A crise dos refugiados trouxe para a ribalta da opinião pública um país da Europa Central que, ao longo dos últimos anos, não vinha merecendo grande atenção aos Meios de Comunicação Social: a Hungria. É verdade que, na segunda metade do século vinte, a história deste país, e até mesmo da Europa, foi marcada por dois acontecimentos de grande repercussão que ali tiveram lugar. O primeiro foi a revolução de 1956 que, apesar de ter fracassado nas circunstâncias dramáticas de que muitos ainda se recordam, abalou decisivamente a fé de muitos daqueles que acreditavam no dogma da redenção messiânica do comunismo soviético. O segundo foi em 1989, quando a chamada Cortina de Ferro conheceu o seu primeira rasgão, precisamente na Hungria, um rasgão que permitiu a milhares de cidadãos a fuga para a Áustria, em direcção a uma Europa livre.
Um pouco mais tarde, a Hungria iniciava um caminho de democratização que acabaria por levar o país à União Europeia e a outras grandes organizações ocidentais. Tudo num clima de alternância democrática que nunca conheceu grandes ameaças e permitiu que o país atingisse um elevado nível de desenvolvimento. Neste cenário e com esta história recente ninguém esperaria que a Hungria viesse a assumir a liderança dos países menos receptivos a uma política de acolhimento de quantos fogem às guerras, às perseguições e à fome que dilaceram os seus países de origem.
Quem se lembra de que foi na Hungria que se abriu a primeira brecha na cortina de ferro tem dificuldade em ver e aceitar a enorme cortina de arame farpado que as autoridades do país estão a erguer para impedir a passagem de milhares de fugitivos a caminho da Áustria e da Alemanha. Por isso, muitos perguntam, justamente, se a Hungria é hoje um país sem memória.
Este êxodo dramático a que estamos assistir levanta problemas graves aos países que estão na rota dos caminhos que se imaginam de bem-estar e de liberdade. A Hungria é um desses países. Não surpreende pois que o seu governo tenha optado por uma política menos facilitadora do que aquela que é aceite pela opinião pública da maioria dos estados que não correm os mesmo riscos, Mesmo assim, e independentemente dos seus argumentos, parece claro que o governo de Budapeste já não conseguirá limpar de todo a imagem profundamente negativa que atingiu aquele país e que leva uma grande parte da opinião pública europeia a perguntar se a Hungria não terá perdido a memória.
António José da Silva
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