“Diz a história que é uma das mais antigas de Portugal e a mais antiga da Madeira a nível de assistência social”, afirma Celeste Silva, diretora da Fundação Nossa Senhora da Conceição, instituição que está a celebrar 170 anos. Hoje trabalha a autonomia dos jovens que acolhe e tenta ajudar as famílias a ganharem competências para receberem os filhos retirados.
Nasceu em 1847 como Asilo de Mendicidade e Órfãos, para responder e acolher aos desvalidos da vida. Desenvolveu esse apoio durante largos anos, mantendo igualmente uma secção destinada ao acolhimento de crianças desprotegidas.
Porém, com a transferência de grande parte dos idosos para o Asilo Dr. João Abel de Freitas, nos anos 1930, e o substancial crescimento da secção destinada às crianças, o seu propósito alterou-se, até porque em 1951 atingiu o recorde de quase 320 petizes acolhidos.
Então, em 1959, a instituição procedeu à alteração da sua denominação e objetivos, passando a designar-se Abrigo Infantil de Nossa Senhora da Conceição.
No ano passado, por força da alteração dos estatutos, e sendo que juridicamente já era uma fundação, passou a chamar-se Fundação Nossa Senhora da Conceição, até porque a anterior designação tinha uma forte carga pejorativa.
Atualmente, a média anda pelos 40 jovens institucionalizados, com idades entre os dois e os 21 anos, e face às ajudas que são disponibilizadas às famílias, os casos que chegam à instituição são, segundo Celeste Silva, “sempre muito problemáticos”.
Para além da casa de Acolhimento, com capacidade para 50 jovens, a Fundação tem ainda um jardim-de-infância, com três salas, frequentado por crianças da comunidade e da casa de acolhimento.
Por outro lado, a instituição tem ainda três apartamentos, com capacidade para seis jovens, que formam a Residência de Autonomia de Vida.
“É um projeto que está pronto a ser lançado, em propriedade da Fundação, mas com a problemática dos incêndios no Funchal em 2016 e a necessidade de realojar os afetados, alugámos temporariamente por um ano ao Instituto de Habitação da Madeira com esse fim. Mas o projeto está pronto”, garante a diretora da instituição, que sublinha a aposta na autonomia da vida feita pela Fundação: “Aqui na instituição temos desenvolvido programas de autonomia de vida. Lidar com uma jovem com 16, 17, 18 anos passa sempre por lhes dar a devida responsabilidade e integração, porque o objetivo de todos é a reintegração social. Há aqueles que o são mais cedo, com regresso à família ou passam para processos de adoção, e outros jovens que saem com programa de autonomia de vida, pelo que precisam de algum apoio para se organizarem”.
Apesar de ser uma casa grande, Celeste Silva destaca o esforço para que o ambiente seja o mais familiar possível.
“É uma casa grande e familiar e está organizada em cinco unidades. Uma de emergência, a qualquer hora do dia ou da noite podemos receber uma jovem ou uma criança, e que é mista, mas os meninos recebemos até 10, 12 anos, porque a casa sendo um edifício uno não está preparada para ter uma adolescência conjunta. E depois temos duas unidades específicas para meninas e duas para meninos. Cada unidade tem uma sala de convívio equipada com televisão e um pequeno serviço de lavandaria”, revela, sublinhando: “Esta é uma casa grande, com capacidade para 50 miúdos, mas está organizada em pequenas unidades e criámos uma estrutura para que haja um funcionamento profissional, técnico, mas familiar. Não temos a pretensão de substituir a família, mas queremos proporcionar-lhes o ambiente mais familiar possível”.
Sobre os utentes, a diretora afirma que atualmente são mais do sexo feminino do que do masculino, “mas em idades mais infantis a procura é mais para meninos”.
Esta, como todas as instituições do género trabalham normalmente com “situações limite”.
“Ainda bem que já não vivemos num sistema assistencialista e as famílias recebem muitos apoios sociais para além do apoio que recebem das instituições. Mas muitas vezes essas respostas são ativadas junto das famílias durante dois ou três anos, mas a situação não se reverte e a criança tem que ser retirada. Quando se fala em acolhimento residencial, fala-se de uma situação limite, pelo que esta problemática não se pode centrar apenas na criança, mas também na família e no contexto. E aí temos que lidar com uma série de problemas, como a interação com a família e com as próprias crianças. Há aqui uma exigência muito grande em termos de intervenção, porque são famílias muito desgastadas por diversos problemas”, sustenta Celeste Silva.
Para a diretora da instituição do Funchal, mais do que um problema económico-financeiro, o que se lhes depara é um problema de desestruturação familiar.
“Há aqui três grandes fatores de risco que identifico nestas famílias e nestas crianças: Um é a saúde mental dos pais, que é muito afetada, com todos os problemas associados; outro é a problemática dos consumos, da toxicodependência e do alcoolismo; e depois a desestruturação familiar, porque uma família separada não é um problema se não tiver outros problemas associados e pode exercer a parentalidade, mas se está separada, se há problemas de consumos e associados aos de saúde mental, as coisas não funcionam”, argumenta, acrescentando “ainda um outro fator de risco que é a violência doméstica e que está ligada a estas situações todas”.
Celeste Silva insiste que o problema financeiro “não é o mais difícil de responder”, apesar de não deixar de ser um problema, como é “o desemprego, que vai desgastando uma família que entra em disfunção”.
Por outro lado, “a interação com a família é um desafio muito grande, porque o normal é as famílias estarem descontentes com a retirada da criança, descontentes com o tribunal, com a Segurança Social e com a instituição”.
Ora, para esta técnica, “há que encontrar caminhos de diálogo e fazer um caminho de confiança”.
E muitas vezes o sucesso acontece. “Isto tem acontecido em situações de muito stresse, mas depois acabam por ver que acabam por tirar benefícios inclusive para gerir os comportamentos dos filhos, como o absentismo escolar e os comportamentos desviantes. Acho que, acima de tudo, há uma falta de autoridade dos pais”, aponta Celeste Silva, afirmando: “Costumo dizer aos jovens que eles têm direito de ter deveres. E os jovens necessitam de exigência, de desafio e de contenção. Com agrado conseguimos ter sucesso em algumas situações, mas isto é como em tudo, temos que trabalhar com humildade e competência”.
Sobre a situação financeira da Fundação, sabendo-se que estas respostas sociais são normalmente deficitárias, Celeste Silva é bastante pragmática: “Sem dívidas e sem reservas. Em termos de receitas a Fundação vive de acordos. No jardim-de-infância temos um acordo com a Secretaria Regional da Educação, que comparticipa sobretudo as despesas com pessoal e dá algum apoio nas despesas correntes, e na casa de acolhimento é com a Segurança Social. Depois, temos um ou outro donativo, uma ou outra colaboração de alguma empresa, sobretudo em serviços, como é o caso dos campos de férias em Porto Santo”.
Neste particular, o presidente Francisco Carreira sublinha a grande solidariedade dos madeirenses para com a Fundação ao longo de toda a vida da instituição, que conta… 170 anos.
“Os madeirenses têm sido desde sempre solidários com a instituição. Só foi possível termos vindo a fazer o que temos vindo a fazer porque tem havido muita colaboração de muita gente e de muitas empresas. Desde 1993, a casa passou por um profundo processo de reestruturação e sem esse apoio das mais variadas entidades não seria possível fazê-lo”.
E se o passado é longo, os responsáveis pela Fundação não deixam de olhar o futuro com ambição.
“Estamos atentos ao que se passa e vamos tentando criar soluções à medida que os problemas surgem”, começa por dizer Francisco Carreira, acrescentando: “Numa casa com 170 anos, o trabalho está sempre incompleto. Este tipo de problemas com que lidamos é algo que julgamos ser possível encontrar soluções, mas as décadas vão passando e o problema mantém-se sempre atual. Daí ser necessária a nossa existência e de outro tipo de instituições e soluções que tendem a persistir na nossa sociedade e agora com novos contornos”.
Por seu turno, Celeste Silva acrescenta que a intenção “é investir sempre com respostas atualizadas à infância e juventude, o que é sempre um desafio” e “investir em projetos de autonomia de vida”.
Mas há mais projetos a abraçar no futuro. “Queremos lançar um projeto de maior apoio às famílias e falo de uma experiência que estamos a começar a implementar, em que, por exemplo, uma mãe vem até aqui e ajuda os filhos nos trabalhos das escolas, dá-lhes banho e leva-os ao fim de semana. Esta é uma daquelas mães que tem grande dificuldade em exercer a autoridade”.
Trabalhar centrados na criança/jovem, não perdendo a família de mira é o caminho que os responsáveis da Fundação Nossa Senhora da Conceição têm trilhado e que pretendem continuar a trilhar.
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