Nasceu Albergue dos Pobres em 1900 e dois anos volvidos já acolhia 40 pessoas, que estavam a cargo das Irmãzinhas dos Pobres. Com o advento da República, as religiosas abandonaram a instituição, mas já sob gestão de leigos dá-se o regresso das irmãs, em 1927, agora das Franciscanas da Imaculada Conceição. E ali prestaram serviço até 1985, quando o Lar de S. José já era dirigido pelo atual presidente, José Brito Rocha.
Foi só em 1970 que, por sugestão da Direção-Geral da Assistência Social, o nome da instituição foi alterado para Lar de S. José, mas as condições não deixavam de ser as de um pobre albergue.
“Quando aqui cheguei isto era uma desgraça com os homens a dormir lá fora nos galinheiros. Havia apenas meia-dúzia de freiras e isto não tinha nada que ver com o que é hoje”, afirma José Brito Rocha, que tomou posse pela primeira vez em 1983.
Desde então a instituição entrou num ciclo de crescimento e melhoria, não apenas em termos de instalações, mas igualmente no tratamento aos utentes.
“Isto era o albergue de inválidos do trabalho porque a casa sempre foi dedicada aos empregados da indústria dos lanifícios. Ainda hoje recebemos umas verbas de algumas fábricas, especialmente das do Paulo Oliveira. Sempre foi muito dedicada aos empregados e familiares dos empregados da indústria dos lanifícios”, conta o presidente, contextualizando: “Isto é uma casa de pobres, um lar de pobres. Tudo o que é pobre vem para esta casa. Os remediados e os ricos têm outras instituições, mas o que acontece é que muitos vão para os privados mas depois, porque as mensalidades são muitos altas, vêm cá bater à porta”.
Esta situação deve-se, na opinião de José Brito Rocha, porque “o Lar de S. José não recebe nada que não seja dado, ninguém é obrigado a dar nada”.
E porque é uma casa vocacionada para acolher gente carenciada, as comparticipações são baixas e não é possível exigir muito. “Nesta casa é proibido receber jóia e como a maior parte das pessoas são pobres chegam aqui apenas com as suas reformas muito baixas. O que acontece atualmente é que os familiares que ficaram de dar mais algum para completar a mensalidade, porque ficam desempregados deixam de poder fazê-lo e pedem para deixar de pagar as fraldas e outras coisas”, revela o presidente, acrescentando: “Hoje o custo médio de um idoso é de quase 900 euros/mês, mas aqui não lhes falta nada. Os idosos vêm para cá, mas depois os familiares necessitam das reformas dos idosos para subsistirem e vêm cá buscá-los. Muitas vezes acabam por voltar e numa situação pior do que aquela em que foram, o que aumenta os custos, especialmente, em termos clínicos. Isto tem acontecido essencialmente nos últimos anos”.
José Brito Rocha, que também preside à Mesa da Assembleia Geral da UDIPSS Castelo Branco, sublinha mesmo que este é uma realidade muito concreta: “Este é um problema que se sente por todo o Interior do País, muito em especial no nosso distrito”.
Nesta linha de pensamento, o presidente da instituição covilhanense lança mais uma crítica à febre de construção de ERPI (Estruturas Residenciais Para Idosos).
“As câmaras municipais, que tinham muito dinheiro na altura, entenderam que deviam fazer um lar em cada aldeia, por mais pequena que ela fosse. A verdade é que os idosos vão desaparecendo e agora estão em situações extremamente graves. Muitos lares estão com meia-dúzia de pessoas, o que acaba por não dar para os gastos e, depois, acabam por recorrer ao Lar de S. José.
Gastaram-se milhares de contos para fazer lares por essas aldeias fora, que agora estão despovoadas e os poucos idosos que lá estão ou estão em centros de dia ou vêm para o Lar de S. José”, acusa, sublinhando: “No concelho da Covilhã, o Lar de S. José é a casa que recebe toda a gente que é pobre, indigente e todas as pessoas que a Segurança Social envia, muitas em estado lastimável”.
A instituição está com a capacidade máxima lotada, acolhendo de momento 167 utentes, contando ainda com uma lista de espera de cerca de 200 pessoas.
Para além desta resposta social, o Lar de S. José tem ainda um Serviço de Apoio Domiciliário, em que apoia, sete dias por semana, 45 utentes, e uma Cantina Social, onde serve 50 refeições dia.
Aliás, a alimentação é um dos cartões-de-visita da instituição, que por mês confeciona 29 mil refeições, não apenas para consumo próprio.
“Temos uma procura fantástica para fornecimento de refeições para o exterior. Há muitas instituições da cidade que vêm aqui buscar a comida, sinal de que a comida aqui é boa”, sustenta José Brito Rocha, que revela ainda uma das últimas aposta da instituição, também ligada à vertente da alimentação, mas muito importante para a sustentabilidade do centenário lar: “Aproveitando o pessoal, cultivamos uns terrenos que temos, que servem para a cozinha, e ainda temos alguns animais, como galinhas, frangos, patos e coelhos. Temos ainda um pomar em que plantámos 300 macieiras, de três qualidades de maçãs”.
A investida agropecuária, para além de ter criado alguns postos de trabalho, é ainda uma ajuda à redução de despesas no sentido do equilíbrio financeiro. A isto junta-se, a propriedade de um outro espaço para dar formação que a instituição também aluga a outras entidades e onde a Direção alvitra lançar uma outra atividade: “Como aquilo tem uma boa cozinha, estamos a pensar fazer lá uns batizados, pois será mais uma fonte de receita”.
José Brito Rocha aponta como grandes despesas da instituição “os gastos com a alimentação e os consumos de eletricidade e de gás para o aquecimento”, pelo que estão a projetar “investir na instalação de uns painéis solares, para tentar compensar o gasto com energia elétrica”.
Apesar de todas as dificuldades, “a saúde financeira da instituição é boa, o Lar de S. José não tem problemas nenhuns”, sustenta o presidente, que lembra ainda um fator importante nas contas da casa: “Temos umas reservas e fomos aproveitando algumas dádivas de pessoas que estiveram no Lar e que ofereceram algumas casas. É verdade que ainda recebemos algumas dádivas, mas já houve mais. Normalmente o que acontece é que as pessoas vêm para cá e acabam por trazer tudo o que têm e, por vezes, trazem peças valiosas, mas essas são coisas que não vendemos. Normalmente, o que as pessoas trazem, após a sua morte, fica para o Lar, porque dantes a pessoa tinha um anel e depois apareciam cinco filhos a pedir o dito anel… Neste momento há regras no lar que permitem evitar essas situações. Havia pessoas que passados 10 anos vinham cá para buscar a roupa do familiar falecido, como se a roupa ainda fosse a mesma ou ainda cá estivesse. Acabou-se com isso tudo e criou-se um regulamento em que está definido o que cada pessoa deve trazer”.
E há que encarar as dádivas de forma pragmática, pois podem acarretar mais problemas do que vantagens: “Não podemos estar a administrar casas em Lisboa… Herdámos uma loja na Damaia, que de momento está abandonada. Estamos a ver se a vendemos, porque não estamos vocacionados para administrar esse tipo de situações. Quando nos dão alguma coisa longe da nossa vista, preferimos vender e aplicar o dinheiro na instituição”.
Depois de há cerca de dois anos terem terminado as obras de fundo de requalificação do edifício e espaço envolvente, a tarefa passa, nesse campo, pela contínua melhoria das instalações, como diz Francisco Adro, administrador da instituição: “Tentar melhorar as instalações, fazermos a instalação dos painéis solares, mudar o mobiliário do refeitório… Os projetos passam essencialmente pela melhoria das condições de trabalho para quem cá trabalha e de vida para os residentes. Como estas instalações são muito antigas requerem uma manutenção constante e que é sempre muito onerosa. Só em janelas já gastámos cerca de 60 mil euros e ainda não estão todas substituídas. Nos últimos oito anos gastou-se perto de um milhão de euros em obras de requalificação e na compra de equipamento para a lavandaria e a cozinha. Comprámos carrinhas para o SAD e pretendemos também instalar na sala de convívio um computador exclusivamente dedicado ao Skype, para que os residentes contatem os familiares, porque muitos estão emigrados e poucas vezes cá vêm”.
Do total de 167 utentes, a esmagadora maioria são dependentes, sendo que a taxa de incontinência ronda os 70%, o que levanta algumas dificuldades ao trabalho dos 130 colaboradores (99 dos quais efetivos). Para além disto, as demências ganham terreno, sendo que na instituição há um elevado número de adultos com deficiência.
“O trabalho com o doente dependente e demenciado é mais difícil e quase impossível de fazer em grupo, tem que ser individualizado e com mais tempo, sendo que os resultados demoram muito mais tempo a surgir. Isto por vezes não é fácil de ser compreendido e requer recursos humanos técnicos. Obviamente, quanto mais gente temos, mais difícil é trabalhar individualmente”, explica Rosa Rocha, diretora-técnica, acrescentando: “A animadora trabalha com os mais autónomos, porque não está vocacionada para os outros, nem tem tempo disponível porque o trabalho com os autónomos já é muito. Nestas situações vamo-nos valendo dos estágios curriculares e profissionais de Psicologia da Universidade da Beira Interior (UBI), porque têm disponibilidade para o trabalho individual. Da UBI também recebemos alunos das Ciências do Desporto para três vezes por semana desenvolverem atividades físicas com os nossos utentes”.
A para a responsável técnica pelo Lar, “os idosos adoram e gostam muito de todo o tipo de atividades, desde que não sejam grandes grupos de crianças a fazer barulho, está tudo bem”.
A maioria dos residentes tem muita idade, na ordem dos 80 anos, e as mulheres estão em maior número, sendo que é uma população muito heterogénea, mas de habilitações, maioritariamente, muito baixas. “O choque que por vezes existe é para os poucos que tem mais habilitações, que são, de facto, muito poucos”, explica, revelando que a utente mais idosa tem 105 anos, menos 10 do que a instituição, e o mais novo tem 42 anos, tem uma deficiência física, mas “grande habilidade manual”. A residente mais antiga tem agora 75 anos e está há meio século no Lar. “Veio ainda jovem porque sofre de Trissomia e nessa altura estas eram as casas para onde as mandavam”, explica a técnica.
“A vinda para o Lar para muitas das pessoas que aqui estão acabou por lhes melhorar em muito a vida. Acabou por ser uma espécie de «upgrade», porque aqui são muito mais estimulados”, defende a psicóloga Magda Reis.
A completar 115 anos de existência, o Lar de S. José prossegue a sua missão de acolher os mais idosos e desprotegidos da Covilhã, preparando-se para enfrentar o futuro, sem sobressaltos e com as melhores condições possíveis para os que alberga.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
Não há inqueritos válidos.