1. No dia 25 de Novembro, na Assembleia da República, decorreu a votação final global que aprovou o Orçamento do Estado para 2015. Não sendo espectável o pedido de fiscalização preventiva de constitucionalidade pelo Presidente da República, começará com normalidade um ano que se prevê mais tenso porque ano de eleições.
Muitos são os olhares sobre o Orçamento. Há notas que podem ser relevadas.
Enquanto ali se retomam medidas que já vinham do Orçamento do ano em curso, nesse instrumento de intervenção económica e social prevê-se que a despesa com o ensino básico e secundário decresça 11,3% em comparação com 2014, que o Rendimento Social de Inserção (RSI) e o Complemento Social para Idosos (CSI) vão sofrer uma redução de 2,8% e 6,7%, respetivamente, e que o valor previsto para as prestações de desemprego e de apoio ao emprego vai sofrer um corte de 10,6%, perdendo mais de 243 milhões de euros relativamente ao Orçamento de 2014.
Como apreciação, parcial, parece claro que a continuação da recuperação económica terá particular incidência no aumento da receita de contribuições sociais e na redução da despesa com prestações de desemprego.
2. No que às Instituições de Solidariedade (IPSS) diz respeito, para o exercício fiscal de 2015, o Orçamento do Estado estabelece que as taxas das suas contribuições para a Segurança Social aplicáveis serão aumentadas de 21,2% para 21,6%, (beneficiando de uma descida de 0,75 pontos percentuais na Taxa Social Única - TSU - para os colaboradores que aufiram o salário mínimo nacional) como previsto no Código Contributivo de 2010, mantendo-se em 11% para os trabalhadores.
Enquanto isso, as IPSS vão continuar a poder receber a consignação de IRS relativa ao programa e-fatura, num valor estimado superior a 14,6 milhões de euros.
Contudo, as notas mais manifestas no OE poderão estar relacionadas com o imposto sobre o valor acrescentado (IVA). Por um lado, determina-se aí a manutenção da isenção de IVA nas transferências entre Instituições e a repristinação do regime da sua restituição previsto nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 20/90, de 13 de Janeiro (que concede à Igreja Católica e às IPSS algumas isenções em sede de IVA), em montante equivalente a 50 % do IVA suportado, exceto nos casos de operações abrangidas pelo nº 2 do artigo 130º da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro, (ou seja: o IVA suportado pelas IPSS nas aquisições de bens e serviços relacionados com a construção, manutenção e conservação de imóveis utilizados total ou principalmente na prossecução dos respetivos fins estatutários, desde que constantes de faturas, sem IVA, de valor não inferior a € 997,60), relativamente às quais se mantém em vigor o direito à restituição de um montante equivalente ao IVA suportado, por se tratar de operações com cofinanciamento público.
Porém, a verdadeira novidade no Orçamento está no facto de, no próximo ano, as Instituições de Solidariedade poderem reaver metade do IVA pago na compra de bens alimentares, o que pode significar uma poupança na ordem dos 11 milhões de euros (cerca de 0,39%) para o conjunto de todas as IPSS. A medida abrangerá creches, lares de idosos, instituições que trabalham com deficientes ou que levem refeições a casa das pessoas.
Concretamente, na redação do artigo 212 do OE, prevê-se que, durante o ano de 2015, é restituído um montante equivalente a 50 % do IVA suportado pelas instituições particulares de solidariedade social, bem como pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (estatal), relativamente às aquisições de bens ou serviços de alimentação e bebidas no âmbito das atividades sociais desenvolvidas.
3. Serviço público são as atividades e serviços ligados à administração estatal não só através de seus agentes e representantes, como também exercidos por outras entidades, mesmo que particulares, sempre visando promover o bem-estar e os direitos humanos da população para a fruição direta por seus membros individualmente.
Os serviços públicos tendem a ser considerados tão essenciais para a vida moderna que suas provisões universais precisam de ser garantidas por razões morais, e algumas estão até mesmo associadas com direitos humanos fundamentais.
Quando (sempre) as Instituições de Solidariedade não só não visam o lucro como, sobretudo, promovem direitos fundamentais, inscritos na Constituição, para a fruição direta da população, privilegiando todos os mais carenciados que nunca são os próprios promotores, estão a prestar serviço público, pelo que o regime fiscal a que estão sujeitas tem de ser bem diferente do regime do sector lucrativo.
O Orçamento do Estado para 2015 não penaliza diretamente as Instituições de Solidariedade e até parece beneficiá-las quando, mantendo uma ilusória situação favorável, acrescenta a tal possibilidade de recuperação de 50% do IVA das refeições. Medida simbólica, porém, que pode e deve ser encarada como um pequenino "passo" numa direção que se impõe: as IPSS prestam serviço público pelo que o seu regime fiscal deve ser equiparado ao das Autarquias.
O estabelecimento de um enquadramento legal da cooperação será o próximo passo. Passo necessário e certeiro.
Lino Maia
Não há inqueritos válidos.