Inicialmente denominado «Albergue das Creanças Abandonadas», a instituição lisboeta contou na sua inauguração com a presença da família real encabeçada pelo rei D. Carlos I.
E se foram os “notáveis da época” que conseguiram os meios necessários para fundar a instituição é um simples agente da Polícia, pleno de boa vontade, que deu o mote para o que viria a ser, na altura, o «Albergue das Creanças Abandonadas».
“Esta instituição foi fundada, em 1897, na sequência da ação caritativa do agente da Polícia Joaquim Augusto Andrade, que recolhia em sua casa as crianças que estavam na rua abandonadas”, começa por contar Manuel António Gomes, atual presidente da instituição, que continua: “Chegou a ter 20 crianças em casa. Na altura, o comandante da Polícia Morais Sarmento percebeu as dificuldades do agente e procurou motivar os notáveis da época. Então juntaram-se algumas pessoas que fundaram esta casa, a que se juntou o Conde de S. Marçal, um dos fundadores do Diário de Notícias, e que foi muito importante no desenvolvimento desta instituição. Foi, talvez, a pessoa que mais dinheiro doou à instituição e foi com o dinheiro dele que foi adquirido o edifício em que a instituição passou a funcionar desde essa época”.
E se hoje a capacidade da Casa da Estrela, como entretanto foi batizado o edifício, é de 45 utentes, acolhendo atualmente 30 educandas, tempos houve em que a instituição albergou 120 crianças e jovens, sempre e só do sexo feminino.
Ora uma tão grande população implicava que as condições não fossem as melhores, especialmente tendo em vista a integração social das utentes, que viviam em grandes camaratas.
“A instituição sempre foi reconhecida por ter tido sempre uma visão de promoção da socialização das pessoas que acolhe, tendo também em consideração as diferentes realidades sociais ao longo destes mais de 100 anos”, refere o presidente, que entrou para os órgãos sociais ainda nos primeiros anos do regime democrático: “Recordo-me de há muitos anos isto ser tipo tropa. Na década de 1970 começou-se a perceber que havia necessidade de transformar a instituição face à evolução da sociedade. Começou a equacionar-se colocar as educandas a estudar fora da instituição, porque até aí elas estudavam dentro de portas, numa escola primária exclusiva da instituição. No entanto, percebeu-se que era útil para a melhor socialização das meninas que estudassem fora”.
Antes disso, as internas da instituição faziam a instrução primária e entravam logo no mercado de trabalho a servir em casas de família. Na altura foi negociado com o Estado a passagem da escola primária para Campo de Ourique e, como não tinha interesse arquitetónico, o edifício foi demolido, tendo sido construído de raiz o atual prédio onde funciona a instituição e “já com outra filosofia de acolhimento”.
Apesar das intenções de mudança terem surgido logo nos primeiros anos de Democracia, a construção só ficou concluída em 1986 “e já foi construído para acolher três educandas por quarto”.
Nos tempos que correm, a Direção liderada por Manuel António Gomes pretende fazer uma nova requalificação e melhor aproveitamento do espaço, estando “em negociações com a Segurança Social porque há um projeto, há longos anos, para dividir a instituição em três unidades autónomas, com 10 meninas em cada unidade, tornando os ambientes mais próximos do que é uma família”.
Segundo o presidente do Centro, “há possibilidades de fazer isso com alguma tranquilidade, o que não é tranquilo é o investimento necessário”.
“Já temos projeto de arquitetura para construir um lar de autonomia, numa parte do edifício que está devoluto, e para a divisão do restante em unidades autónomas, uma por cada um dos três pisos”, explica, revelando ser ainda intenção criar um apartamento de autonomia num prédio propriedade da instituição e que tem todo um andar vago, onde podem ser colocadas cinco educandas, o número mínimo autorizado pela Segurança Social.
“Tudo isto está estruturado, pensado e projetado, mas vamos precisar de um financiamento muito grande. Tenho estado a equacionar a possibilidade de podermos aproveitar um ou dois caminhos para nos candidatarmos aos financiamentos do Portugal 2020. Superficialmente consultei uma pessoa que trabalha nessa área e ela não me deu grandes esperanças, por estarmos inseridos na Região de Lisboa e Vale do Tejo. Já em 2013 candidatámos o lar de autonomia ao POPH, mas foi recusado”, lamenta, avançando uma outra possibilidade: “Se não conseguirmos no Portugal 2020, resta-nos procurar empresas com algum peso para ao abrigo da Lei do Mecenato conseguirmos o financiamento necessário”.
Ainda sem orçamento traçado, Manuel António Gomes estima que o projeto custe qualquer coisa entre os 80 mil e os 90 mil euros.
Tal como as demais respostas de LIJ (Lar de Infância e Juventude), O Centro de Promoção Juvenil não conta com comparticipações das utentes ou das famílias, pelo que a instituição “vive de donativos dos beneméritos que ainda vão existindo e da comparticipação da Segurança Social”, para além disto tem ainda algum património imobiliário, que foi doado e que está arrendado.
Mesmo assim, a saúde financeira da instituição “é estável”, tendo fechado as contas de 2015 com “um resultado equilibrado, com um saldo positivo à volta dos dois mil euros”, refere o presidente, acrescentando: “Temos resultados financeiros equilibrados, não temos é reservas. Mantemos uma reserva por prudência, mas é uma verba que não chega para avançar com projeto nenhum”.
Tendo a educanda mais nova 13 anos e a mais velha 21 anos, o Centro é mais um lar de juventude do que propriamente um lar de infância e juventude, uma realidade que preocupa quem dirige a casa.
“A maioria dos pedidos que aqui chegam é para jovens na ordem dos 14, 15 anos de idade e isto é preocupante, porque, ao lermos os relatórios, percebemos que são jovens que foram sinalizadas cinco ou seis anos antes e depois não aconteceu nada. E isto é grave, porque quando cá chegam vêm com perturbações muito profundas e isso poderia ter sido evitado”, acusa Manuel Gomes, acrescentando: “É claro que poderia haver um movimento para apoiar estas crianças que são sinalizadas precocemente fazendo um trabalho em meio natural de vida. Isso foi preconizado já há uns tempos e foi algo em que estivemos envolvidos e a que demos o nome de Mais Família, mas depois houve um problema de verbas e foi suspenso. Isto é algo que era importante fazer-se e que não está a ser feito de uma forma eficiente”.
E se no passado eram mais as órfãs ou crianças abandonadas por dificuldades económicas das famílias e depois uma forte vaga de crianças Retornadas das ex-Colónias Ultramarinas, “hoje em dia são jovens provenientes de famílias desestruturadas ou ausentes”.
E aqui, o presidente da instituição esclarece que o ausente não significa sempre a ausência física, seja por falecimento, seja por emigração.
“Quando essas situações sucedem é algo que perturbam muito estas jovens, porque elas sentem-se culpadas pela desagregação familiar, porque o pai bebe e bate na mãe e pensam que a culpa é delas. E trabalhar isto não é nada fácil”, lamenta, ao mesmo tempo que deixa um alerta: “E há uma coisa que a institucionalização promove e que é preciso muito cuidado a gerir. É que o Tribunal retira a criança à família, pelas mais diversas razões, e depois é decida a institucionalização, mas isto envolve um risco enorme. A família diz que a menina está no colégio e desresponsabiliza-se de tudo e isso é muito marcante para as miúdas que sentem que a família não quer saber delas. Tem que haver um grande cuidado das equipas técnicas em trabalhar a família. A institucionalização tem este risco e nós sentimo-lo de forma muito evidente”.
Por outro lado, as dificuldades para cumprir dignamente a sua missão, a instituição enfrenta diversas dificuldades.
“Uma que nos preocupa é a gestão financeira para conseguirmos manter o equilíbrio e podermos proporcionar qualidade no atendimento às educandas. Essa é a grande preocupação, mas temos ainda alguns problemas na qualidade de formação de algum pessoal, apesar de termos uma boa equipa técnica”, sustenta, considerando que a especificidade do trabalho numa instituição como esta exige muito de cada um dos 28 funcionários: “Todos os colaboradores têm contacto com as meninas e, por vezes, sem se aperceberem podem ter reações negativas e temos que estar permanentemente atentos a isso. Temos um psicólogo externo que dá apoio à equipa técnica e também à equipa educativa, que é formada por ajudantes de ação educativa, que não são pessoas licenciadas, para as ajudar a racionalizar a sua ação no sentido a que seja o mais adequada a cada educanda e elas são muitas e, naturalmente, todas diferentes. Gerir isto não é nada fácil”.
Apesar de tudo – “por vezes temos aqui sarilhos muito grandes” –, para Manuel Gomes, trabalhar no Centro de Promoção Juvenil “é muito motivador e as pessoas são muito empenhadas e entusiastas com o seu trabalho”.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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