CONFERÊNCIA REFUGIADOS

Para que o acolhimento não seja voluntarista

“O acolhimento não pode ser voluntarista, demasiado depressa e sem preparação”, disse o padre Lino Maia na sessão de abertura da conferência «Menores não-acompanhados – Preparar o acolhimento», que a CNIS promoveu no Porto, sublinhando: “Por isso, isto é um encontro académico”.
O presidente da CNIS acabaria por reforçar a ideia, já no final, dizendo que a jornada passada no auditório do Museu Nacional de Soares dos Reis havia sido “um excelente dia de reflexão e académico”.
A proposta inicial era simples: Há inúmeros refugiados menores sozinhos e há que encontrar uma resposta, portanto há que preparar o caminho.
E foi isso que mais de uma centena de dirigentes, técnicos, colaboradores e voluntários de diversas IPSS de todo o País fizeram ao longo do dia de ontem, debatendo as especificidades do ser refugiado, menor e sozinho, exibindo números, histórias e explicando os enquadramentos legais e tudo o que envolve acolher, como um deles os intitulou, estes “filhos de um Deus menor”.
O presidente da CNIS lembrou que “quem melhor pode acolher estas crianças é quem tem sensibilidade de proximidade e está próximo de quem mais precisa”, uma ideia que a secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, Catarina Marcelino prosseguiu: “O que fazemos, Estado e sociedade civil, nestas áreas é cooperação, de forma integrada e articulada. Não é parceria, nem consórcio, é cooperação”.
De resto, a governante acabaria por ser a primeira a falar em algo que foi uma constante nas intervenções ao longo de todo o dia: “Estamos aqui para falar do superior interesse das crianças e jovens e do seu desenvolvimento humano”.
Catarina Marcelino lembrou que “até para nascer é preciso ter sorte”, por isso: “As nossas portas estão abertas para que ninguém fique para trás”.
Seguiu-se uma longa jornada de trabalhos, com a participação de diversos oradores de reconhecida reputação. No entanto, um dos momentos mais significativo e mais significante do dia foi a participação de quatro jovens – a Joana, a Catarina, o Ivo e o Cristiano –, com 11 e 12 anos, dando voz à própria experiência de acolhimento de outras crianças refugiadas. Os quatro estudantes partilharam como foi e como tem sido a vivência na escola e no ATL, para além de expressarem as suas preocupações.
Com moderação de João Dias, da CNIS, e a participação surpresa de Armando Leandro, “talvez a pessoa que mais associemos à defesa dos direitos das crianças”, como referiu o moderador, os quatro petizes deram aos presentes uma perspetiva, em momento algum infantil, mas apenas própria da idade. No entanto, demonstraram que a sua voz é válida como qualquer outra.
No final, os irmãos Ivo e Joana revelaram que, depois de em casa terem selecionado uma série de roupa e outros artigos decidiram lançar um projeto na escola para angariação de mais roupa para os jovens refugiados e suas famílias. Porém, tal não avançou e foi de cara triste que lamentaram o facto de a escola não os ter acompanhado.
Nas restantes mesas sucederam-se intervenções que deram conta do que está a falhar, de qual é o estatuto destas crianças e jovens refugiados e lançaram-se algumas pistas sobre a(s) melhor(es) forma(s) de acolher e integrar.
Sobre a «Crise de refugiados – em que medida está a comunidade internacional a falhar», o primeiro tema da conferência, Teresa Tito de Morais, presidente do Conselho Português para os Refugiados (CPR), recordou que “é sobretudo a Europa que está a falhar”.
“A União Europeia tem na sua génese a livre circulação de serviços e bens, mas o mesmo não se aplica às pessoas”, exemplificou, destacando que “a grande preocupação no CPR é a estabilização emocional das crianças e dar respostas aos seus anseios, o que pode ser feito com o desporto, a música, o teatro e tantas outras atividades”.
Já Assunção do Vale Pereira, docente da Universidade do Minho, considerou essencial que “os países atuem no âmbito dos Direitos Humanos no acolhimento aos refugiados” e “educar as pessoas para os Direitos Humanos e para o Direito Humanitário”.
Para além disto, a docente de Direito encontra um sério problema em toda esta questão, é que “as democracias da Europa assentam muito a sua ação na opinião pública, e esta nem sempre está bem informada e esclarecida”, defendendo que “é fundamental que haja informação credível”.
Por seu turno, o eurodeputado Carlos Coelho começou por dizer que “teoricamente todos concordam com uma política comum de asilo na Europa, mas na prática não funciona”, o que cria um problema grande, pois “é uma evidência que, não havendo fronteiras, tem que haver uma política de asilo e de imigração comum”.
Para o eurodeputado, “a Europa falhou na emergência humanitária, falhou na solidariedade europeia e falhou nas soluções estruturais”, justificando cada uma delas com números e concluindo: “Falhámos em toda a linha, em especial pela fraca adesão dos Estados-membros. Receber refugiados é uma obrigação ética, mas, para além de dar visibilidade às situações, o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia não podem obrigar os Estados-membros a portar-se bem!”.
Já no segundo painel, dedicado ao tema «Menores não-acompanhados com estatuto de proteção internacional reconhecido», Ana Rita Gil, investigadora do CEDIS, lembrou o aumento, em 2016, do fluxo migratório de crianças, contextualizando a situação atual da crise de refugiados que a Europa vive e sublinhando que é “dever jurídico dos Estados a proteção de crianças refugiadas”.
De seguida, Armando Leandro, presidente da CrescerSer, destacou a “grande garantia” que é “todas as crianças em Portugal, sejam portuguesas ou não, têm direito à proteção e à promoção dos seus direitos”, sublinhando ainda que aquelas devem ter “representação jurídica capaz” que deve ser “efetiva, afetiva, próxima e competente” e garantir que se “estabelece uma guarda de facto”.
Fundamental, para o juiz conselheiro, em todo o processo de acolhimento é “ouvir as crianças”.
Aliás, aquando da participação no painel composto pelos quatro petizes, Armando Leandro reforçou esta ideia, dizendo: “Sem ouvir as crianças não conseguimos decidir bem”.
Mariana Canotilho, pós-graduada em Direitos Humanos, começou por lembrar que “as obrigações do Estado estão na Constituição da República”, acrescentando que “a primeira obrigação do Estado é fazer o que a CNIS está a fazer: estudar o problema, antecipar soluções e implementá-las”.
Para Mariana Canotilho, deve começar-se pelo princípio pelo que “é preciso formar as famílias e as pessoas” para o acolhimento.
«Como acolher e integrar menores de outros contextos» reuniu em torno da mesa Norberto Martins, magistrado do Ministério Público, e Ana Rodrigues, investigadora e uma das principais responsáveis pela conferência da CNIS, para debaterem o derradeiro tema do encontro, com moderação de Pedro Cruz Calado, Alto-Comissário para as Migrações.
Antes, o presidente da CNIS leu o texto enviado pelo vice-presidente da Assembleia da República, José Manuel Pureza, que se viu impossibilitado de estar presente, mas não quis deixar de participar.
Numa alocução intitulada «O lugar da dimensão religiosa no acolhimento de menores não-acompanhados. Contributos para uma reflexão», o deputado, entre muitas outras ideias, sustentou: “Confundir laicidade do Estado com laicidade da sociedade é um erro grave, com resultados sociais desastrosos. A educação para a laicidade não é uma educação para o vazio religioso, é uma educação para o pluralismo, a multiculturalidade e interculturalidade e não para o silenciamento do religioso”.
A fechar o dia de trabalhos, o padre José Baptista, da Direção da CNIS, comunicou as conclusões (que o Solidariedade dará conta oportunamente) à audiência, enquanto o padre Lino Maia se despediu com um desafio à plateia: “Vamos acolhê-los com muito afeto e deixá-los crescer”.
A sessão foi encerrada pelo secretário de Estado da Administração Interna, Jorge Gomes, que sustentou que, “sendo Portugal um país de emigrantes, não pode ficar alheio à realidade que estas pessoas estão a viver”, sublinhando que é necessário “o compromisso de uma Europa unida e solidária”.

Pedro Vasco Oliveira

 

Data de introdução: 2016-11-04



















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