A Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), a União das Misericórdias Portuguesas (UMP) e a União das Mutualidades Portuguesas (UMP) subscrevem junto das instâncias europeias a solicitação do arquivamento do procedimento por défice excessivo, não devendo haver lugar ao estabelecimento de quaisquer sanções, mesmo que simbólicas, como é de justiça.
A missiva tem como destinatários os presidentes do Parlamento Europeu, Martin Schulz, da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, e do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, e ainda os deputados portugueses no Parlamento Europeu, o comissário europeu Carlos Moedas, o primeiro-ministro português, António Costa, o ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva, e ainda a secretária de Estado da Segurança Social, Cláudia Joaquim.
As três entidades representativas do Setor Social Solidário, para além de considerarem injusta a aplicação de qualquer sanção a Portugal por défice excessivo, pretendem com a missiva agora enviada fazer sentir às instâncias europeias da enorme importância dos fundos comunitários para a prossecução da sua missão de cariz social solidário, ao mesmo tempo que fazem uma resenha do passado e presente do Setor e do relacionamento com o Estado e demais setores da sociedade.
MISSIVA
O SOLIDARIEDADE deixa replica aqui na íntegra o documento enviado às diversas entidades europeias e nacionais.
“As entidades subscritoras da presente representação são a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), a União das Misericórdias Portuguesas (UMP) e a União das Mutualidades Portuguesas (UMP).
Representam, em conjunto, um universo constituído por cerca de 5.000 entidades dotadas de personalidade jurídica coletiva, sem finalidade lucrativa, seja sob a forma de associações e corporações, seja sob a forma de fundações, que integram o chamado Sector Social Solidário, no contexto da economia social.
Em Portugal, a protecção social das pessoas e famílias em situação de maior desfavorecimento – pobreza, desemprego, abandono familiar, abandono escolar, integração das pessoas com deficiência ou doença mental, cuidados aos idosos -, através de modalidades e serviços de ação social e de prestação de cuidados de saúde, é desenvolvida maioritariamente por estas Instituições, que constituem uma rede solidária, emanada da sociedade civil, que abrange todo o território nacional, numa rede de proximidade e capilaridade que o irriga, desde as maiores cidades às aldeias mais abandonadas e periféricas.
Esta realidade é relativamente desconhecida junto das Instituições da União Europeia, mas o certo é que este sistema solidário e fora do perímetro do Estado e de outras entidades públicas representa uma fortíssima manifestação do princípio da subsidiariedade, que constitui um princípio de estruturação das políticas comuns europeias.
É relativamente desconhecida; mas em Portugal o modelo de protecção social assim referido já existe e funciona há vários séculos: seja sob a forma das Santas Casas, ou Irmandades da Misericórdia, existentes desde o século XV (pelo menos uma por cada município) até às associações de socorros mútuos (algumas, de pescadores, por exemplo, ainda anteriores a esse século) ou por iniciativa dos conventos e mosteiros, desde a Idade Média; ou, mais recentemente, por iniciativa democrática de cidadãos que se associam para finalidades filantrópicas.
A rede de protecção social acima sumariamente descrita tem constituído, em Portugal, ao longo das últimas décadas, sem alterações significativas de acordo com os sucessivos ciclos políticos (mas mantendo, pelo contrário, uma estabilidade que tem sido condição de eficiência), um instrumento muito relevante na diminuição dos níveis de pobreza e exclusão de largos segmentos da população portuguesa, embora, naturalmente, ao ritmo e de acordo com a escassez de recursos materiais que desde sempre tem marcado o nosso País.
Essa rede constituiu, designadamente ao longo dos últimos quaro anos, correspondente ao período de ajustamento no âmbito do Memorando de Entendimento com as Instituições Europeias, um poderoso amortecedor dos efeitos socialmente mais gravosos no seio das pessoas, famílias e grupos mais vulneráveis, o que permitiu que esse processo de ajustamento fosse concluído sem perturbações significativas e em condições de manifesta paz social.
Para tanto, contribuiu um diálogo permanente com o Governo que dirigiu o País durante o referido período de ajustamento orçamental, estabelecendo, em cooperação e parceria, as prioridades e as correspondentes medidas de intervenção necessárias à maior eficácia das políticas públicas junto desses sectores mais desfavorecidos e vulneráveis.
Tal cooperação e parceria tem-se mantido integralmente, no que toca ao desenvolvimento das políticas públicas na área social, com o Governo atualmente em funções, sem alterações de modelo, através da celebração de instrumentos contratuais bilaterais que têm constituído a modalidade formal e institucional da referida parceria.
O modelo português de cooperação entre as entidades públicas e as Instituições da sociedade civil - que constitui, aliás, o modelo consagrado na Constituição da República Portuguesa – tem possibilitado a convergência de recursos provenientes da cooperação com o Estado com os que resultam do envolvimento das comunidades, quer em proveitos financeiros, quer em voluntariado organizado – o que se traduz num menor envolvimento de verbas públicas afetas às políticas sociais.
É também certo que, no elenco de recursos geridos por estas Instituições, e com um importante papel na diminuição dos níveis de pobreza de largos estratos da população portuguesa, figuram os fundos estruturais provenientes da União Europeia destinados a promover a coesão social, o emprego, a educação e a qualificação dos portugueses.
Para além dos efeitos sobre as pessoas utentes, tais fundos têm também constituído, como efeito necessário do trabalho social das Instituições, um fator relevante de coesão social, pelos postos de trabalho, em regime de contrato de trabalho, que fundamentam e que constam dos mapas de recursos humanos de cada Instituição concreta.
A diminuição, limitação ou suspensão dos programas criados no âmbito da União Europeia, ou a aplicação de sanções de outra natureza ao nosso País, mesmo que de carácter simbólico, para os cerca de 650.000 utentes, 250.000 trabalhadores e 44.000 dirigentes voluntários do Sector Solidário, seria vista como uma manifesta injustiça e uma falta de reconhecimento do esforço que tantos fizeram para ajudar a vencer a crise em que Portugal se encontrava.
A aprovação de sanções pela União Europeia constituirá causa direta de extinção de postos de trabalho no Sector - fenómeno duplamente injusto, na medida em que o Sector Solidário, não obstante ter sido chamado a aumentar os seus níveis de resposta durante o período de ajustamento orçamental, sem contrapartida ao nível de recursos públicos, pôde constituir, ao logo dos últimos 5 anos, uma referência nacional ao nível da estabilidade e mesmo do crescimento do emprego; correndo agora, que a crise está vencida, o risco dos despedimentos que conseguiu evitar durante o referido período.
Por todas estas razões, a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), a União das Misericórdias Portuguesas (UMP) e União das Mutualidades Portuguesas (UMP), representadas pelo signatário, solicitam o arquivamento do procedimento por défice excessivo, não devendo haver lugar ao estabelecimento de quaisquer sanções, mesmo que simbólicas, como é de Justiça”.
Não há inqueritos válidos.