Com o objetivo de reafirmar o empenho do Estado Português e da CNIS no acolhimento e integração de refugiados, em geral, e de menores não-acompanhados, em particular, a Confederação vai realizar, no próximo dia 3 de novembro, a conferência «Menores Não-Acompanhados - Preparar o Acolhimento», no Museu Nacional Soares dos Reis, no Porto.
Esta conferência reunirá um grupo de especialistas do foro académico, político e profissional, por forma a propiciar a todos os stakeholders e atores envolvidos um momento de reflexão e de discussão sobre os desafios que este processo pode acarretar.
O encontro surge no seguimento da visita que a CNIS empreendeu à Grécia em janeiro deste ano e onde se confrontou com a dura realidade de inúmeros menores não-acompanhados que chegaram àquele país, fugindo da guerra nos seus países de origem.
Nessa viagem, dirigente da CNIS padre José Baptista e Ana Rodrigues, do Gabinete de Apoio Técnico, estabeleceram contacto com a organização não-governamental grega METAdrasi - Ação de Migração e Desenvolvimento, que tem por objetivo colmatar lacunas ao nível do acolhimento e integração de refugiados e imigrantes na Grécia.
O SOLIDARIEDADE entrevistou, via e-mail, com Lora Pappa, presidente e fundadora da METAdrasi, cujo trabalho em prol destes desvalidos do Mundo lhe valeu o Prémio Norte-Sul do Conselho da Europa, relativo a 2015, pelo empenho de excelência na defesa e promoção dos Direitos Humanos, pluralidade democrática, desenvolvimento do diálogo intercultural e reforço da solidariedade entre norte e sul.
Empenhada em aliviar o sofrimento dos refugiados, Lora Pappa, através da METAdrasi, considera que dizer que a situação dos refugiados na Grécia está controlada “depende do que se entende por situação controlada” e explica: “Se se refere ao número de refugiados e migrantes que chegam à Grécia há, de facto, uma significativa diminuição. O número de pessoas afogadas no Mar Egeu também diminui grandemente em comparação com o ano passado. Mas se falarmos dos refugiados que estão retidos na Grécia, aproximadamente 50 mil, a situação ainda está sob controlo, mas seguramente tornar-se-á explosiva e temo que possa ficar fora de controlo. Com tempo penso que podemos melhorar a nossa organização e as condições de acolhimento, melhorando as infraestruturas e criando mais campos na Grécia.
Por outro lado, mais refugiados têm chegado às ilhas e, segundo o acordo UE-Turquia, eles têm que ali ficar. Isto significa que as condições nas ilhas estão a deteriorar-se e são frequentes os episódios de tensão e violência”.
Por outro lado, Lora Pappa lembra que “está a chegar o inverno e os refugiados que estão a viver em tendas irão, brevemente, enfrentar condições atmosféricas adversas”, acrescentando: “A sensação geral é que a Grécia foi abandonada e até mesmo a promessa, feita há um ano, de que o pessoal dos serviços de asilo gregos iria ser reforçada não foi cumprida”.
Para esta voluntária grega, “a maior alteração prende-se com a chegada de um grande número de menores não acompanhados”, tendo a METAdrasi identificado, após o processo de pré-registo de pessoas interessadas em pedir asilo na Grécia, “cerca de dois mil menores não-acompanhados a viver fora dos centros de acolhimento”.
Por isso, defende, “é urgente lidar com esta questão dos menores não-acompanhados, uma vez que não há nenhuma solução para eles”. Nesse sentido, a organização redobrou esforços no sentido de “encontrar guardiões e locais de acolhimento e criar um programa de famílias adotivas”.
Por outro lado, as ações de integração das crianças no sistema de ensino, de ensino de grego a adultos e de equipas de intérpretes nos campos de refugiados no continente foram reforçados.
“A postura de Portugal, tal como a de outros poucos países, como a França, é uma exceção e bem diferente de outros países-membros da União Europeia (UE). Sempre apreciei a postura de Portugal na questão dos refugiados. Aliás, Portugal, a seguir à França, é o segundo país da UE em número de refugiados a receber”, sustenta, testemunhando: “Em junho, aquando da entrega do Prémio Norte-Sul, em Lisboa, tive a oportunidade de conhecer in loco o espírito humanista e solidário que caracteriza esse pequeno país do sul da Europa, que, tal como a Grécia, ainda se debate com as consequências da crise económica. Ao longo das reuniões com organizações não-governamentais e com alguns ministros diretamente envolvidos na questão das migrações, fiquei impressionada e sensibilizada com o compromisso e com a coordenação e eficácia no tratamento da recolocação e integração de famílias de refugiados que chegaram da Grécia. Já para não falar do envolvimento que encontrei das autoridades locais e das populações”.
Nesse sentido, deixa um desejo: “E, por isso, esperamos que esta cooperação para receberem menores não-acompanhados seja possível. Portugal pode ser um exemplo de solidariedade para estas crianças esquecidas na Grécia e é minha convicção que se este projeto-piloto for bem-sucedido outros países o seguirão no acolhimento destes menores não-acompanhados”.
Atualmente, muitos menores não-acompanhados estão detidos na Grécia em condições indignas.
“Gradualmente tem crescido a consciência do quão é inaceitável manter as crianças detidas. É algo para que a METAdrasi tem dado voz desde o seu início em 2010. Lentamente, as autoridades têm-se mostrado mais sensíveis ao problema e a nível local têm feito o que podem para aliviar a situação. Na verdade, desde que em março as fronteiras foram fechadas, milhares de menores não-acompanhados estão presos e muitas das pessoas que se fizeram passar por seus familiares abandonaram-nas nos campos ou nas ruas. E como não há lugar para os acolher a todos, há muitos menores não-acompanhados ainda detidos em condições pavorosas”, relata Lora Pappa, defendendo que tem sido feito um grande esforço na Grécia para criar locais de acolhimento para crianças.
“No entanto, cerca de 1.500 menores não-acompanhados continuam detidos, nas ruas ou em campos de refugiados e uma solução de curto prazo passa pela aceleração do processo de reunificação com familiares que se encontram noutros países”, argumenta, revelando alguns dados interessantes: “Pelo menos 50% destas crianças tem um familiar num país da UE. Para as restantes crianças, os parceiros europeus têm que priorizar um programa de recolocação e agilizar o processo de visto humanitário através das embaixadas gregas”.
Recentemente, a METAdrasi lançou um novo programa de famílias adotivas, do qual Lora Pappa se diz “muito orgulhosa”, pois considera “ser a melhor solução para estas crianças, particularmente as mais vulneráveis, e é nisso que estamos focados”.
Segundo a voluntária grega, “houve uma resposta entusiástica da sociedade grega e tem sido possível acolher crianças no seio de famílias gregas”.
Em termos de implementação do programa, “a grande preocupação tem sido empatia entre a criança e a família de acolhimento”, começa por explicar, acrescentando: “Temos gasto muito tempo neste processo e, até agora, o programa tem funcionado surpreendentemente bem. As crianças estão felizes, sentem-se seguras e, pela primeira vez em muitos meses ou anos, não sentem a preocupação de se protegerem e de como sobreviverem”.
Por isso é que Lora Pappa espera “ver brevemente Portugal a receber e acolher crianças não-acompanhadas oriundas da Grécia”, processo que encerra alguns desafios, como “desenvolver conhecimento e ter pessoal especializado para ajudar estas crianças na integração”.
Mas, segundo ela, “não se deve temer os desafios”, pois “há sempre o risco de cometer erros”.
No entanto, a confiança e otimismo enformam as palavras de Pappa: “Independentemente do conhecimento que temos, haverá sempre casos que não sabemos muito bem o que fazer deles. É nestas alturas que devemos pedir ajuda. A chave do sucesso é construir uma relação de confiança com a criança para que ela sinta que, realmente, nos preocupamos com ela. Isto, normalmente, é conseguido quando há consistência na nossa ação e compromisso com a criança. Se ganharmos esta aposta, as possibilidades de vermos uma criança cheia de vontade de viver e integrada no novo país é muito grande. E a experiência das pessoas que as acolhem é única”.
Dos milhares de pessoas e menores não-acompanhados que já apoiou, Lora Pappa retém duas histórias, “das muitas de pessoas de todas as idades”, em que “a maioria tem em comum serem grandes exemplos de força e vontade de viver”.
A ativista grega começa por recordar a história de dois irmãos que chegaram sozinhos à Grécia.
“O mais novo é deficiente e o irmão mais velho carregou-o ao colo ao longo de toda a caminhada desde a Síria, sem queixas, com um enorme sorriso e aliviados por estarem em segurança”, conta, lembrando outra situação: “Outra imagem que não me sai da cabeça é a de um rapaz afegão a chorar e a dizer que era “filho de um Deus menor». Pedi-lhe que me explicasse o que queria dizer com aquilo e ele foi claro na resposta. «Não tenho familiares na Europa, não sou sírio para ser recolocado, portanto, eu não existo». Hoje o rapaz está num dos nossos abrigos e o sonho dele é ser intérprete da METAdrasi. Mas esta imagem assalta-me frequentemente, porque sei que centenas de crianças sentem que são filhas de um Deus menor”.
E é também para aliviar o sofrimento destas crianças e jovens que a CNIS lança o debate sobre o acolhimento de menores não-acompanhados, no seguimento do anterior empenho na receção e integração de refugiados.
Pedro Vasco Oliveira/Ana Rodrigues (texto)
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