A Fundação Irene Rolo nasceu em 1982, “num gesto de benemerência da dona Irene Rolo que já com uma idade avançada, e na ausência de herdeiros, sentiu a vontade de criar algo que perpetuasse o seu nome e a sua vontade”, começa por explicar José Macário Correia, presidente da instituição há cerca de ano e meio.
Mas o gesto da fundadora decorre de algo passado muitas décadas antes e que bem pode ser descrito como um verdadeiro drama amoroso.
Quando jovem, lá pelos anos 20, 30 do século passado, a, então, menina Irene apaixonou-se loucamente por Túlio, um militar nortenho de serviço no quartel de Tavira. Com casamento marcado, vestido pronto e tudo preparado, a menina Irene recebe uma carta do Norte do País na qual uma jovem lhe comunica que ela não poderia casar com Túlio, pois este já mantivera relações íntimas com ela, o que para uma menina de bem, como era Irene, era algo impossível de aceitar. Desfeito o noivado, e porque uma desgraça nunca vem só, Túlio ruma ao Norte, mata a autora da missiva, suicidando-se de seguida. Irene, mergulhada num profundo desgosto, nunca mais casaria, o que a levou, já nos últimos anos de vida a decidir criar uma fundação com o seu nome, que apoiasse quem mais precisava. Quando faleceu aos 92 anos, em 1986, Irene Dulce da Palma Arez Rolo, de seu nome completo, doou o vestido de noiva à igreja local e foi sepultada com todas as cartas de amor que trocou com Túlio.
Senhora de um vasto património, em que se contavam terrenos urbanos e alguns prédios, a Fundação é criada em 1982, tendo iniciado atividade naquela que era a casa de campo da fu8ndadora, na margem norte da ria Formosa, que atravessa o tecido urbano da cidade algarvia.
“Ela faleceu pouco tempo depois da criação e já não viu o desenvolvimento da instituição”, refere Macário Correia, recordando que inicialmente “havia uma polivalência de preocupações na área dos desfavorecidos”, sendo que a primeira intenção era a de criar um lar de idosos, “mas depois acabou por ser a área da deficiência mental que fez a afirmação principal da Fundação”.
“Foi a deficiência mental que acabou por ser a área de maior especialização da Fundação e, neste momento e neste território de metade do Algarve, é reconhecida como a instituição mais polivalente no domínio da deficiência mental, pois fazemos a Intervenção Precoce, a chamada atividade ocupacional, temos o lar residencial e fazemos ainda formação profissional. Neste capítulo, ainda fazemos algumas ações fora da instituição em articulação com o Centro de Saúde e outras instituições”, refere Macário Correia.
Tendo um âmbito marcadamente regional, a Fundação Irene Rolo acolhe, atualmente, 25 utentes no Lar Residencial, 50 em Centro de Atividades Ocupacionais e tem uma média de 30 crianças na Intervenção Precoce e cerca de 80 a 90 formandos no Centro de Formação Profissional.
Para além destas respostas na área da deficiência, a instituição tem a funcionar desde maio um Alojamento de Emergência Social, com capacidade para 30 pessoas, para o qual aproveitou um edifício construído de raiz pela Fundação da Juventude e que há vários anos estava devoluto e sem qualquer utilização.
“A Fundação acabou por abarcar preocupações noutro domínio que vai desenvolvendo, em concreto, uma resposta na área da Emergência Social no Algarve, algo que não existia, e na qual disponibilizamos um espaço com capacidade para 30 pessoas. Neste alojamento de emergência acolhemos pessoas vítimas de cataclismo, acidentes, derrocadas e problemas familiares diversos. A Segurança Social pelos serviços tradicionais ou pela Linha 144, a qualquer hora do dia ou da noite, vai-nos referenciando pessoas e encaminhando-as para cá”, explica, deixando num entanto um lamento: “Por norma devem ser estadias de curta duração, para se lhes criar um projeto de vida e terem outra orientação, mas a realidade é bem diferente. Temos crianças que andam na escola, temos adultos em idade ativa e temos idosos, ou seja, temos um pouco de tudo… E temos que encaminhar os miúdos para a escola, os adultos para a procura de emprego e os idosos a ver se arranjam outra resposta, porque aquela resposta é de emergência e, digamos, passageira. O alojamento de emergência não pode ser uma resposta para muito tempo, mas tem sido”.
Para além destas respostas, é intenção da Direção da instituição alargar o leque de valências a disponibilizar, estando já a decorrer conversas oficiais com a Segurança Social “no sentido de a Fundação Irene Rolo vir a abarcar, nomeadamente, um Centro de Acolhimento Temporário e ainda um CAFAP (Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental)”.
Segundo Macário Correia, “este é o presente e o futuro próximo” da Fundação, mas a vontade é ir mais além.
“Temos um conjunto de outros projetos em mãos, como criar uma unidade de doentes mentais, não deficientes, mas doentes, com um projeto já em fase de aprovação para ser construído nos terrenos da Fundação, e ainda o de criar, numas instalações no centro da cidade, uma oficina ligada a trabalhos manuais em papel e alguns trabalhos gráficos, o que pode dar uma outra visibilidade a uma atividade que já é desenvolvida pelos nossos utentes aqui na instituição. No fundo, poderá ser uma loja/oficina de venda dos produtos feitos pelos utentes”, revela, explicando: “Aqui na instituição trabalhamos muito para o exterior na área dos sacos de papel, cartões-de-visita, embrulhos, etc. Alguns dos trabalhos aqui feitos são para o exterior e temos alguma clientela para os produtos nas áreas das artes gráficas e da pastelaria, uma vertente que nos apraz muito registar”.
Relativamente ao projeto no âmbito da doença mental, Macário Correia argumenta com a falta de respostas nesta área para a Fundação abraçar este projeto.
“O Algarve tem uma cobertura razoável na deficiência mental e muito insuficiente na doença mental. Os deficientes ainda têm uma variedade de respostas num conjunto de instituições. Em CAO a satisfação é muito razoável e em Lar Residencial há alguns problemas de listas de espera, mas na área da doença mental é que a situação é pior. Há uma manifesta carência de respostas neste domínio a nível da região”, sustenta, afirmando: “Percebendo essa dificuldade estamos a desenvolver um projeto para poder responder a esse desafio e conto que, apesar das dificuldades, dentro de dois, três anos tenhamos o edifício reconstruído para podermos dar uma resposta nessa área”.
E a intenção é criar um espaço para atividades sócio-ocupacionais, ainda sem internamento, embora esta questão não esteja descartada para mais tarde.
“De imediato vamos tentar instalar uma unidade que responde a todos em ambulatório. O internamento é uma situação que terá que se pôr um dia porque essa carência também existe”, afirma o presidente, que, desde a última eleição, integra também a Direção da CNIS.
Preocupação constante dos dirigentes da instituição é a sustentabilidade financeira, sendo que, nos dias que correm, a situação é equilibrada e passível de permitir investimentos.
“Andamos sempre com a linha de água muito controlada. Nunca se pode deixar de ter atenção a todos os cêntimos diariamente, porque as verbas são sempre escassas e não podemos ter dívidas. A nossa situação financeira é equilibrada, mas é sempre tangencial”, refere Macário Correia, que identifica a dispersão física das respostas da Fundação como um obstáculo: “Temos uma dispersão de edifícios, porque em rigor temos uma série de instalações noutros sítios. Ou seja, temos aqui o edifício sede, vamos ter esse outro onde funcionará a oficina dedicada às artes gráficas e ao papel, temos ainda uma horta, a cerca de 10 quilómetros, onde cultivamos alimentos para a cozinha da Fundação e onde queremos fazer também uma quinta pedagógica, temos ainda o edifício onde funciona o Alojamento de Emergência e, porventura, vamos ter mais dois edifícios com as outras valências que queremos implementar. Esta variedade, sendo que nem todos os espaços são no casco urbano de Tavira, permite-nos ter esta polivalência e este desenvolvimento, mas, por outro lado, exige um staff técnico que tenha estas questões todas em atenção, inclusive na administração dos veículos, pelo que a dispersão exige uma gestão bastante delicada. Os orçamentos são feitos sempre com ambição, mas com uma ambição controlada para não gerar dívida”.
Tendo o objetivo da sustentabilidade na mira, a Fundação procura diversificar as fontes de receita, mas é nos amigos da instituição que reside grande parte do êxito financeiro da mesma.
“A Fundação tem algumas receitas próprias, mas não muitas. Tem alguns apartamentos alugados, mas não dão grande receita. Depois, para além das comparticipações do Estado, através da Segurança Social, do IEFP, do Instituto Nacional de Reabilitação e da Administração Regional de Saúde, temos ainda muitos donativos de caráter particular, de empresas e de cidadãos que nos ajudam com verbas expressivas. A Fundação tem muito boa aceitação junto da opinião pública e isso faz com que haja uma boa predisposição de muitas empresas, famílias e cidadãos que procuram ajudar-nos de uma forma regular. Até grupos desportivos fazem eventos e arranjam uma verba para ajudar as nossas atividades. E os municípios de todo o Algarve também nos ajudam bastante”, revela Macário Correia.
Das diversas valências que desenvolve, a Fundação Irene Rolo tem no Centro de Formação Profissional mais um motivo de orgulho, pois a colocação dos formandos no mercado de trabalho tem sido um êxito. Dando formação em áreas como as de cozinha, empregado de andares, jardinagem, armazenagem, pastelaria e padaria, mecânica de automóveis ligeiros, assistente administrativo e artes gráficas, a Fundação tem conseguido uma taxa de colocação na ordem dos 80%.
“É um trabalho que tem corrido muito bem. Temos oito áreas de formação que geralmente são profissões que não requerem grande conceção intelectual e que são fáceis de abarcar pela nossa população de formandos. Temos profissionais que têm muito boa prestação lá fora e tem havido uma boa relação com as empresas, nos estágios e mesmo na absorção para o mercado de trabalho, com um sucesso muito considerável. Não nos queixamos de fazer formação e depois ficar com as pessoas sem enquadramento”, sustenta Macário Correia, que revela: “Temos tido uma taxa de sucesso muito considerável, colocamos cerca de 70 a 80% dos nossos formandos no mercado de trabalho com alguma facilidade, os outros vamos tentando”.
E a deficiência ainda é o parente pobre da ação social em Portugal?
“É uma área com alguma delicadeza, porque requer custos consideráveis, pois são pessoas com graus de dependência significativos, em alguns casos muito acentuada mesmo, em que nem sempre os próprios conseguem exprimir as suas carências e dificuldades. Os familiares fazem um bom esforço para que a esfera pública dê respostas às suas ansiedades, mas é uma área delicada. O País tem uma boa cobertura no que respeita a Apoio Domiciliário, Lares e Centros de Dia, ou seja, a terceira idade tem um conjunto de respostas relativamente ao alcance daquilo que se deseja, mas o que constatamos é que a deficiência não tem tantas respostas qualificadas como se desejaria. E na doença mental, aqui no Algarve e no resto dos lados, há manifestamente carências consideráveis”, sustenta Macário Correia, levantando algumas dúvidas sobre algumas formas de ver o problema: “Depois, nesse domínio há alguma discussão filosófica que tenho constatado e que me preocupa. Por vezes, os especialistas em doença mental e em psiquiatria têm posturas muito diferentes na forma de tratar o problema. Há quem defenda o internamento em lares e em unidades de tratamento especializado em acordos com a Saúde e a Segurança Social e há quem tenha a tese, que acho um bocado delicada, em que a comunidade é que deve tratar dos doentes mentais. Já passei por situações delicadas na instituição, em que me apercebi que há na esfera da Saúde conceções filosóficas muito controversas. Já vi alguns médicos terem atitudes que me deixam preocupado, mas eles é que são especialistas e eu não sou. Quase se chega a uma tese em que o doente mental deve ser sempre tratado na comunidade e só em casos extremos é que deve ser institucionalizado. É uma tese que a minha experiência me deixa com preocupações pelo que constato a prática corrente e as carências que se sentem evidenciam que é preciso enquadrar e dar contexto a muita gente da doença mental nas instituições. Caso contrário, eles andam sozinho pela rua, muitas vezes com atitudes muito perversas e complicadas. Sou defensor da integração desejavelmente de todos, o que a realidade prova é que alguns não são fáceis de integrar. Portanto, tem que haver outras respostas, para que eles tenham um mínimo de qualidade de vida e os familiares também. O problema estende-se às famílias que não têm descanso e, por vezes, não têm condições sequer para deixar de trabalhar para cuidar de um doente mental”.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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