Na linha da frente do movimento de acolhimento de refugiados em Portugal, a CNIS, perante a demora e as dificuldades que têm sido vividas na recolocação dos milhares de, especialmente, sírios e iraquianos que fogem da guerra, tenta preparar o futuro e enviou uma equipa à Grécia para tentar perceber melhor a situação no terreno, especialmente no que diz respeito aos menores não-acompanhados e às mulheres em situação vulnerável, leia-se, mães sós e vítimas de violência.
“A Direção da CNIS entendeu que devíamos fazer uma visita ao local, concretamente à Grécia, com o objetivo de sinalizar e ver o que está a ser feito” em relação àqueles dois grupos específicos de pessoas, explica o padre José Baptista, elemento responsável pela questão dos refugiados na Direção da CNIS, e ao que Ana Rodrigues, do Gabinete de Apoio Técnico da CNIS, acrescenta: “Fomos tentar perceber como é que está a situação no terreno, ou seja, se os casos mais vulneráveis, seja de menores não-acompanhados, seja das mulheres em situação vulnerável, estão a ser sinalizados e que encaminhamento está a ser dado a esses casos. Isto para tentar perceber se, do lado de cá, é possível fazer alguma coisa para tentar ajudar a minimizar os danos”.
E na verdade, a imagem que estes dois enviados da CNIS trazem do terreno não é a melhor.
“O que conseguimos perceber é que, quanto aos menores não-acompanhados e às mulheres em situação vulnerável, está muito pouca coisa a ser feita. Há uma deficiente ou quase inexistente sinalização dos casos, porque não há meios no terreno que consigam fazê-lo convenientemente. E, dos que são sinalizados, as vias que depois são percorridas para resolver esses casos na Grécia também não estão preparadas para o fazer. Aquilo com que nos deparámos foi, de facto, com um cenário em que os grupos mais vulneráveis não estão a ser acautelados e as necessidades das pessoas numa situação especialmente vulnerável não estão a ser acauteladas”, sublinha Ana Rodrigues.
Numa altura em que chegam cerca de duas mil pessoas por dia ao campo de registo em Lesbos, e que as autoridades tentam despachar para Atenas logo no próprio dia ou num máximo de 48 horas, os grupos vulneráveis não são diferenciados.
“Dos dados que temos não tem sido feita a destrinça entre os refugiados mais vulneráveis e o todo, o que tem sido feito pelo ACNUR é a sinalização da entrada de menores e que tem correspondido a cerca de um terço das entradas na Europa”, explica Ana Rodrigues, que ressalva o facto de nem todos serem não-acompanhados e “os únicos dados estatísticos” serem das organizações que estão no terreno, “que recebem, num segundo momento, esses menores”.
Com uma capacidade instalada de cerca de 300 a 400 lugares por cada organização, os enviados da CNIS perceberam que “essa capacidade está saturada e só não está mais ainda porque os menores mais velhos tentam fugir e fogem, na medida em que sentem que o sistema não lhes vai dar resposta”.
Para o padre José Baptista, “é de destacar e de louvar o trabalho positivo dos voluntários e das organizações que estão no terreno”, considerando que, “em relação aos menores, estarão dados os primeiros passos, porque as instituições acolhedoras estão, efetivamente, com os lugares bastante preenchidos”, mas no que toca às mulheres em situação vulnerável “é um trabalho que tem que se começar de raiz, pois é um trabalho quase inexistente”.
No terreno, os enviados da CNIS encontraram “muita fragilidade”, diz Ana Rodrigues, “pequenos fragmentos da fragilidade das pessoas”, mas também um povo que não evidencia tantas diferenças como as que por vezes pairam sobre as pessoas quanto à integração desta gente nas nossas comunidades.
“Tem-se falado muito das diferenças que poderão existir e as dificuldades de integração a níveis cultural, religioso, de hábitos e de mundividências, mas o que fomos percebendo é que isso não se nota. Não se vê, não se percebe quando se fala com eles e não há essa diferença de fundo que as pessoas cá têm receio de vir a encontrar. Isso vê-se na substância das pessoas, mas também exteriormente, até nos traços fisionómicos são como nós. E os gregos têm lidado muito bem com isso. Não há grandes diferenças e não há tensão de todo. Depois, sente-se muita modernidade, pessoas jovens, com ar jovem, moderno e ligeiro”, sublinha Ana Rodrigues, ao que o padre José Baptista acrescenta: “É verdade que nos aparece gente muito moderna, mas sabemos que esconde muita tristeza e é aqui que pode falhar a receção em termos psicológicos”.
Para o padre José Baptista “eles são um povo em caminho em busca de uma terra de leite e mel” e com um objetivo a atingir, que invariavelmente passa pela Alemanha.
“Senti muito esta esperança que os anima para, de imediato, seguirem para o ferry para continuarem viagem”, sustenta, o que é reforçado por Ana Rodrigues: “Nota-se muito aquele ânimo de seguir caminho, não deixar a vontade esmorecer e não se deixarem abater pelas dificuldades e pelos traumas que trazem da guerra e da travessia. Nos mais jovens notava-se aquela inquietação, mas também se notava algum cansaço e desencanto e via-se alguns olhares vazios de quem já viveu muito”.
Uma situação que escapará às imagens de televisão, “e que é um bocadinho chocante”, é a de “muita gente a fazer comércio à custa da vulnerabilidade das pessoas”.
Tudo é negócio em torno dos refugiados, das mochilas aos telemóveis, e “é chocante ver que há pessoas que vão aos campos, numa altura em que as pessoas estão especialmente fragilizadas, para fazerem negócio, com grande especulação de preços”, lamenta Ana Rodrigues.
Com o firme propósito de alcançarem a Alemanha ou outros países do Norte da Europa, os refugiados desconfiam da autenticidade de outras propostas, como as de Portugal, e “como não há condições de lhes falar na recolocação logo à chegada, isto significa que quando ouvem informações sobre recolocação acham que é um logro”, refere Ana Rodrigues, ao que o padre José Baptista acrescenta: “Daí que se torna necessário que no momento do registo fosse necessário criar condições para lhes mostrar eventuais destinos. E a tendência parece ser essa”.
Finda a viagem, que decorreu de 7 a 13 de fevereiro e teve ainda uma passagem por Atenas para alguns encontros oficiais, a sensação, para Ana Rodrigues, “é um bocadinho agridoce”.
“Por um lado, concretiza muito da vertente negativa que aqui já sabemos, mas que não tem uma cara e chegando lá a cara surge-nos de frente. Nessa medida é muito triste e deprimente. Por outro lado, dá-nos vontade redobrada, no sentido de pôr mãos à obra e ver o que é que cada um de nós pode fazer para ajudar a resolver o problema. De facto, ir lá é extraordinariamente motivador desse ponto de vista”, sustenta Ana Rodrigues.
Por seu turno, o padre José Baptista considera trouxe a satisfação de ter visto “gestos profundamente cheios de coração de muitos voluntários”.
“Impressionou-me, mais uma vez, como é que há gente que faz das tripas coração e é capaz de ser um hino à esperança. Um alertar de uma maneira positiva do que é que uma guerra faz e o poder é capaz de fazer às pessoas. Venho de lá a pensar que é possível se as ordens europeia e mundial quiserem fazer um trabalho mais rápido e mais efetivo. Por fim, senti que a Grécia também tem instituições bastante humanitárias e que fazem um bom trabalho. Se o poder político quiser tudo isto será resolvido com relativa facilidade”, assegura o membro da Direção da CNIS.
PROPOSTAS DA CNIS
No âmbito da visita da missão da CNIS à Grécia, há já duas propostas, aprovadas pela Direção, a fim de propor uma solução para os casos de refugiados menores não-acompanhados e de mulheres em situação vulnerável.
Assim, em relação aos menores não-acompanhados, a proposta da CNIS passa por aproveitar as capacidades em IPSS, especialmente, competências e equipas ao nível de casas de acolhimento (designadamente da rede de LIJ ou CAT), propondo a seleção e convite a IPSS para criarem uma resposta específica de acolhimento para crianças refugiadas. O papel a desempenhar pela CNIS é o de identificação e seleção das IPSS envolvidas, respetiva preparação para o processo de acolhimento e integração e acompanhamento de todo o processo.
Relativamente às mulheres em situação vulnerável, a proposta passa por estabelecer de parceria com organização local (no caso, Grécia) e pôr em ação mecanismos de sinalização de mulheres em risco. Articular com as autoridades portuguesas para criar um canal seguro de chegada, evitando as trajetórias de risco. E é dirigido a mulheres em situação vulnerável que não preencham os requisitos para serem acolhidas no âmbito da PAR. É necessário fazer um mapeamento prévio das IPSS que disponham de casas-abrigo. Em alternativa, algumas instituições com experiência e equipas nesta área poderiam alargar a sua intervenção, criando, em colaboração com a respetiva autarquia, uma casa-abrigo especificamente vocacionada para este público-alvo.
Importante reter, segundo o padre José Baptista, é que este é um “outro caminho, complementar ao da PAR” que a CNIS quer trilhar, apesar de se manter empenhada no trabalho da PAR.
Pedro Vasco Oliveira (texto)
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