ESPAÇO T, PORTO

A inclusão pela mão da arte

No ano transato, o Espaço T – Associação para Apoio à Integração Social e Comunitária assinalou 20 anos de existência, duas décadas de grande crescimento no trabalho da inclusão social através da arte.
“Acima de tudo, tem sido um projeto de uma vida”, começa por dizer Jorge Oliveira, mentor, grande obreiro e presidente da instituição nascida no Porto: “Quando em 1993 tive a ideia era uma ideia pequenina, o sonho de transformar um espaço para fazer terapia através da arte com alguns utentes que tinha na área da toxicodependência e outras áreas. A ideia era fazer um espaço totalitário, aberto a toda a gente, como doentes mentais, oncológico, seropositivos, etc. e quando dei por mim… criei um monstro, entre aspas. Com tantas dinâmicas e tantas interações, isto extrapolou aquilo que qualquer pessoa podia imaginar”.
A ideia era criar um “espaço alternativo, congregador de vários grupos e inclusivo” e que Jorge Oliveira pensava ser “uma utopia”. “Havia psiquiatras colegas meus que me diziam que isto nunca funcionaria, que os seropositivos iam contaminar os outros utentes, os toxicodependentes iam traficar droga, mas 20 anos depois isso nunca aconteceu”, conta o presidente, identificando os verdadeiros obstáculos: “Os grandes problemas da instituição não foram com os utentes diferentes uns dos outros, mas com a realidade do dia-a-dia, ou seja, gerir recursos, gerir dinheiros, gerir pessoas. No entanto, o balanço foi sempre mais positivo do que negativo”.
A atipicidade da resposta que a instituição oferecia criava algumas dúvidas, não apenas nos criadores, mas em todas as entidades com que se relacionava. “Teoricamente queríamos que o Espaço T fosse para toda a gente”, sustenta, explicando que o carácter pioneiro do “espaço muito piloto” que ninguém sabia se iria funcionar.
“Tínhamos quase que andar a pedir aos utentes para virem. Inicialmente eram toxicodependentes, seropositivos e uma ou outra pessoa com problemas de outras áreas, mas foi-se alargando e a verdade é que as pessoas começaram a aperceber-se, quer os utentes, quer as instituições de referência de outras áreas, que este espaço podia funcionar bem”, recorda Jorge Oliveira.
Em 1998 a instituição já trabalhava com cerca de uma centena de utentes com problemas de diversas áreas, ou seja, conseguiu constituir-se como “um espaço mesmo plural”.
Para o líder do Espaço T, “não havia qualquer tipo de segregação, positiva ou negativa, as pessoas eram pessoas e não doentes”, afirma, acrescentando: “Para o bem e para o mal sempre foi referência do Espaço T não ter um modelo de referência”.
Isto, segundo Jorge Oliveira, “foi muito bom e o Espaço T cresceu muito por ser um modelo atípico”.
“Foi o sermos diferentes que ajudou o Espaço T a crescer, porque as próprias instituições do Estado achavam piada e gostavam do projecto, a sociedade civil sentia-se bastante identificada com o que fazemos”, pois, ainda segundo o dirigente, “o Espaço T preenche a lacuna entre as necessidades básicas, que muitas instituições da sociedade civil colmatam, e o final máximo que é a felicidade, uma coisa muito mais intangível, mas que nós tentamos tocar nesta associação”.
Não é por acaso que o edifício-sede da instituição é a Casa da Felicidade. E esse toque na felicidade é dado, ou pelo menos tentado, através dos ateliês de artes, da formação e do departamento de emprego.
“Todo o projeto está organizado para que as pessoas, porque estão desocupadas, venham para aqui ocupar tempo. As pessoas vêm para aqui e através dos ateliês de teatro, fotografia, dança, pintura, educação física, Tai-chi, e outros, pois são cerca de 20, escolhem e definem o seu percurso. Ocupar o tempo através da arte, dá aos utentes autoestima e massa crítica. No fundo, motivação para a existência da própria pessoa”, sustenta.
Nesse sentido, e 20 anos depois, o Espaço T não desiste desse objetivo e alarga-o aos bairros sociais do Porto, com o projeto «Palcos para a Inclusão».
“Este projeto leva uma mensagem às pessoas. Mais do que pôr as pessoas a fazer arte é pôr as pessoas a serem utilizadoras desta mensagem. É uma parceria com a Câmara do Porto, em que vamos colocar os nossos sete ateliês de teatro, um de canto e dois de dança a circular pelos bairros da cidade do Porto durante um ano inteiro. Esperamos que depois possa continuar, porque a ideia é um pouco que possamos fazer disto um Espaço T em itinerância”, explica Jorge Oliveira: “A ideia é que todas as semanas um dos grupos vá a um bairro, seja na junta de freguesia, numa escola ou num lar de idosos, com os nossos atores fazer teatro para os públicos que estão nessas instituições e nos bairros”.
E os ganhos, segundo o mentor do Espaço T, são desde logo evidentes: “Vai motivar bastante os nossos utentes. Se eles andam contentes porque têm um festival no Rivoli em junho, e é apenas um dia, atuar todos os meses vai gerar uma energia muito forte. Por outro lado, vai levar uma lufada de ar fresco a estes bairros, alguns já híper-preenchidos por outras instituições, e fazer com que aquelas pessoas possam rever-se nos nossos utentes, levando-os a pensar que talvez possam fazer o mesmo. Sei que não vamos fazer muito pelos bairros, mas podemos ser mais um ponto para a mudança. Naquele dia vamos animar e criar momentos de felicidade, que é o objetivo deste nosso projeto”.
O «Palcos para a Inclusão» foi apresentado à cidade na estação de Metro da Trindade, por seis dezenas de utentes do Espaço T, num momento de comunhão com os portuenses.
“E funcionou em pleno. Os nossos utentes sentiram uma energia enorme e por eles iam logo no dia a seguir novamente. O público ficou muito expectante, pelo que acho que foi muito positivo. Esperamos que seja um grande projeto para a cidade”, defende Jorge Oliveira, que aproveita para apresentar mais dois grandes projetos que a instituição tem para o ano que agora entra e que serão concretizados fruto de dois prémios financeiros com que a instituição foi bafejada em 2014.
“Com o prémio BPI Capacitar, vamos criar nas instalações da Rua do Sol uma galeria de arte, que se chamará Inclusa, que vai ter reflexo numa galeria virtual, em que vamos expor trabalhos de todos os utentes a nível nacional que quiserem. Trabalhos da área artística para serem vendidos. Vamos criar uma plataforma para dar alguma sustentabilidade a pessoas com deficiência através da venda das suas peças de arte. E depois haverá a galeria de arte, que terá 12 exposições, uma por mês, de trabalhos de pessoas com deficiência, para mudar mentalidades e contribuir para a inclusão social”, revela, prosseguindo: “Com o prémio EDP Solidária vamos construir um ginásio social, onde agora está o jardim aqui na Casa da Felicidade, na rua do Vilar. O jardim não vai desaparecer porque será integrado no ginásio, que será para que todas as pessoas possam frequentar aulas de educação física gratuitamente ou a custo quase zero”.
Jorge Oliveira olha para estes três projetos como três elementos potenciadores de nova dinâmica à ação do Espaço T: “No fundo, estávamos muito centrados em projetos quase anuais, como o festival de teatro ou a edição da revista, tudo coisas muito programadas. Agora, a equipa está a preparar-se para todas as semanas ter movimento, quase como se fôssemos uma casa de artes em constante itinerância”.
Jorge Oliveira acredita que a nova dinâmica da instituição neste ano de 2015 vai dar frutos e ajudá-la a consolidar-se enquanto projeto com futuro. A isto junta-se ainda um subsídio financeiro atribuído pelo Montepio que vai ajudar à sustentabilidade da instituição, depois de, em 2011, ter estado para desaparecer.
“Fruto da crise, financeiramente ficámos muito mal, quase no limite para podermos continuar. Tivemos muitos azares, como o encerramento do Centro de Novas Oportunidades, em que tivemos que despedir 11 pessoas e gastámos quase 100 mil euros em indeminizações, e penalizações em dois cursos. Ou seja, quando fizemos 18 anos aconteceu-nos tudo de mal”, recorda, olhando, no entanto, com positivismo para a situação: “Se calhar, foi um teste à nossa existência, que ainda não ultrapassámos por completo. Apesar desta dinâmica toda, ainda continuamos com esse passado que, de alguma maneira, destruiu este sonho de 20 anos. Infelizmente, o dinheiro comanda muito e, aos 18 anos, de um dia para o outro apercebemo-nos que tudo o que tínhamos conseguido não era nada. Mas tivemos a garra, nós, os utentes e as instituições, de dizer que não podíamos fechar as portas. E, na verdade, estes três anos têm sido um teste à nossa capacidade de criação, de nos reinventarmos e de encontrar o nosso lugar num mundo onde também existe concorrência. Teoricamente, ajudar os outros devia ser fácil, mas não é… E quando fizemos 18 anos vimos que tínhamos que sofrer muito para poder continuar a ajudar”.
E se naquela altura 30 funcionários mantinham o Espaço T em movimento, hoje são apenas 15, a que se juntam cerca de 20 voluntários e ainda três dezenas de formadores, ocupando entre 400 e 500 utentes.
Para contornar os obstáculos que quase ditaram a morte do Espaço T, houve um plano de reestruturação, mecanismos de controlo financeiro e até a criação de um mercado.
“De dois em dois meses fazemos o Mercado do Vilar aqui na Casa da Felicidade, que deixa de ser o que é normalmente e se transforma numa casa de venda de produtos oferecidos por empresas. Sapatos, roupas, comida, joias, peças utilitárias para o lar, tudo novo, portanto, produtos de primeira linha, e que são vendidos a quem nos procura. Tem tido um sucesso enorme, o bairro de Vilar invade a casa, a cidade já começa a procurar o mercado e todos os dois meses fazemos com este Mercado cerca de três mil euros. Não sei porquê, mas bate sempre nos três mil euros”, exclama Jorge Oliveira, que anuncia a próxima edição para o primeiro fim-de-semana de março, “porque fevereiro é um mês pequeno”.
Duas décadas volvidas sobre a criação do Espaço T, o seu mentor e líder considera que a grande conquista é a instituição ter conseguido “pôr as pessoas a pensar de outra maneira”.
Desde a criação que o Espaço T tem dois grandes objetivos: o da integração de pessoas, através de ateliês, formação e emprego; e promover uma mudança social.
“Não vamos ser nós que vamos mudar o mundo, mas todas as instituições têm que ter esse papel de dar um pequeno contributo. E nós fazemo-lo através da cultura do Espaço T”, argumenta Jorge Oliveira.
Ao longo destas duas décadas, o Espaço T criou uma filial na Trofa, “porque era importante ver se o modelo funcionava noutro sítio, e funciona, pois os utentes aparecem e sentem-se bem”, enquanto no Porto cresceu fisicamente: na Casa da Felicidade funcionam os ateliês e a parte do emprego; na Rua do Sol está a formação e a capacitação profissional e no Bairro do Cerco concretiza um projeto, no âmbito do Programa Escolha, com o mesmo objetivo de através da arte contribuir para a mudança de comportamentos, onde criou também uma escolinha de râguebi… com grande sucesso!

Pedro Vasco Oliveira (texto)

 

Data de introdução: 2015-01-14



















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