JARDIM DOS PEQUENINOS INÁCIA PIEDADE FETEIRA, VIEIRA DE LEIRIA

A Segurança Social exige muito para dar tão pouco

Quando em 1970 três crianças morreram queimadas na própria casa enquanto a mãe se ausentou para trabalhar deixando-as sozinhas, os alarmes soaram em Vieira de Leiria e o padre Franklin da Cunha liderou um processo que conduziria à criação da Associação de Promoção Social de Vieira de Leiria, logo em 1971.
A tragédia que acabou por ditar a sorte e o futuro de muitas outras crianças da terra e arredores, que passaram a ter um local onde ficar em segurança enquanto os pais trabalham, continua, se bem que de outra forma, a preocupar os responsáveis da instituição que entretanto assumiu a designação de Jardim dos Pequeninos Inácia Piedade Feteira.
É que os frequentes simulacros que a instituição realiza com os bombeiros locais tem demonstrado que, em caso de incêndio, a localização da creche no primeiro andar constitui um enorme obstáculo ao resgate de todas as crianças.
“Se alguma coisa de trágico acontecer vai ser muito triste”, começa por dizer a presidente da instituição, Helena Faustino, acrescentando: “Estamos sempre a rezar para que nada aconteça, porque as pessoas têm que vir com os bebés lá de cima, quem está em baixo pode ir lá cima buscar alguns de uma vez, mas são os que saem, porque os outros ficam lá. São crianças que têm que sair ao colo!”.
Segundo Catarina Lampreia, diretora pedagógica da instituição, “a exigência da Segurança Social é justificada com o descanso dos bebés, que será maior quanto maior fora a distância da confusão, mas em termos de condições e apoio é muito pior”, o que para Joaquim Leal, presidente do Conselho Fiscal, não passa de negligência: “O que vemos na Segurança Social é muito rigor para umas coisas e muita falta de rigor e negligência para outras. Os simulacros provam que tiram-se uma ou duas crianças e o resto não se consegue”.
Por isso é que os responsáveis do Jardim dos Pequeninos querem, na sequência de um projeto que têm para um espaço contíguo à instituição que adquiriram, passar a creche para o rés-do-chão, dando outra sensação de segurança aos pais das crianças que acolhem e a eles próprios.
Este desiderato poderá ser alcançado se avançarem algumas das “várias ideias” que os responsáveis pela instituição têm para o espaço contíguo que inclui um prédio e um terreno envolvente.
“Em primeiro queremos acabar com a nossa dependência das coletividades vizinhas, que até têm sido bastante cooperantes quando precisamos de um salão, porque disponibilizam sempre. Esta é uma instituição que precisa de realizar muitos eventos e há ali alguns espaços que serão aproveitáveis. Eventualmente, poderemos instalar ali uma sala de ATL, criar um espaço onde possamos fazer os nossos eventos, fazendo uma espécie de pavilhão polivalente”, revela Joaquim Leal, justificando a opção: “As crianças fazem ginástica, uma atividade recente na instituição, numa sala exígua e ali poderíamos encontrar um espaço melhor. Temos muitas salas, mas não temos um espaço um pouco mais amplo para determinadas atividades e iniciativas. A sala onde se faz ginástica é também a sala onde os miúdos dormem, onde há aulas de hip hop e outras atividades”.
E as ideias de aproveitamento do espaço não param, pois para o edifício rústico a intenção é “fazer algo como uma horta pedagógica ou outra coisa que proporcione às crianças tempo ao ar livre, para que não passem os dias enfiados dentro das salas”.
Para levar avante estes projetos, a instituição procura ainda apoios e financiamento, uma vez que, apesar de equilibrada, a situação financeira não permite grandes investimentos.
“As receitas são as comparticipações dos pais e os subsídios da Segurança Social, o que vai ajudando é que temos uma equipa bastante boa que vai dinamizando algumas iniciativas e eventos, mas é sempre a ir ao bolso, entre aspas, dos mesmos, que são os pais. E ou se gosta muito da instituição, que é uma parte razoável dos pais, ou então… porque a outra parte paga um serviço e acha que os órgãos sociais, que estão aqui voluntariamente, são seus empregados”, acusa Joaquim Leal
Por outro lado, para o presidente do Conselho Fiscal “a instituição ou cresce ou morre”, porque “a massa salarial é muito elevada” e é preciso dar economia de escala à instituição para funcionar em velocidade cruzeiro: “Nós temos muita procura e queremos alargar, de alguma forma, à periferia o recrutamento de crianças. Então, aí conseguiremos equilibrar e suportar melhor a massa salarial que temos. Depois, temos exigências da Segurança Social que não se compadecem com nada, porque as exigências de rácio de pessoal-utente é muito elevado. Temos uma grande rotação de pessoas, que são, de facto, muito abnegadas, mas andamos sempre a tapar buracos, porque temos muitas baixas prolongadas e uma larga faixa de pessoal que está na faixa etária de serem mães e isso implica, igualmente, ausências prolongadas. Para colmatar essas vagas temo-nos socorridos dos programas de estágio e emprego-inserção, etc. do Centro de Emprego, mas isso também é para acabar, porque o estimado para emprego efetivo não aconteceu, porque houve um aproveitamento do Estado destas instituições para promover o trabalho precário e eu sou contra o trabalho precário. Tudo coisas para a estatística, porque não atendeu às necessidades das instituições, nem das pessoas. As pessoas vêm para cá mas pouco motivadas pois sabem que é algo passageiro e para trabalhar com crianças é preciso gostar-se e ter motivação”.
Mesmo assim, Joaquim leal considera que as contas da instituição estão melhores agora do que há uns tempos.
“Há uma melhoria significativa e isso deve-se essencialmente a duas vertentes: a da motivação das pessoas que aqui trabalham e que através de muitos eventos e iniciativas vão angariando alguns fundos, e a outra é que entrámos numa fase em que as compras são muito ponderadas e em termos energéticos conseguimos também reduzir drasticamente os custos. Conseguimos também algumas mais-valias com a renegociação dos contratos com os fornecedores. Há uma presença mais efetiva dos órgãos sociais e isso acabou por se refletir no dia-a-dia da instituição, pois há um maior rigor na gestão”, argumenta.
Mas as dificuldades são várias e, como lembra Joaquim Leal, “no exercício de 2015 do ATL, houve cerca de 22 mil euros de prejuízo, que têm que ser colmatados pelas outras respostas”.
Acresce ainda uma outra situação que tem levantado alguns problemas ao Jardim dos Pequeninos.
“Quando fizemos as obras de ampliação da instituição, a Segurança Social propôs-nos alargar o horário de funcionamento para as 12 horas e que iria haver um subsídio compensatório, ora estamos a funcionar 12 horas por dia desde 2008, todos os anos temos enviado o pedido do subsídio compensatório e até hoje ainda não chegou cá nada”, acusa Catarina Lampreia, ao que Joaquim Leal acrescenta: “O contexto da Vieira obriga as pessoas que trabalham na Marinha Grande e entram às 8h00 a deixar as crianças aqui às 7h30 e no final do dia coloca-se a mesma situação. Isso era uma prerrogativa que dava 498 euros por mês de comparticipação extra pelas 12 horas de funcionamento, se formos fazer as contas isto foi um prejuízo enorme para a instituição. Tivemos que diluir o pessoal, o consumo energético é muito maior e da Segurança Social o que já nos foi dito foi para esquecermos essa verba”.
No entanto, após nova reunião com os serviços do Estado, “na sequência de uma auditoria que mais parecia que a instituição vivia na ilegalidade”, Joaquim Leal foi informado que “na próxima negociação dos Acordos de Cooperação essa situação do subsídio compensatório já será tida em conta”, porém: “Sabemos, muito bem, que não vamos ser ressarcidos dos retroativos desde 2008”.
Mas as críticas à Segurança Social não se ficam por aqui, pois os valores das comparticipações do estado e a forma como os Acordos de Cooperação são revistos geram muita insatisfação.
“Tínhamos Acordo para 50 crianças, depois tivemos duas baixas na altura de enviar os números e a comparticipação baixou logo para os 48 e, entretanto, já temos novamente a lotação mas não houve reposição”, afirma Catarina Lampreia, ao que Joaquim Leal acrescenta: “A Segurança Social exige muito para dar tão pouco”.
Ainda sobre a questão salarial, a presidente da instituição demonstra desagrado por não poder pagar melhores salários, mas a situação não o permite.
“Depois saem as tabelas salariais, mas nós nunca as podemos cumprir, porque a verba que vem da Segurança Social é sempre a mesma. Ou as pessoas continuam a trabalhar aqui com o que ganham atualmente ou somos forçados a despedir algumas para poder compensar. Reconheço que as auxiliares ganham pouco, mas é incomportável aumentá-las. Acho muito bem que tenham aumentado o ordenado mínimo, mas imagine o impacto que teve nesta instituição, porque as verbas que chegam da Segurança Social são as mesmas. Custa-nos muito, porque é um direito que as pessoas têm, mas não conseguimos”, lamenta Helena Faustino.
Com valências exclusivamente para a área da infância, apesar de haver a ambição, como já aconteceu em projetos pontuais e está previsto nos estatutos, de alargar as respostas à terceira idade, o Jardim dos Pequeninos acolhe 64 bebés em creche, 75 no Pré-escolar e 40 no ATL, respostas asseguradas por 26 funcionários.
Curiosamente, ou não, o ATL cresceu bastante em 2007, ano em que na generalidade das IPSS essa resposta social acabou devido ao alargamento do horário escolar.
“O que se passou foi que aquilo que o Estado propôs de AEC aqui na Vieira não teve condições para se concretizar, então os pais continuaram a precisar da instituição, porque o serviço que garantimos de levar os meninos à escola, o almoço, as faltas dos professores, os finais de dia e as férias e o facto de terem cá os irmãos fez com que o ATL tivesse crescido e desde então temos mantido os níveis. E aqui na Vieira, apesar do Agrupamento ter as AEC e os serviços de apoio, não são serviços em condições para os pais, porque, por exemplo, não garantem os horários que os pais necessitam que fossem assegurados”, explica Catarina Lampreia.
“É aqui que nasce a nossa ideia de crescimento, porque assim os custos fixos já estão alocados. Como os recursos humanos do ATL são altamente qualificados isso terá que dar frutos no futuro e a nossa expectativa é que os bons resultados escolares das crianças sejam motivo para outras crianças virem para o nosso ATL”, sustenta Joaquim Leal.
E como seria Vieira de Leiria sem o Jardim dos Pequeninos?
“Uma tristeza”, responde de pronto a presidente, ao que Joaquim Leal retorque: “Não digo uma tristeza, mas seria mais difícil para as pessoas. Primeiro, há aqui uma parte da população que não é de cá e não tem família aqui que a apoiasse com os miúdos. Depois há uma relação de grande proximidade e quase todos os funcionários daqui trazem crianças para a instituição”.
Sendo a única instituição na zona a assegurar a resposta de creche, Helena Faustino considera que “seria um mal muito grande se não existisse o Jardim dos Pequeninos”.

P.V.O. (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2016-05-31



















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