É uma instituição pequena, vive um problema enorme e esteve na iminência de fechar portas, sendo certo que nada ainda está garantido.
Quando em outubro de 2013 toma consciência de que o edifício-sede do Centro Social de S. Brás do Samouco (CENSA), a única IPSS da freguesia, estava à venda em hasta pública por dívidas fiscais, a população do Samouco, concelho de Alcochete, arregimentou-se sem, no entanto, conseguir impedir que a mesma fosse vendida.
“Tornava-se claro aquilo que já se sentia não estar bem nesta instituição”, afirma Paulo Machado, atual presidente da Direção e líder do movimento que deitou mão ao problema.
A história podia ser a de qualquer uma outra IPSS deste País e é simples, mas tem contornos inexplicáveis.
“Até fevereiro de 2014 aconteceram uma série de reuniões entre a Segurança Social, a Câmara Municipal de Alcochete e a própria Direção para encontrar uma solução que permitisse ao CENSA continuar a funcionar. No entanto, a Direção nunca deu garantias de cumprir qualquer um dos planos de pagamento que, pelos vistos, já tinham sido feitos desde 2009. Em fevereiro de 2014, a Segurança Social determina o encerramento da instituição, com a transferência dos utentes das várias respostas sociais para outras instituições locais”.
Paulo Machado contextualiza a ordem de fecho por parte da Segurança Social, algo que o movimento popular conseguiu travar… para já. Porém, inconformada, a comunidade organizou-se para impedir que tal acontecesse.
“Em fevereiro há um movimento popular, que se organiza com utentes, associados e outras pessoas da comunidade da qual faço parte, e apresenta a proposta de se constituir uma Comissão Administrativa Transitória, demitir os órgãos sociais e realizar uma Assembleia Geral que pudesse analisar a situação do CENSA para avaliar se havia condições ou não para manter a instituição a funcionar”.
A Comissão, com Paulo Machado à cabeça, é eleita a 12 de março e assume funções por seis meses. A esta altura, este grupo de pessoas estava longe de imaginar o que iria encontrar.
“Em março apercebemos logo de um problema crucial de dívidas prolongadas de ordenados e de subsídios aos trabalhadores, além das dívidas identificadas ao Fisco que levou à penhora do edifício e ainda a várias penhoras de contas bancárias e, sobretudo, uma dívida identificada à Segurança Social”, refere o presidente da atual Direção eleita em outubro de 2014, prosseguindo: “Não tínhamos a noção sequer de valores nem das dívidas a outros fornecedores, mas sabíamos que as havia aos mais diversos fornecedores da instituição. A primeira tarefa foi avaliar o montante das dívidas, assegurando o funcionamento da instituição, o que foi difícil, porque queríamos arrumar a casa, mas mantendo-a em funcionamento. Foi uma tarefa árdua, porque tivemos que dar garantias aos utentes de que a instituição não ia voltar a fechar”.
Com ordenados em atraso aos trabalhadores desde 2009, no valor de 80 mil euros, a instituição havia acumulado um total de dívidas da ordem do meio milhão de euros: 329 mil à Segurança Social, 60 mil ao Fisco (o abatimento da venda da sede reduziu-a para 16 mil) e cerca de 30 mil a fornecedores.
Face ao acumular de suspeição, a Comissão Transitória quis “garantir condições organizacionais para que a instituição continuasse a funcionar, e desde logo que os trabalhadores não iam embora”.
A esta altura colocou-se a questão de como é que um passivo de 29 mil euros em 2009 redunda em dívidas da ordem dos 500 mil euros em 2014, sem ninguém dar por nada.
“Há, de forma grosseira, um conjunto de incumprimentos que a anterior Direção fez. Desde logo, o facto de, desde 2009, não apresentar contas. A questão é que, sendo isto uma associação, cuja condição de financiamento pelo Estado é a apresentação dessas contas, como é que tal sucedeu ao longo de anos?”, questiona Paulo Machado, para a qual não tem resposta: “Pois eu não sei explicar! E, espantosamente, acho que nem a Segurança Social consegue explicar”.
Na prática, e apesar de alguns tímidos alertas, a Segurança Social pactuou com uma situação ilegal, como é o facto de a Direção não apresentar contas durante tantos anos.
“O que sabemos é que a Segurança Social foi alertando para a situação e usando alguns mecanismos ao seu dispor, como a cativação de parte das transferências dos Acordos, que quando entrámos em funções era de 25%. O que a Segurança Social nos foi dizendo é que procurou sempre não impedir o funcionamento da instituição e daí foi procurando negociar com a anterior da Direção a reposição da legalidade”, conta Paulo Machado, que aponta ainda outros fatores que criaram “uma espécie de nevoeiro” sobre a situação, como as mudanças no Centro Distrital da Segurança Social, na governança do País e de sistema informático, entre outras, que permitiu o acumular da dívida.
Mas Paulo Machado não se coíbe de corresponsabilizar o Estado pela situação a que o CENSA chegou: “Dissemo-lo à Segurança Social para que percebesse que houve aqui, se não uma distração grosseira, alguma incúria por parte dos seus serviços, que deviam ter logo obstado a esta situação logo em 2009 ou 2010”.
A situação deficitária em termos de utentes desde o arranque das valências em 2003 é um fator que há muito iniciou uma espécie de bola de neve de défice contabilístico, pois a partir de 2005 foi necessário começar a devolver dinheiro dos Acordos de Cooperação não efetivados, uma vez que estes são pagos por cabeça.
“Isto foi a primeira machadada na instituição. Houve uns planos de pagamento que foram sendo cumpridos, mas a partir de 2009, a Direção, sem qualquer estratégia deste negócio social e sem preocupação pelas questões da gestão e da coisa pública, desregula-se completamente, perde o fio à meada e começa a acumular dívidas, sem qualquer plano para parar esta situação”, explica, recordando ainda: “Ainda antes de 2009, quando a Direção toma a decisão de abrir a resposta de berçário-creche fê-lo na convicção de que haveria acordos de cooperação, só que estes demoraram cerca de um ano e a resposta foi funcionando como se eles estivessem assinados. Depois da creche, a Direção decidiu abrir uma reposta de pré-escolar, que era ilegal, mas que funcionava para as famílias como se fosse coberta pela tutela. Foi preciso contratar pessoal, arrendar duas salas fora do edifício-sede e tudo isto acumulou dívidas brutais”.
Para Paulo Machado é claro que houve “má gestão, falta de transparência, tomada de decisões equivocadas, falta de estratégia e, sobretudo, isolamento” de uma Direção que funcionava de forma quase unipessoal e que resultou num “total descalabro financeiro, sem qualquer registo, ou seja, sem ser possível apurar o passivo”.
Empenhados em reverter a situação, os novos responsáveis pelo CENSA deparam-se com obstáculos duros de ultrapassar e, de certa forma, difíceis de compreender.
“Quando entrámos aqui sentimos o que sentem muitas instituições, a de que há vários olhares no interior da Segurança Social. Há o olhar benemérito, disponível e social, que é o do Instituto da Segurança Social (ISS) e dos Centros Distritais, que são nossos parceiros, mas há também o olhar completamente financeiro do Instituto de Gestão Financeira (IGF)”, constata, contando: “Foi possível convencer o IGF de que podia trabalhar connosco, conseguimos chegar a um plano prestacional, mas que é completamente trucidante. Mensalmente, além das contribuições que temos, pagamos ainda oito mil euros para abater o passivo. Não há nenhuma disponibilidade do IGF para acolher de forma distinta o problema social desta instituição ou de outra”.
Lamentando a falta de solidariedade entre instituições, Paulo Machado recorda que a abordagem dos novos dirigentes foi no sentido de reduzir a despesa com pessoal, acabando por não ser necessário despedir ninguém, e investir na criação de uma “cultura de participação local, mostrando que este é um problema da comunidade”.
Fundamental era, e ainda é, afastar “a ideia generalizada de que isto não tem solução”. Tornar a instituição “visível” para a comunidade, criando uma nova imagem e “que apelasse de alguma forma àquilo que sentimos que era preciso ter, ou seja, um coração solidário da população para com o CENSA”.
Assim, nasceu um novo logótipo com um coração e a frase «No coração do Samouco desde 1986», ano da fundação da instituição, e a colocação de cartazes por toda a freguesia, onde apenas se lia: «Juntos somos mais felizes».
Foram ainda realizadas algumas ações para requalificar as instalações e para angariação de fundos, através do voluntariado de algumas empresas, que uma penhora de contas bancárias pelo IGF quase deitava a perder.
De todas as movimentações da Direção para resolver a situação, Paulo Machado tira uma conclusão: “Temos uma rede social montada, mas que não é solidária para as próprias instituições, porque elas não se apoiam umas às outras financeiramente”.
E apesar de o futuro se afigurar difícil, os novos responsáveis estão apostados em vencê-lo e em manter a instituição a funcionar.
“Se conseguíssemos pôr a dívida a zeros, conseguíamos dar a volta rapidamente, o pior é que temos um passivo de meio milhão de euros, o que é muito pesado para um orçamento mensal de 19 mil euros”, refere, avançando algumas medidas já tomadas para procurar dar alguma sustentabilidade às contas do CENSA.
Pôr os recursos da instituição ao serviço da comunidade, obtendo algum retorno, é o objetivo da lavandaria social e do restaurante social que dentro em breve entrarão em funcionamento.
Mas apesar de tudo, muito do futuro do CENSA define-se em abril e prende-se com a candidatura ao Fundo de Socorro Social.
“O Fundo de Socorro deve apoiar a instituição, independentemente, dos 500 mil euros de passivo. Mensalmente a instituição tem prejuízo, porque as duas fontes de financiamento não cobrem as despesas. As comparticipações dos Acordos mantêm-se, o custo do trabalho aumentou, as obrigações com a Segurança Social aumentaram e o dinheiro dos pais reduziu”, sublinha Paulo Machado, questionando: “Este modelo das IPSS mantém-se ou está esgotado e temos que pensar outro?”.
Por isso, para Paulo Machado algo é claro: “Chegados aqui, e sendo a Segurança Social conhecedora da situação há quatro, cinco anos, quando herdamos todo este passado torna-se impensável que isto possa ser feito sem haver injeção de capital. Tem que haver!”.
E se a venda do edifício-sede foi o que alertou a população, a recuperação da posse do mesmo é a batalha do momento.
Vendida por 50 mil euros a um agente imobiliário, a Direção do CENSA já fez uma proposta de compra por 60 mil euros que não foi aceite.
“Temos vindo a apelar à sensibilidade e bom senso para que o atual proprietário perceba que nem todos os negócios têm que ser de especulação imobiliária”, revela Paulo Machado, avisando: “A seguir teremos uma resposta mais musculada, ou seja, não saímos daqui”.
Em cima da mesa, por parte do agente imobiliário, está uma proposta de venda do edifício por 300 mil euros ou uma renda mensal de 2.500 euros, o que é inaceitável para o dirigente.
“Lucro de 500%? O estatuto de utilidade pública tem que prevalecer sobre o mau-senso”, remata.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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