ABA SHALOM, ÁGUEDA

Apoiar comunidades que mais ninguém quer ajudar

No ano de 2016 celebrar-se-á a primeira década de vida da Associação Baptista de Águeda Shalom, instituição que, apesar de todas as dificuldades e vicissitudes, se tem afirmado e crescido no apoio a uma população composta essencialmente por minorias étnicas, em que a comunidade cigana assume papel de relevo.
Uma creche, para 60 crianças, é a resposta social principal da Shalom e foi o ponto de partida para a instituição, que, entretanto, já alargou o seu apoio à população.
“O Centro de Apoio Comunitário veio por acréscimo, porque sentíamos que todas as famílias das crianças que temos em creche, e que são provenientes de minorias étnicas e imigrantes, como ciganos e moldavos, ucranianos, russos, cabo-verdianos, angolanos, necessitavam de ajuda”, começa por dizer Acácio Oliveira, presidente da instituição e um dos seus grandes impulsionadores, acrescentando: “Vendo essas famílias de baixíssimos rendimentos, em que algumas nada pagam porque não há rendimentos para cálculo, tivemos necessidade de recorrer ao Banco Alimentar Contra a Fome de Aveiro, algo que foi extremamente difícil de conseguir perante a grande lista de espera que o próprio tinha. Após uma visita do Banco Alimentar e dado o contexto social desta zona, de Vale Domingos, Gravanços, Ameal até à Carvalhosa, onde temos quatro comunidades ciganas, a situação foi desbloqueada. Apoiamos ainda um bairro social aqui junto a nós e que foi construído para famílias de ex-Retornados de Angola, Moçambique, Guiné e Cabo Verde, depois de cerca de 20 anos a viverem em casas pré-fabricadas”.
Face ao contexto social muito deprimido, a Shalom sentiu a necessidade de criar um Centro de Apoio Comunitário, que para além do apoio alimentar, recorrendo igualmente ao FEAC (Fundo Europeu de Apoio a Carenciados), tem ainda desenvolvido outras atividades para apoiar estas famílias, através da ajuda de roupa, de calçado e de produtos de higiene.
E se o «core business» da instituição é a creche, os responsáveis da Shalom querem estender ainda mais esse apoio e têm uma série de projetos em mente e alguns já em marcha.
“Neste momento estamos para arrancar com uma lavandaria social, um projeto denominado «Bem-Me-Quer» e que vem ao encontro das necessidades das famílias que servimos”, revela Acácio Oliveira, especificando: “O projeto «Bem-Me-Quer» nasce da necessidade de apoiar as famílias na lavagem e secagem da roupa. Então, através de uma candidatura à Worten conseguimos uma máquina de lavar roupa, uma de lavar loiça e um fogão. Vendemos a máquina de lavar loiça e comprámos uma outra de lavar roupa. Através de outra candidatura veio financiamento para máquinas industriais e comprámos duas máquinas industriais, uma de lavar e outra de secar”.
A intenção da Shalom é apoiar famílias, muitas delas desestruturadas, com alguns membros na cadeia por crimes vários e que vivem em habitações com poucas condições. Para além da lavandaria social, que será instalada num edifício junto ao equipamento da creche e formado por seis contentores unidos entre si e que serve igualmente de armazenamento para todos os produtos doados à instituição no âmbito do Centro de Apoio Comunitário. Ao lado deste pequeno complexo de contentores, a que foi dado o nome de Casa Moleirinho, os responsáveis da Shalom pretendem colocar um outro contentor e instalar ali uma loja social.
Trabalhando para uma população muitas vezes difícil e de hábitos muito peculiares e próprios, a Shalom aderiu ao Projeto ABC (Aprender, Brincar e Crescer), da Fundação Bissaya Barreto e do Ministério da Educação, que se destina a todas as crianças que estão fora das creches e do Pré-escolar.
“A nossa ideia é quando as famílias trouxerem a roupa para lavar, tragam também as crianças e é nessa altura que colocamos em prática o Projeto ABC. E enquanto esperam que a roupa lave e seque, duas técnicas do projeto vão estar a ensinar as mães a cozinhar comida de qualidade e fazer outras atividades domésticas, para além de darem algum apoio às próprias crianças”, explica o presidente da instituição, que revela ainda outro desejo: “Temos lutado muito para conseguir o Pré-escolar, mas por muita pena minha o CLAS não nos aprova a abertura de uma nova valência. Aliás, nunca consegui aprovar nenhuma proposta. Para além de nós, ninguém apoia os ciganos, mas, por exemplo, referenciámos 10 famílias para SAD, mas as três tentativas que fizemos não foram aprovadas no CLAS. Com o Pré-escolar é a mesma coisa. Entretanto, reclamámos, fizemos uma exposição à DGEST, que nos veio visitar, mas identificou o problema da falta de uma sala polivalente, sem a qual o Pré não pode avançar”.
Este desejo de Acácio Oliveira entronca num problema que a instituição enfrenta em todos os arranques de ano letivo, pois no final de cada ano a instituição perde quase 30 crianças para o Pré-escolar, arrancando os novos anos letivos sempre em défice de alunos.
“Se o Pré-escolar avançasse reduziríamos à creche e nasceria o Pré e, assim, ficaríamos com 35 crianças em creche e 25 em Pré e manteríamos a capacidade de 60 crianças para a qual o edifício foi construído. Desta forma não teríamos, no início do ano, algumas funcionárias sem nada para fazer. O problema é que a política de revisão dos Acordos de Cooperação levanta algumas preocupações algumas instituições e os tubarões acabam com as sardinhas e, por isso, é que já houve uma instituição que fechou no centro da cidade e há outra em Assequins perto de fechar. Nós não temos tido problemas porque trabalhamos com quem faz filhos”, sustenta, explicando “o drama de poucas crianças” que a Shalom viveu até determinada altura: “Como não temos Pré-escolar, todos os anos perdemos entre 22 a 28 crianças, são duas salas! Estamos a tentar conquistar a valência de Pré-escolar por isso, mas a verdade é que todos os anos perdemos crianças, e não é em um ou em dois meses que conseguimos recuperar esse número. Abrimos sempre o ano com cerca de 30 crianças apenas, então por volta de maio, junho começamos a sinalizar as grávidas quando vêm aqui buscar os alimentos. E já que aqui vêm buscar comida, roupa e outras coisas, colocam também aqui as crianças na creche. Conquistamos os pais pelos serviços prestados e pela excelência das instalações e ainda aquilo que lhes damos”.
Mais do que a falta de crianças, a questão é levar os pais a coloca-las na instituição.
“Estas são comunidades com bastantes filhos. Há aqui gente, pobre, que tem aos oito e aos nove filhos, muitos casos de mães solteiras e filhos de pais delinquentes. Gerir tudo isto não é fácil, mas as funcionárias também conhecem muito bem a realidade e são elas próprias que fazem essa captação”, acrescenta, revelando que, na maioria dos casos, as crianças rumam à Bela Vista “uma instituição que também teve sempre essa visão e todas as crianças que saem da Shalom são lá acolhidas”.
Trabalhando com famílias muito carenciadas, na maioria dos casos beneficiárias do Rendimento Social de Inserção (RSI), a gestão da instituição tem que ser muito cuidada, até porque ainda há dívidas à Banca e a particulares para saldar, provenientes da construção do edifício-sede.
“A família mais rica que é utente da creche é a minha, porque os meus netos têm passado por aqui, até para servir de exemplo. De resto, todas as crianças são oriundas de meios familiares carenciados. Temos um teto na mensalidade de 150 euros, mas nenhum lá chega”, refere, explicando: “A média da mensalidade era, no ano passado, de 21 euros. Por isso, a gestão da instituição é feita ao cêntimo. Esta instituição é gerida apenas por duas famílias e já o fazemos há uns anos, porque ninguém quer tomar conta de uma coisa que sabe que ao mínimo descuido ela cai. A gestão é facilitada porque temos uma equipa de funcionários extraordinária, que sente a casa como dela”.
Apesar das baixas mensalidades, a Shalom também se debate com um problema transversal à maioria das IPSS, as dívidas dos utentes.
“É verdade, mesmo assim ainda temos alguns problemas de cobrança e todos os anos temos imparidades na ordem dos 3.000/3.500 euros, o que é significativo para uma instituição como esta”, afirma Acácio Oliveira, acrescentando: “Depois, ainda vamos tendo algumas ajudas e, por exemplo, em termos financeiros alguns sócios são muito solidários, que para além de pagarem a quota ainda acrescentam alguns donativos. E é com estas verbas que muitas vezes vamos colmatando os valores daquelas famílias que não pagam”.
Olhando o quadro geral, o presidente da Shalom sustenta que “a parte financeira está equilibrada porque a casa é gerida ao cêntimo”, no entanto: “Neste momento estamos na linha de água em termos financeiros, mas não temos lastro. Se houver algum inconveniente grande e imprevisível teremos que nos socorrer e primeiro grande desafio que temos em mãos é a substituição de uma das carrinhas, que termina a vida útil de 16 anos em Agosto próximo. As carrinhas estão boas e em condições, mas a lei não permite que ela possa continuar a ser usada, pelo que estou agora num desafio muito grande que é arranjar uma carrinha nova”.
E, no caso da Shalom, o transporte é essencial, pois caso contrário poucas ou nenhumas crianças iriam à creche.
“Temos transporte, porque de outra forma não tínhamos cá as crianças, porque a maioria das famílias não tem transporte próprio”, argumenta.
Foi no ano 2000 que o pastor Heitor Gomes lançou a ideia à comunidade Evangélica Baptista de Águeda para a criação de uma ligação mais social à comunidade local, que não apenas a questão religiosa da igreja. Por outro aldo, também o edil, de então, Castro Azevedo apoiou o projeto, prometendo alguns apoios, sempre necessários nestas obras, com o intuito de que nascesse uma instituição social que apoiasse as populações de Vale Domingos, onde viviam e vivem uma série de comunidades muito carenciadas.
A ABA Shalom constituiu-se, adquiriu o estatuto de IPSS e, fruto de uma candidatura ao FEDER, avançou para a construção do equipamento que hoje alberga a creche.
Porém, o novo edil pouco ou nada apoiou e a candidatura foi aprovada, mas sem financiamento para o terreno, nem para o projeto, “para além de mais uma série de coisas”. Assim, a Shalom teve que encontrar e comprar o terreno e mandar fazer o projeto a expensas próprias o que acabou por encarecer todo o projeto inicial.
“Foram-nos atribuídos quase 500 mil euros, mas tivemos que encontrar e comprar um terreno por nossa conta. No início vimo-nos confrontados com a falta de dinheiro e nem sequer tínhamos verba para o projeto. A obra arrancou, mas as dificuldades financeiras eram muito grandes”, recorda Acácio Oliveira, que, hoje, com satisfação diz: “A comunidade olha-nos com muito respeito pelo trabalho que fazemos, porque vivemos a realidade das comunidades carenciadas”.
E como seria o Vale Sobreirinhos sem a Shalom? “Como a encontrámos, com as crianças nos bairros ao Deus dará e sem qualquer apoio. Fome não tinham, porque a droga passava muito facilmente, mas hoje já não é assim”, responde Acácio Oliveira, que recorda ainda: “Ganhar a confiança destas comunidades foi complicado, as mães sentavam-se aqui à porta e não podiam ouvir uma criança chorar que entravam logo pela instituição adentro. Não podíamos levar as crianças à praia, nem a ver o Pai Natal… Hoje são as famílias que querem o Pré-escolar, para que as crianças aqui continuem”.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2016-01-11



















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