1. Há palavras que exprimem totalidade. Beleza, justiça e verdade possuem tal força. Uma dessas poucas palavras grandes e absolutas é comunhão. Será possível viver sem dinheiro ou bens, mas não se vive sem estar em comunhão com algo e, sobretudo, com alguém. E, parafraseando, uma máxima, a comunhão faz a força.
Precisamente porque é palavra do existir humano, a comunhão também deve ser palavra da liderança e da representação do setor social e solidário.
Quando, há uns bons anos, no exercício da cidadania ou movidos pela fé, homens e mulheres da solidariedade social partilharam o seu saber e a sua arte para se unirem numa organização que liderasse o setor e o representasse, logo ela foi "concebida" como organização livre e isenta e, simultaneamente, como organização plural e congregadora. Foi querida como organização de crentes e de não crentes para que uns nos outros fossem couraçados. Não propriamente para se protegerem a si próprios, mas para, potencialmente, representar o agir, o idealizar, o querer e o sentir de todas e de todos quantos ao longo dos tempos viessem a incorporar os valores da solidariedade e do serviço.
Assim, desde a sua conceção, a CNIS (inicialmente sob a designação de União), se afirmou pela sua dedicação à causa, pela frontalidade, pela independência e pela lealdade na relação. Assim também cresceu como o elo unificador de respostas de integração social e comunitária, de apoio à infância e à juventude, de proteção dos cidadãos na velhice e invalidez e em todas as situações de deficiência e de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho, de educação e formação profissional, de resolução de problemas habitacionais das populações e de iniciativas de promoção da saúde. Sob o símbolo das mãos que se agarram mutuamente numa proteção estável, está todo um mundo de instituições de origem e natureza tão diversificada como o são as associações, cooperativas e fundações de solidariedade social, as casas do povo, as misericórdias, as mutualidades, os centros sociais paroquiais e os institutos de organizações religiosas.
Se as instituições ligadas à Igreja Católica (de ereção canónica) têm um peso significativo no seu seio (cerca de 41%:), elas, porém, não são a sua maioria. Nem isso é suficientemente importante: a CNIS incorpora aquela parcela de "soberania" e de auto decisão de que todos abdicam em favor da causa comum... No serviço jamais se desenvolve a apetência pelo trono.
2. Trinta e quatro anos parece ser um tempo razoável de casuística para aferição de resultados da implantação de qualquer coisa. Nada que seja totalmente ruim sobrevive tanto tempo. Também o tempo não será necessariamente transitório. O fio condutor tem a ver com os valores que o coletivo vai sedimentando como seus ao longo dos tempos, não só através da palavra ou do pensamento, como também, e sobretudo, através dos atos. A matriz do modo de viver esse tempo pode e deve ter características de perpetuidade.
Sempre foi muito importante e muito afirmativo o setor social e solidário. Porém, os últimos anos confirmaram-no definitivamente. Para além de muitos e bons passos dados num ritmo sempre ascendente, agora o setor subscreveu um compromisso de cooperação pluriministerial, tem competências de concertação estratégica, acomoda estrategicamente o regime jurídico da cooperação e reconhece-se num enquadramento legal dotado de uma lei de bases. E, privilegiando aqueles que deve privilegiar, serve mais e serve melhor.
A CNIS tem sido uma das três vozes do sector social e solidário. Não disputa preponderância, mas pelo que se vê, ouve e lê, não se pode ignorar que é uma voz credível. Voz a que todos dão vez, mesmo que a CNIS não se "aprume" para se fazer audível. Voz onde todos têm vez. E pela sua liberdade, isenção e credibilidade, também sempre é ouvida a sua voz e lhe é dada vez para definir enquadramentos, marcos e rumos. Enquanto organização plural e enquanto organização congregadora.
No seu seio as instituições da Igreja e todas as outras instituições estão como devem estar: em comunhão.
3. Pela voz que é e pela vez que já não precisa de revindicar para ter, pode ser alimentada a tentação de fazer da CNIS uma espécie de "barriga de aluguer" ou "incubadora" para o surgimento de outras organizações representativas. Quer porque pode ser sedutora a ideia de criar mais uma união ou uma união a mais, quer porque há "famílias" de instituições: associações, cooperativas e fundações de solidariedade social, casas do povo, misericórdias, mutualidades, centros sociais paroquiais e institutos de organizações religiosas. Criando mais uniões, mais tronos serão erguidos para príncipes desencantados.
Dividir para reinar não pode ser o móbil de quem faz do serviço o seu "modo de vida". Muito menos de quem já precisou da comunhão para sua afirmação. Depois, a Solidariedade nem sobrevive nem coexiste harmonicamente com guetos ou em círculos fechados. Muito menos com organizações debruçadas sobre si mesmas. Para além de que mais facilmente reina e amplia o seu império quem ao seu lado contempla um reino dividido.
Num país que vive o drama da exclusão faz sofrer que aqueles ou aquelas que deviam por convicção de vida criar a verdadeira coesão social possam vir a ser instrumento fraturante na construção da cidade. Unir, congregar, num diálogo de verdade e de reta intenção, permitirá que a Solidariedade não seja parte mas o todo de um Portugal mais coeso, mais justo e mais participativo, em que a cidadania seja vivida e partilhada tendo o Bem Comum como fim que a todos irmana. Em comunhão.
Lino Maia
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