Se a CNIS e as sete primeiras instituições que vão receber os menores não-acompanhados no âmbito do processo de recolocação de refugiados da União Europeia já estão na reta final, ainda não conseguem vislumbrar a meta. São sobejamente conhecidas as dificuldades burocráticas que têm surgido e o tempo que medeia entre a manifestação de intenção de acolher refugiados e o seu efetivo acolhimento. Portugal já experienciou isso com a PAR – Plataforma de Apoio a Refugiados, em que a finalidade é o acolhimento de famílias.
No caso de menores não-acompanhados tudo se complica, tudo é mais difícil e, em especial, tudo é mais sensível. Afinal trata-se de crianças que, pelas circunstâncias, se viram sozinhas no mundo, arrancadas do seu ambiente familiar e em situação de grande fragilidade.
“Em grande parte, estes jovens vêm de contextos familiares muito funcionais, ao contrário do que acontece com a maioria das crianças e jovens que estão nas nossas instituições. Em muitos casos, e tendo em conta as nacionalidades que são elegíveis para a recolocação, há um contexto familiar perfeitamente funcional e onde, de repente, tudo eclode, forçando-os a sair”, explica Ana Rodrigues, do Gabinete de Apoio Técnico da CNIS.
Inicialmente prevista para os últimos dias de janeiro primeiros de fevereiro, a chegada dos menores não-acompanhados a acolher no âmbito da iniciativa da CNIS ainda não tem data marcada, mas todos se dizem prontos.
“Podiam chegar amanhã”, diz Joana Prata, da Associação de Apoio à Criança, de Guimarães, que está pronta para receber quatro meninas e irá instalar num quarto “que está a ser pintado para estar mais fresquinho para quando elas chegarem”.
Ana Rodrigues dando voz a um sentimento geral afirma: “Estamos prontos, quando puderem vir venham!”.
Nesta primeira fase chegarão 37 jovens, da Síria e da Eritreia, cuja idade máxima será 16 anos, e que serão acolhidos durante 18 meses.
“Tendencialmente, serão jovens a partir dos 12 e até aos 16 anos, mas nós estamos disponíveis para todas as idades, desde o berço. Temos, aliás, resposta para bebés recém-nascidos e até aos 18 anos, mas o que está em cima da mesa, pelo menos para estas primeiras manifestações de disponibilidade do Estado Português, é dos 12 aos 16 anos”, esclarece Ana Rodrigues, explicando porque apenas sírios e eritreus são alvo deste acolhimento: “Só são elegíveis as nacionalidades que no trimestre anterior tenham tido uma taxa de aprovação nos Estados-membros da União Europeia de mais de 75% dos pedidos de asilo feitos. E, neste momento, só da Síria e Eritreia, até há pouco também do Iraque, mas atualmente já não”.
Para a assessora da CNIS, “este é um processo muito complicado e injusto, porque há outras nacionalidades que precisam tanto ou mais e que têm fundamento para asilo, tanto ou mais, do que as que entram no programa de recolocação e não estão abrangidas”, sublinhando que, na Grécia, “as três nacionalidades com mais menores não-acompanhados não estão abrangidas pelo programa”, ou seja, as afegã, paquistanesa e iraquiana.
Apesar da abertura da CNIS ser para todos os menores não-acompanhados, “os constrangimentos financeiros fazem com que apenas através do programa de recolocação é que se conseguia fazer o acolhimento”, visto não haver financiamento para os não elegíveis.
Recorde-se que o programa de recolocação da União Europeia financia a viagem para o país de acolhimento, os exames médicos e com pouco mais de 300 euros/mês por menor.
Mesmo assim, a CNIS não está parada, estando a trabalhar com a organização não-governamental grega METAdrasi - Ação de Migração e Desenvolvimento, que tem por objetivo colmatar lacunas ao nível do acolhimento e integração de refugiados e imigrantes na Grécia, “no sentido de acolher alguns jovens que não estão abrangidos pelo programa de recolocação”.
Associação de Apoio à Criança (Guimarães), Lar Marista de Ermesinde, Associação Via Nova (Vila Real), Santa Casa da Misericórdia de Bragança, Lar Nossa Senhora do Livramento (Porto), Fundação COI (Pinhal Novo) e Refúgio Aboim Ascensão (Faro) são as sete primeiras instituições que aderiram ao projeto da CNIS, tendo o espírito solidário na génese da adesão.
“Nenhum cidadão, minimamente atento e que diariamente seja bombardeado com notícias de crianças em sofrimento, pode ser indiferente a esta causa”, afirma Joana Prata, acrescentando: “O que entendemos é que as crianças que precisam de proteção são tanto as nossas como as do mundo inteiro. Estar a dizer que protegemos as nossas e ignorar o que se passa à nossa volta seria um disparate tremendo e uma falta de humanidade”.
Já no caso do Lar Marista de Ermesinde foram apelos superiores que levaram a instituição a abraçar a causa.
“Os Maristas já têm alguma experiência com esta problemática e foi um pedido do Irmão Superior Geral da congregação para que todas as casas estivessem ao dispor e ainda porque é uma orientação geral da Igreja Católica”, revela Paulo Pacheco, lembrando que a congregação tem três comunidades na Síria e uma num campo de refugiados em Itália.
“Já quando foi do programa PAR tínhamos vontade, mas saía da missão da instituição, que é a educação, e sentíamos alguma tristeza, pelo que quando a CNIS nos desafiou nem hesitámos”, acrescenta Paulo Pacheco.
Já a experiência da Fundação COI (Centro de Ocupação Infantil) é diferente, porque entraram na PAR, “mas desde o primeiro momento o objetivo era acolher menores não-acompanhados”, afirma Mara Rebelo, lembrando que a infância “é a área de eleição da instituição”, pelo que quando surgiu a oportunidade: “Não pensámos duas vezes”.
No caso da Misericórdia de Bragança, a instituição acumula experiência com o acolhimento de refugiados do Kosovo (final da década de 1990), e outro, em curso, no âmbito da PAR, tendo disponibilizado os seus serviços para acolher três mães menores não-acompanhadas, que na realidade acabam por ser seis, pois cada mãe traz um filho pequeno.
“É uma causa que toca a todos e fazia todo o sentido a Santa Casa associar-se a este acolhimento, até pela experiência que já tem”, sustenta Catarina Maria, da Misericórdia brigantina.
Para preparar o melhor acolhimento, a CNIS promoveu nos últimos dias de janeiro uma formação, para técnicos e dirigentes, e que foram abordadas muitas questões jurídicas mas não só.
“A formação foi um pacote de dois dias em que as instituições falaram com algumas entidades parceiras, públicas e não públicas, sobre questões como sinais e comportamentos pós-traumáticos, como identificar e como reagir, interculturalidade, género e como compatibilizar questões de género e diálogo intercultural, prevenções de risco associados ao tráfico de seres humanos, procedimento de asilo, reagrupamento familiar, acolhimento de crianças e jovens refugiados”, revela Ana Rodrigues, do GAT, que sublinha a participação de Dora Estoura, do Conselho Português para os Refugiados (CPR), responsável pela única resposta em Portugal, até ao momento, a refugiados menores não-acompanhados.
“Foi extraordinariamente produtivo, porque as instituições puderam perceber, na prática, quais os problemas que vão enfrentar no dia-a-dia. Correu muito bem e foi extraordinariamente útil”, refere Ana Rodrigues, no que é acompanhada por Catarina Maria: “A formação foi muito importante e foi ótima. Já na PAR primeiro chegaram os refugiados e só depois houve formação. Foi importante porque fomos buscar ferramentas para melhor acolher”.
Também Joana Prata considera essencial o que foi falado na sede da CNIS: “A formação foi extremamente útil. Houve uma parte jurídica que nos ensinou como lidar com toda esta realidade, mas a doutora Dora Estoura, do CPR, deu-nos uma perspetiva muito prática, o que foi importantíssimo. Aí é que sentimos o que é lidar no dia-a-dia com refugiados menores não-acompanhados”.
Sim, porque ainda há dúvidas e receios, ao longo dos dois dias, muitas foram as dúvidas partilhadas.
“Principalmente, não saberem bem se os desafios vão ser semelhantes aos que já têm diariamente no acolhimento de crianças e jovens em risco ou se vão ser outros completamente diferentes e perceberem que vão ser ambos”, conta Ana Rodrigues, aprofundando: “Ou seja, terão desafios iguais aos que costumam ter com os seus utentes e alguns vão ser novos. Por um lado, muita reserva em pensar nos que vêm como se tivessem o mesmo tipo de problemáticas, mas também o perceberem que na generalidade dos casos será isso mesmo. O tipo de aproximação que vão ter que fazer vai ser muito semelhante à que já fazem com os outros jovens, ressalvadas as devidas diferenças”.
Questionadas sobre o que as deixa mais expectantes, agora que se aproxima (pensa-se) a data de chegada dos menores, as IPSS contactadas pelo SOLIDARIEDADE reconhecem alguns receios.
“É tentar perceber as expectativas que elas trazem, quer em relação ao País, quer à cidade de Bragança, e a história de vida delas, até porque é um público muito específico”, lembra Catarina Maria, apontando ainda que “a língua será uma dificuldade”.
Joana Prata prefere ter um olhar mais positivo: “É um grande desafio, mas, por outro lado, achamos que a nossa casa e a nossa vida vai ficar mais colorida, porque vêm meninas diferentes, com uma cultura diferente, com formas diferentes de estar, uma outra religião e entendemos que isso vai ser extremamente enriquecedor e gratificante”.
Apesar das eventuais dificuldades, todas as instituições encaram este desafio com espírito de missão.
“São jovens com muitas fragilidades que vão chegar a um país que não conhecem, com uma língua que não conhecem, mas, sem as forçar a nada, tentaremos ao máximo que se integrem”, assegura Mara Rebelo.
Este é também o espírito no Lara Marista de Ermesinde cuja disponibilidade é também para acolher menores com doença crónica ou deficiência física.
“A expectativa é muito alta em fazer bem em prol destas crianças. Há um misto de sentimentos entre a equipa do Lar. Ansiedade para que possamos começar a trabalhar e algum receio como vamos resolver as questões culturais e da língua”, sustenta Paulo Pacheco.
Sim a língua é apontada pela generalidade das instituições como um potencial obstáculo. Porém, todas elas já têm um plano b para que a comunicação não seja um problema.
“Temos um plano b. A questão da língua, mesmo com um plano b, vai ser uma dificuldade e estamos conscientes disso, porque não se fala com as crianças só quando está um intérprete por perto, é preciso falar com elas a todo o momento”, explica Joana Prata, revelando o que a instituição de Guimarães tem preparado: “Quando a instituição se ofereceu para receber crianças não-acompanhadas em setembro de 2015 foi procurada por um grupo de estudantes sírios que estão na Universidade do Minho, no âmbito do projeto do ex-Presidente da república Jorge Sampaio, no sentido de fazerem voluntariado e nos apoiarem com as crianças. Ora isto é um bom trunfo e um plano b muito bom. Agora, e porque eles não vão estar sempre aqui, sabemos que no dia-a-dia vai haver dificuldades, mas as crianças encontram sempre formas de comunicar entre si e com os outros”.
Também instituição de Trás-os-Montes pensa solicitar a ajuda dos estudantes sírios que frequentam o Instituto Politécnico de Bragança, para além de recorrer à linha tradução do Alto Comissariado para as Migrações, “onde estão sempre disponíveis”.
Outra possibilidade relatada por Catarina Maria é o recurso aos estudantes de uma escola da cidade, onde pessoas estrangeiras dominam o árabe.
Mais complicada está a situação das instituições de Ermesinde e do Pinhal Novo.
“Na zona sul é difícil arranjar tradutores, mas os jovens conseguem sempre comunicar entre eles. E temos sempre os gestos e os desenhos”, desdramatiza Mara Rebelo.
“É o problema que estamos a enfrentar na congregação, pois estamos com dificuldades em encontrar estudantes sírios na cidade do Porto. Porém, vamos aproveitar a experiência de duas instituições de Ermesinde que já estão a acolher refugiados”, revela Paulo Pacheco.
Em termos de instalações, todas as contactadas vão acomodar os menores nas suas instalações, tendo apenas algumas requalificado a nível de pintura e outros pequenos arranjos, não preparando especialmente os espaços.
Recorde-se que o acolhimento no âmbito deste programa de recolocação dura ano e meio.
“Findos os 18 meses, a CNIS pretende que a Segurança Social assumisse estes utentes”, defende Ana Rodrigues, argumentando: “A CNIS reconhece que se trata de um acolhimento de emergência, que não estava orçamentado e que é muito complicado porque são menores, mas terminados os 18 meses estes jovens deverão entrar nas vagas da Segurança Social, como qualquer outro menor nacional acolhido nas respostas já existentes”.
Convém referir que por cada menor acolhido no âmbito deste programa é atribuída uma verba inferior do que aquela estipulada por vaga, por exemplo, em Lar de Infância e Juventude, pela Segurança Social. Ou seja, cada instituição terá um considerável esforço financeiro a seu cargo, mas a que nenhuma olhou na hora de ser solidária.
Pedro Vasco Oliveira (texto)
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