O que há de particularmente significativo no recente processo político brasileiro não é tanto o afastamento, mesmo que oficialmente temporário, da presidente Dilma Russef. Apesar do seu historial e de todos os seus esforços, ela nunca atingiu o nível de uma figura carismática. O que aconteceu de particularmente importante neste processo foi o “julgamento” público do partido governamental e do seu líder histórico, Lula da Silva, este sim, uma figura verdadeiramente carismática.
Pelo seu percurso de vida e pelos êxitos alcançados ao longo dos seus dois mandatos à frente da nação brasileira, Lula tornou-se uma figura manifestamente querida e respeitada dentro e fora do seu país, talvez como nenhum outro presidente foi ou virá ser. Os êxitos das suas políticas, sobretudo na área social e económica, alcançadas no seu primeiro mandato, fizeram dele um mito, uma espécie de messias para milhões de brasileiros, ansiosos por uma política de mais igualdade e justiça. Foi esse estatuto “messiânico” que lhe permitiu superar os escândalos que foram salpicando o seu segundo mandato, sem que a sua imagem na opinião pública fosse completamente abalada. Pelo menos até há pouco tempo, quando a presidente se serviu do seu nome para tentar resistir ao vendaval que se vinha abatendo sobre ela. O processo político que abalou o Brasil ainda não está encerrado, mas se terminar com o afastamento definitivo de Dilma Russef, bem se poderá dizer que Lula da Silva, o grande herói da política brasileira dos últimos, caiu fragorosamente do seu pedestal. Uma história igual a tantas outras histórias que a política proporciona. Por exemplo, a história de Lech Walesa e do “ Solidariedade”.
Ainda hoje é difícil perceber como é que um sindicato, liderado por um simples electricista, venceu um sistema aparentemente indestrutível, como parecia ser o regime comunista polaco, alicerçado como estava no poder de Moscovo. Igualmente difícil é perceber como é que o “Solidariedade” desapareceu praticamente da cena política daquele país. E mais difícil ainda é entender a humilhação sofrida por Lech Walesa nas eleições presidenciais de 1993 em que não chegou sequer aos 6%. Um homem umbilicalmente ligado à transformação do seu país e da Europa de Leste, um herói da política internacional, caiu estrondosamente do seu pedestal. Ainda por cima sem que contra ele tenham surgido acusações pessoais ou políticas graves, ao contrário do que se passa no Brasil.
Seja como for, uma coisa é certa: os heróis da política não duram para sempre.
António José da Silva
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