APOIO OCUPACIONAL

CAO como está não é solução

“O CAO tornou-se um caos”. A partir desta premissa, a Humanitas (Federação Portuguesa para a Deficiência Mental), a FAPPC (Federação das Associações Portuguesas de Paralisia Cerebral) e a Fenacerci (Federação Nacional de Cooperativas de Solidariedade Social) promoveram uma inédita e histórica parceria e realizaram um encontro nacional subordinado ao tema «O apoio ocupacional para pessoas com deficiências e incapacidades», na busca de identificar desafios e lançar perspetivas quanto ao futuro da resposta Centro de Atividades Ocupacionais.
“De facto, o CAO é uma resposta que está constituída, do ponto de vista de organização jurídica, há cerca de 30 anos. É certo que tem sofrido atualizações no seu modelo organizativo e nas respostas que efetivamente prescreve, mas foi também incorporando uma diversidade enorme de pessoas, desde o seu nível etário às suas características, e isso fez com que, ao longo deste tempo, se tenha chegado ao esgotamento deste modelo”, afirmou, ao SOLIDARIEDADE, Luís Rodrigues, da Humanitas, justificando o que levou as três federações a realizar o encontro: “Este encontro serviu fundamentalmente para perceber, por um lado, se esta constatação está, de facto, a ser sentida pela globalidade das organizações em todo o País e, necessariamente, para perceber qual o sentido e o sentir das pessoas para que possamos construir saídas alternativas mais estruturadas e mais consentâneas com aquilo que é a necessidade e o sentir global das organizações”.
Assim, na Quinta da Conraria, em Coimbra, onde a APCC (Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra) desenvolve parte da sua atividade diária, os mais de 100 participantes começaram por assistir a uma breve apresentação da Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, para de seguida se dividirem em quatro grupos de trabalho. O propósito destes grupos era o de debaterem o «Apoio Ocupacional entre o presente e o futuro – fragilidades, potencialidades e oportunidades», cujo enquadramento esteve a cargo de Luís Rodrigues.
Foram muitas as contribuições dos quatro grupos de trabalho, que posteriormente partilharam com o plenário.
A nível das fragilidades foram apontadas, entre outras, o envelhecimento dos quadros técnicos, das famílias e dos próprios utentes; a diversidade da população que frequenta a resposta CAO; escassez de recursos humanos; a falta de flexibilidade da legislação para que a resposta possa ser centrada na pessoa; a resistência dos colaboradores à mudança; ausência de outras respostas para além do CAO; listas de espera enormes; Acordos de Cooperação baixos; ou o duplo diagnóstico.
Por outro lado, os grupos identificaram também diversas potencialidades na resposta que urge trabalhar para que melhor sirva os utentes, como é o caso do grande «know-how» que existe nas instituições, a vontade de criar parcerias ou a multidisciplinaridade.
Dos quatro grupos de trabalho emanou ainda uma lista de oportunidades a agarrar, como a formação dos profissionais, a uniformização de modelos de intervenção, a partilha que existe entre instituições.
Comum a todos os grupos foi o pedido para que as federações se articulem melhor para melhor pressionarem os decisores.
“Navegamos todos no mesmo mar, mas é necessário remarmos todos para o mesmo lado e de forma coordenada”, disse, no final da apresentação das conclusões, Rogério Cação, da Fenacerci.
Esta acaba por ser a principal razão porque Luís Rodrigues considerou que o primeiro encontro promovido pelas três federações “extraordinariamente positivo”, dizendo que “fazer parcerias não é fácil”. Apesar de ser algo por todos reclamada, pôr as parcerias em prática é mais complicado, sustentou o dirigente da Humanitas.
“Esta iniciativa foi extraordinariamente bem conseguida, porque, para além de termos uma representação global de norte a sul do País e termos organizações integradas nestas três federações, com histórias, percursos, sentires, filosofias e ações completamente distintas, conseguimos em conjunto encontrar denominadores comuns que nos fazem, em função disso, perceber que o que nos une é bem mais do que aquilo que nos divide e vai ser em conjunto que vamos ter que encontrar as soluções possíveis para este trabalho”, argumentou, acrescentando: “Nesse sentido, termos as três federações em conjunto, termos filiadas das três estruturas e pô-las a trabalhar em grupo de uma forma perfeitamente heterogénea e aleatória, para que fosse possível que todas as sensibilidades e todas as formas de organização aqui pudessem estar representadas, foi uma iniciativa muito bem conseguida”.
Findo o histórico encontro e perante a falência do modelo da resposta CAO, qual o passo seguinte?
“Acho que é muito importante que se perceba que nestas áreas todos temos os nossos contactos e as nossas formas de fazer funcionar o sistema, mas era importante percebermos que só se formos capazes de nos unir e de encontrar vozes comuns que nos representem será possível construirmos um caminho mais consolidado e mais consistente. Daí que tenha lançado o desafio para que estas diferentes filiadas percebam que urge exigir que as nossas três federações trabalhem da forma mais articulada, mais estruturada e mais organizada, percebendo que temos que construir pontos de vista convergentes”, defendeu Luís Rodrigues.
Colocando de lado um caminho de pensamentos únicos ou de pensamentos não divergentes, o dirigente da Humanitas considerou “muito importante que esses diferentes pensamentos se possam tornar em convergência de ação”.
E, para Luís Rodrigues, é através da diferença que caracteriza cada uma das organizações, que se “podem encontrar denominadores comuns e, a partir daí, fazer surgir respostas complementares, diversificadas que têm que sair dos diferentes CAO que existem para que se possam estruturar respostas mais ajustadas, de facto, à necessidade concreta das pessoas que apoiam”.
Com esta meta em mente, o dirigente recorda que tudo começou com “um percurso que foi construindo as organizações”, mas agora as instituições que apoiam pessoas com deficiência estão numa fase em que a necessidade dessas pessoas tem que ter primazia da sua ação e têm que encontrar respostas que, relevando a primazia da necessidade das pessoas, têm que fazer acontecê-las nos contextos efetivos, que são as respetivas comunidades.
“Primazia da instituição, primazia das pessoas, primazia dos contextos. É nesta evolução que as respostas têm que ser construídas, criadas e pensadas. É evidente que isto faz integrar sistemas complexos, porque, para além dos profissionais e das organizações, existem também os sistemas que podem dificultar ou facilitar este caminho”, referiu Luís Rodrigues, deixando um alerta: “Sabemos que, quando estamos a lidar com organismos públicos, tudo o que sai do standard, do que está normalizado, há muita dificuldade em flexibilizar os processos, em fazer uma resposta mais individualizada, mais de acordo com a necessidade da pessoa. E, por isso, também é um terreno em que temos que trabalhar, percebendo que é, de facto, ligando estas diferentes realidades que vamos conseguir encontrar soluções”.
A terminar, Luís Rodrigues afirmou que “CAO muitos mais anos como está, não é possível”, sublinhando: “CAO como está de momento, não é solução”.
Na parte final do encontro de Coimbra, foram, primeiro, apresentados alguns projetos que tentam desbravar caminho neste universo do apoio ocupacional, como foram os casos do «QI – Qualificar para a Inclusão», por Rogério Cação, da Fenacerci, «Apoio Ocupacional e Qualidade de Vida», por Lurdes Fernandes, da Humanitas, e «Modelos de Qualidade de Vida», por Carlos Carona, da FAPPC.
A fechar, a Associação A2000 e a APCC apresentaram dois exemplos de boas práticas no apoio ocupacional já implementados nas respetivas instituições e que, de certa forma, são alternativas ao modelo ultrapassado do CAO.
No final, era patente a satisfação de todos os participantes, em especial dos dirigentes das federações pelo primeiro passo dado na busca conjunta de melhores soluções para os seus utentes.

 

Data de introdução: 2016-11-16



















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