pagamento acordados com a Comissão Europeia, devemos estar a receber o 6º e já submetemos o 7º pedido, mas as metas e os marcos incluídos nesses pedidos de pagamento, na maioria dos casos, não implicam a concretização de obra física. Estamos a falar de assinatura de contratos, publicação de leis, aquilo que, em termos técnicos, é designado por indicadores de input e output, que não têm uma ligação direta à obra no terreno. Os 9º e 10º pedidos de pagamento são aqueles mais exigentes e que têm que ser cumpridos em 2026. São aqueles que, por um lado, representam 40% de todas as metas e marcos e onde estão concentradas as realizações físicas desses mesmos investimentos. Portanto, isto é algo que precisamos de acelerar para que no final do dia o PRR na realidade alcance os seus objetivos e possa promover maior competitividade, maior coesão territorial e maior inclusão social.

O maior constrangimento é, de facto, a execução dentro dos prazos negociados com Bruxelas?
Para haver concretização da obra, é necessário lançar concursos e a fase inicial em muitos projetos foi muito demorada. Demorámos muito tempo a concretizar os projetos, com os licenciamentos, na análise das candidaturas e, quer queiramos quer não, se já era curto o tempo de concretização do PRR, com estes atrasos que verificámos, o tempo útil para execução da obra diminuiu. Um exemplo muito concreto, para a concretização de uma obra de uma nova unidade de cuidados continuados, o tempo médio de construção é de 18 a 24 meses, isto significa que, se vamos começar agora obras, elas dificilmente estarão concluídas em junho de 2026. Houve uma espécie de arranque em câmara lenta de alguns projetos, de outros não, porque há excelentes exemplos de cumprimento de prazos, mas dado o ponto de vista global, houve lentidão nas fases iniciais que agora se estão a refletir em menos tempo útil para a concretização desses investimentos.

E qual o retrato do PRR no Sector Social Solidário?
Os objetivos, que foram definidos logo muito cedo, eram muito ambiciosos. Estamos a falar de mais de 40 mil lugares nas diferentes valências, desde as respostas sociais, passando pela Rede de Cuidados Continuados e Paliativos, e estou a excluir a habitação, sabendo que também tem impacto social, mas apenas referindo-me aos investimentos das Componentes 1 e 3, relacionados com as respostas sociais. Eram muito ambiciosos! Por outro lado, a resposta das entidades também foi muito significativa. Na maior parte dos Avisos, especialmente para respostas sociais, houve sempre muito mais candidaturas do que lugares colocados a concurso. Significa que há uma necessidade muito grande deste investimento e que as entidades, na maior parte dos casos IPSS, Cooperativas e Misericórdias, embora nos Cuidados Continuados o padrão não seja esse, porque há muitas empresas privadas, mas há essa vontade e o Sector deu resposta.

E qual é a situação no Sector?
Olhando ao relatório, e excluindo a Mobilidade Verde, também verificamos um número muito significativo de investimentos críticos. Em termos de obra física, temos cerca de metade das obras não se tinham iniciado, isto reportando a abril, porque agora a diferença ainda é significativa, mas é melhor. E isto é particularmente preocupante porque o tempo útil para concretização desses investimentos é agosto de 2026, na pior das hipóteses, e isto levanta-nos dúvidas sobre a concretização da totalidade das metas.

E quais são as principais razões para esse cenário?
Diria que há quatro ou cinco razões… Uma tem que ver, em alguns casos, com algumas demoras nas aprovações dos projetos. Não é o caso dos Cuidados Continuados, porque o primeiro concurso foi kafkiano, desde o lançamento dos concursos aos atrasos nas respostas e à assinatura dos contratos, onde houve mesmo um caso muito sério. No caso das respostas sociais a demora não foi tão significativa. Ainda assim, demorou, até porque as candidaturas foram muito significativas, e perderam-se alguns meses com estas situações. Depois, há situações relacionadas com o ciclo normal dos investimentos. Para muitas destas respostas ainda não existiam projetos. Ou seja, teve de se ir à contratação pública, contratar os projetos, fazer a revisão dos projetos e, depois, lançar os concursos. E aqui, sobretudo no primeiro concurso, o efeito da guerra, leia-se, aumento dos preços verificou-se com maior estrondo. Então, algo que eram estimativas iniciais, vieram a verificar-se desfasadas para menos e, portanto, as entidades tiveram que lidar com orçamentos muito superiores.

Isso foi um problema para as instituições?
Tivemos diferentes situações. Houve entidades que arrancaram logo com a obra a expensas próprias, porque tinham capacidade financeira, tivemos entidades que não estavam a contar com financiamento bancário, pela expectativa do financiamento a 100%, mas que com o aumento dos custos tiveram que montar empréstimos bancários, e isso demora tempo, e tivemos entidades que, pura e simplesmente, não tinham recursos próprios, nem financiamento bancário para poderem avançar. O somatório destas situações acabou por atrasar o processo.

E os concursos para adjudicação das obras a ficarem desertos?
Aquelas entidades que tinham capacidade financeira aumentaram logo o preço base para irem de encontro ao mercado, mas aquelas entidades que confiaram, se calhar, no Espírito Santo, foram ao mercado para ver se havia uma alma caridosa que respondesse por um preço base que as empresas não estavam interessadas, pois o seu interesse é outro. E sim, tivemos muitos concursos desertos e isso significou que as entidades tiveram de arranjar novas fontes de financiamento adicionais e lançar novos concursos e tudo isso significa atrasos. Por outro lado, também foi uma altura, agora menos, em que as cadeias de abastecimento estavam relativamente difíceis de responder em tempo útil e houve alguma falta de materiais. E devemos acrescentar um aspeto que é relevante, que é a escassez de mão de obra. Temos muitas obras a decorrer, mas o que vimos, nas recentes visitas que fizemos a diversas instituições no Porto, foi os empreiteiros a dizer que é difícil recrutar, que as pessoas não têm as qualificações necessárias… Isso cria um problema, porque estamos em obra, mas esta vai demorar mais do que o previsto. Temos muitos poucos casos em que nos dizem que as obras vão terminar dentro do prazo determinado. O desafio para a concretização das várias respostas sociais é particularmente exigente. A estas situações, devemos ainda somar atrasos nos pagamentos do IVA, que tem criado muitas dificuldades. Já conhecemos as dificuldades de tesouraria das instituições, o que levanta problemas para honrarem os compromissos com os empreiteiros. Quando atrasamos os pagamentos, a obra atrasa.

Recentemente, disse na Assembleia da República que ainda não se tinha perdido um cêntimo do PRR…
No sentido dos pedidos de pagamento…

… mas que era necessário reprogramar o PRR. Em que sentido, para lá de agosto de 2026?
Não, ou seja, o prazo é, neste momento, uma coisa inegociável. A Comissão Europeia apresentou o relatório ‘Road to 2026’, onde define, entre outras coisas, que o prazo limite para execução dos investimentos é 31 de agosto de 2026 e o último prazo para submissão do último pedido de pagamento é 30 de setembro. Até essa data temos que cumprir. A reformulação não é nesse sentido. É certo que nos Cuidados Continuados e nas respostas sociais há a possibilidade de as entidades pedirem a prorrogação do prazo de dezembro de 2025 para junho de 2026 e também de março de 2026 para junho de 2026. Não sendo possível esticar o prazo, mas como esses investimentos não estão no prazo final é possível pedir a alteração. Agora, quando falo de reprogramação é para aqueles investimentos que, provavelmente, não vamos conseguir a totalidade das metas e das marcas. Um exemplo, a intenção é construir 26 mil casas, mas se vemos que só conseguimos 21 mil, vamos reduzir a ambição. Porém, quando reduzimos o objetivo, estamos a libertar verba. Então, podemos pegar num valor financeiro equivalente e passá-la para outros investimentos que estejam a correr bem ou para instrumentos financeiros, um deles gerido pelo Banco de Fomento, que permite o apoio de projetos empresariais, mas que não exige concretização física desses investimentos. Ou seja, a meta é a assinatura do contrato com a empresa para um investimento que pode ser concretizado depois de 2026. Isto não é uma situação portuguesa, aliás, Portugal está acima da média em termos de execução, é algo muito complexo em toda a Europa. Há países, por exemplo, a Roménia, que já reduziram a ambição financeira do seu PRR, porque já perceberam que não vão conseguir dentro do prazo. Outro exemplo dessa reprogramação são os investimentos que estão em empréstimos e podem passar para subvenções. As agendas mobilizadoras e as residências estudantis são dois dos casos. Temos dito que os investimentos colocados no PRR eram considerados relevantes, pelo que o nosso desafio maior é tentar executar tudo o que seja possível, mas temos um instrumento que nos permite não perder as subvenções. Estou convencido que, com todos os instrumentos disponibilizados pela Comissão Europeia, temos condições para cumprir todas as subvenções. Nos empréstimos temos algumas dúvidas… Temos é que ter um grau de exigência grande nas execuções, porque os investimentos são fundamentais para as populações.

A sensação é que há muito empecilhos burocráticos, até porque há respostas sociais prontas e que ainda não estão em funcionamento…
Sim, há. É algo que nos preocupa, mas, sobretudo, nos faz alguma confusão. Primeiro, a Segurança Social é uma entidade que, apesar dos diversos departamentos, sabe que aquelas respostas sociais estão a ser construídas, portanto, é de elementar bom-senso, de inteligência coletiva que, desde muito cedo, essas respostas sejam sinalizadas e, sendo acompanhadas, possam transitar entre as várias respostas. Porque uma resposta só entra efetivamente em funcionamento quando existe um acordo de colaboração e uma entidade que as pode gerir, porque esta, por sua iniciativa, não o pode fazer. Depois há a intervenção de outras entidades, como as autarquias ou a proteção civil… e aí foi uma surpresa, porque estas entidades só intervêm depois da obra totalmente concluída. Ou seja, não há um acompanhamento ao longo da execução, o que significava que saber-se-ia qual é a evolução da obra, ajudando com conselhos e, depois, a conclusão da obra era uma mera formalidade administrativa. Isto tem significado porque implica entre dois a seis meses de espera! Nos Cuidados Continuados também está a acontecer, com cerca de 300 camas prontas e sem utentes. A preocupação central parece que não tem sido o serviço ao utente, mas a conclusão do investimento. E com a conclusão do investimento não resolvemos o problema.

Recentemente um presidente de uma IPSS, com investimentos avultados, dizia ao Solidariedade que o problema é que demorava quatro meses desde que os autos eram enviados, mais dois meses para irem ver a obra e outros dois meses para pagarem… Não é tempo a mais?
Não é o tempo desejável e é tempo a mais, sem dúvida. A Segurança Social tem uma metodologia que quer ver todos os autos. Já disse à Segurança Social e à senhora ministra que me parece que estamos a ser mais papista do que o Papa. Acho que esses autos poderiam ser feitos por amostragem, ou seja, auto sim, auto não vou fazer uma vistoria física. Com uma agravante, não paga um novo auto, enquanto o outro não estiver validado e pago e isto tem um efeito de bola de neve, que está a criar uma pressão financeira muito significativa sobre as instituições. Era interessante fazer um estudo para se saber quais os encargos financeiros decorrentes dos atrasos de pagamento, porque aí não há ressarcimento desses valores. Lembro que o senhor ministro disse que íamos ter pagamentos a 30 dias, mas não temos pagamentos a 30 dias. Isto é algo que, mantendo o rigor, precisa ter mecanismos que promovam uma maior rapidez nos pagamentos.

E como está a correr a Mobilidade Verde?
Do ponto de vista da entrega de viaturas está a correr, genericamente, bem. Só houve problemas no primeiro concurso, por falta de disponibilidade de entrega por parte das marcas. O início da produção da Stellantis em Portugal permitiu a entrega de muitas viaturas, aliás, um investimento PRR que acabou por beneficiar outros investimentos PRR. Agora, o que sentimos são dificuldades burocráticas no pagamento e na reposição do IVA e não tenho dúvida que isto é muito importante para as entidades. Foi positivo o adiantamento de 70%, mas não é aceitável três, quatro anos para se pagar os 30% remanescentes. A Mobilidade Verde não nos oferece grande preocupação com a execução.

Está confiante ou esperançoso?
Estou confiante na vontade, capacidade e tenacidade das diferentes instituições que estão a executar os investimentos no terreno. Uma palavra de reconhecimento e, sobretudo, de gratidão para todas as instituições, muitas delas sem recursos próprios e com avais pessoais dos dirigentes, alguns roçam a inconsciência quando avançam, mas isso significa que a capacidade e a vontade de servir o próximo, é particularmente relevante. Estou expectante na capacidade de resposta mais rápida das entidades públicas. Se é verdade que há vontade política em agilizar os processos, depois no terreno a execução não acompanha a vontade política. É um apelo que fazemos todos os dias, por isso é que a questão da proximidade é particularmente relevante para identificarmos os problemas e tentar, juntamente com as entidades que têm essa responsabilidade, resolvê-los. Sou também realista e o tempo que resta é muito ambicioso para a concretização de todos os investimentos. Isto significa que temos de ter uma preocupação: cada instituição de per si, quando percebe que pode ter dificuldade em cumprir o investimento dentro do prazo, juntamente com o Centro Distrital da Segurança Social e o ISS, deve começar a perceber o que pode ocorrer pós investimento. Visitámos um investimento, e temos outros no caminho, que vai ser impossível concretizar e vamos ter investimentos que ficarão prontos em outubro, novembro de 2026, já fora do prazo do PRR, e temos que perceber o que pode ser feito. É possível passá-los para o PT 2030 ou outro programa? E isto deve começar-se a trabalhar com a tranquilidade e a transparência que estes processos carecem, para podermos encontrar soluções para estes casos e dar tranquilidade aos dirigentes das instituições.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2025-08-07



















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