Na entrevista que deu ao Solidariedade há três anos, quando assumiu as funções de presidente-adjunto da CNIS, João Carlos Dias dizia ter mais vocação para adjunto do que para presidente. Agora que a confiança foi renovada, para mais um mandato, o dirigente da Confederação admite que a natureza do cargo exige-lhe mais enquanto substituto e representante do padre Lino Maia. E, apesar de preferir os bastidores, diz que não se tem dado mal com a ribalta, quando é preciso. João Carlos Dias, 53 anos, vogal da direcção da APPACDM de Lisboa, sublinha a importância da lista de comunhão das últimas eleições se transformar numa equipa coesa e solidária em prol da CNIS. Os novos elementos da direção estão em fase de adaptação a uma estrutura muito dinâmica e embrenhada em processos fundamentais para o futuro do setor. De resto, este é um tempo de ameaças e desafios.
A CNIS não pode perder o lugar.
Na candidatura para este mandato o padre Lino Maia apresentou a equipa como sendo uma lista de comunhão. Confirma-se?Sim, é uma equipa de comunhão. A direção atual reúne sensibilidades que, de alguma forma, até aqui estavam desalinhadas. Com o recente ato eleitoral, com a proposta do padre Lino e o empenho de todos, essas sensibilidades foram acolhidas.
Mas havia uma clivagem Porto–Lisboa?
Não. Porto-Lisboa não. A questão não se pode colocar assim. Eu sou de Lisboa, sou vice-presidente da APPACDM de Lisboa, que é uma grande instituição, filiada na Humanitas e na UDIPSS de Lisboa, e sempre houve outros membros da zona de Lisboa a fazer parte da direção da CNIS. Por isso, a questão nesses termos não faz sentido. Tem a ver com sensibilidades diferentes e perspetivas de condução do destino e funcionamento da CNIS. Não mais do que isso
Mas não podemos esquecer que nas anteriores eleições houve sempre uma lista de oposição conotada com Lisboa. Isso está resolvido?
Está. Houve empenho de todas as partes, de todas as sensibilidades e de alguma forma vamos dar um exemplo ao país, mostrando que não é com divisões que se resolvem os desafios que temos que enfrentar. A CNIS está determinada a dar esse exemplo. A razão do nosso trabalho são as pessoas, não nos é permitido distrairmo-nos com outras coisas.
A adoção dessas sensibilidades significa também o reconhecimento do trabalho que a CNIS tem feito ao longo destes anos?
Há já algum tempo que a CNIS vem sentindo um forte reconhecimento de vários setores da sociedade. Enfrentávamos, porém, alguns reparos internos. Estamos num novo ciclo. Não me parece que as críticas ou avaliações feitas até ao momento tenham provocado alterações de rumo. A partir do momento em que todos estamos juntos, no mesmo caminho, todos os contributos são de construção com repercussão no nosso trabalho. Servem para reforçar o papel da CNIS.
As diferenças de opinião estão incorporadas na direção da CNIS. Houve necessidade de alguma adaptação?
Não há alteração de rumo da CNIS. O trabalho dos últimos anos tem um objetivo muito simples que é o de representar todas as IPSS sabendo, no entanto, que nem sempre é possível encontrar soluções particulares para esta ou aquela instituição. Esse rumo vai continuar com a firmeza que sempre foi colocada em todos os processos negociais. A comunicação, por exemplo, foi sempre uma questão apontada. Nós que estamos em processos negociais preferimos a discrição e a reserva no tratamento das questões que estão em cima da mesa. Sempre deu resultado e, portanto, não há razões para quaisquer alterações. Os novos elementos hão-de trazer novas perspetivas e enriquecer a CNIS, mas o lema é: “Novos caminhos, Valores de sempre”.
Os novos elementos têm que se encaixar nessa máquina que está em grande velocidade...
Eu, quando há nove anos entrei na direção da CNIS, fazia uma ideia da Confederação que não era propriamente aquela que encontrei. Há um processo de adaptação, de percepção da complexidade que existe em todos os dossiês, da diversidade de temas e assuntos, da sua interdependência, do histórico negocial, da subtileza de alguns pequenos pormenores que podem ter resultados muito pesados no futuro. É uma adaptação que leva algum tempo. Foi o que aconteceu comigo. Demorei algum tempo a aperceber-me da forma como estes assuntos devem ser conduzidos para alcançar os resultados pretendidos. É um trabalho muito mastigado, muito pensado, muito refletido . Quem entra, como foi o meu caso, tende a pensar que tudo se pode resolver de um dia para o outro. Também na relação com as instituições de base e com as intermédias existe normalmente a percepção de que alterar a sua forma de participação pode ajudar à construção de melhores decisões. A tradição da CNIS é ouvir as bases, mas não podemos esquecer que a decisão final é um ato “solitário” da direção, que tem em conta todos os contributos, mas não é, nem pode ser, a soma de todas as vontades.
Portanto, o próximo mandato é de continuidade...
Nem podia ser de outra forma. A maior parte das questões de que a CNIS se ocupa estão em desenvolvimento há algum tempo. Têm que ver com processos que estão em dinâmica permanente. A Lei de Bases da Economia Social, a alteração do 119/83 e o novo quadro comunitário, introduzem grandes e novos desafios. Grande parte do trabalho feito nos últimos tempos pela CNIS tem tudo isto em conta. Tem que haver continuidade para não se pôr tudo em causa.
O último mandato foi muito importante. A maneira como a CNIS viu ser reconhecido o seu papel, protegendo as instituições em tempos de crise, representou uma subida de nível quanto ao papel político que a CNIS tem que desempenhar?
É verdade que a CNIS viu reconhecido o seu papel na apreciação das instituições, dos dirigentes e da sociedade em geral. Essa avaliação positiva resulta da forma ativa, determinada, mas muito discreta com que desempenhou a sua missão. O compromisso de cooperação que engloba três ministérios, significa o resultado de um trabalho muito persistente, muito empenhado e sem grande visibilidade durante o todo processo. A relação das IPSS com o Estado é completamente diferente daquela que era há uns anos atrás. Há uma relação de parceria que está no papel e é assumido pelas partes.
A CNIS adotou o estilo do seu presidente, o padre Lino Maia... É para manter?
Obviamente. Há uma estrutura baseada na direção e assessores que já vêm da direção anterior, que é fundamental para o desempenho da Confederação e cuja cara é o padre Lino Maia. Tem sido o garante de equilíbrios, da relação construtiva entre todos os intervenientes com a sua capacidade invulgar de gerar consensos. Ele conduz o grupo ao objetivo final com consenso. Isso é fundamental. Tem sido a tradição nas direções em que participei e esta não vai ser diferente.
Estamos em vésperas de eleições legislativas. O comportamento de equidistância, que é timbre da CNIS, não sofrerá alterações?
Não se alteraram noutros momentos de mudança nos destinos do país. Tem havido comentários de algumas pessoas de que a CNIS está muito ligada ao poder atual. Mas aconteceu o mesmo com o governo anterior. Assumimos sempre uma relação de parceria. Aquilo que há para discutir e dirimir é feito dentro da negociação. Não se faz cá fora. É o estilo da CNIS. Ir até ao limite, da sua capacidade de influenciar as políticas sociais, mas dentro das suas atribuições e competências. Será assim na mesma. A CNIS tem o seu rumo, tem o seu papel, representa as instituições.
É o seu segundo mandato enquanto presidente-adjunto. No primeiro dizia que iria ser mais adjunto do presidente do que presidente-adjunto. Continuará assim?
Tenho tentado desempenhar um papel de apoio e retaguarda às competências do presidente. As solicitações a que está permanentemente sujeito, não lhe permitem estar em tudo. É preciso complementar a atenção aos pormenores, aos detalhes, de forma desapaixonada, discreta, mas firme. Da minha experiência constatei que, em muitos momentos, é preciso ir além de adjunto e assumir o papel de presidente-adjunto. Cada vez mais. Faço-o com a discrição possível.
E se este for o último mandato do padre Lino Maia admite candidatar-se a presidente da CNIS?
Este mandato começou agora. É uma questão que não se coloca. Mas uma coisa é certa: Nunca pensei fazer parte da direção da CNIS, nem vir a ser presidente-adjunto.
Como perspetiva este mandato de quatro anos da CNIS?
Este primeiro ano é muito complexo. Existem muitas novidades. A Lei de Bases da Economia Social, alterações estatutárias, um novo quadro comunitário, alterações no modo de financiamento das instituições, requalificação das instituições em termos nacionais... Vai ser exigente com necessidade de tomadas de decisão importantes para o futuro. A sociedade portuguesa reconhece o papel das instituições, sobretudo neste período difícil que o país atravessa, amortecendo os efeitos da crise mas, ao fim de 40 anos de regime democrático, estamos numa situação em que o país precisa que nós apostemos no desenvolvimento. Muita coisa ficou por fazer. As IPSS vão ter que abraçar um novo objetivo, tendo uma participação mais ativa no desenvolvimento das pessoas. Não podemos continuar maioritariamente concentrados no apoio ao resultado das formas de exclusão. Temos que dedicar parte dos nossos recursos a evitar a exclusão. Temos que apostar na construção de projetos de vida. Esse vai ser o grande desafio a par da sustentabilidade do setor.
O Portugal 2020 é uma oportunidade. As IPSS estão preparadas para a aproveitar?
Todas as instituições que estão no terreno, com as suas diferenças a todos os níveis, têm que se preparar para esta oportunidade. A CNIS vai ter que ser capaz de olhar para as diferentes IPSS e ajudá-las a descobrir a forma de aproveitarem as iniciativas do quadro comunitário. É complexo, a maior parte das instituições pode não estar apta por si só a aceder aos financiamentos e aos projetos, e a CNIS tem, por isso, que desenvolver uma nova competência para ajudar a catapultar estas instituições. A direção está consciente da necessidade e da responsabilidade de desenvolver esta aptidão.
Que impacto é que o setor pode sofrer com o Portugal 2020?
Este é um setor que tem tido um reconhecimento público, sobretudo pela sua insubstituível utilidade. Assistimos agora a um maior envolvimento e interesse de todos os setores na economia social, o que em si é um bom sinal. Importa, no entanto, garantir que os recursos que já estão no terreno não venham a ser substituídos por outros que provoquem a destruição da malha social que tem uma raiz secular de verdadeira solidariedade, de movimento associativo, de iniciativa da sociedade civil e se transforme apenas num modelo empresarial em que as pessoas acabem reduzidas a meros clientes.
A célebre diferença entre o setor social e o setor social solidário...
Portugal tem algumas particularidades que não estão devidamente vertidas nos estudos sobre o setor social. Será um disparate formatar o setor social sem ter isso em conta. Não vale a pena enveredarmos por modas importadas de outras realidades. Há algumas tendências que vão nesse sentido. Temos virtualidades que não podemos perder. A capacidade da sociedade civil se organizar para resolver problemas, que são assunto do Estado, é uma característica única. Não podemos desperdiçar o que temos de melhor. A cooperação responsável com base em compromissos estáveis é a solução.
V.M.Pinto – texto e fotos
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