1. "Há calamidades naturais que não têm controlo. De todo. Há momentos em que nem com todos os meios do mundo, aéreos, pedestres, subterrâneos, seja o que for, se controla um incêndio, uma inundação, um tornado, um terramoto, um tsunami, uma erupção, um meteorito. Pode acontecer que, depois de muita destruição, seja possível de novo controlar a calamidade, mas pode haver dias, horas, meses, em que nada se pode fazer a não ser minimizar os efeitos e esperar que acabe". (Pacheco Pereira, in Público).
Como lembrou o Presidente da República, os incêndios no centro do País são "uma tragédia sem precedentes na história do Portugal democrático" e "atingiu um país rural, isolado, com pessoas mais idosas, mais difíceis de contactar, de proteger e de salvar".
Tragédia que convocou a atenção geral. O Santo Padre mostrou-se solidário, a Europa disse presente, o Presidente da República desdobrou-se, o Governo concentrou energias, as autarquias mobilizaram-se, as Instituições movimentaram-se, a Conferência Episcopal apelou para a mobilização geral. E de toda a parte chegaram inequívocas mensagens e eloquentes expressões de solidariedade.
A solidariedade é uma realidade palpável que a todos dignifica.
E esta tragédia irrompeu abruptamente num país que parecia estar a despertar para uma esperança consolidada num futuro melhor...
Agora, mais do que ficar paralisado com medo do que ainda estará para vir ou de levantar dedos acusadores, importa que a atenção de todos os portugueses se concentre no essencial: "manter o combate e a solidariedade por todos os que sofrem e sofreram com esta tragédia e que somos um só povo por Portugal".
2. Mas esta tragédia talvez ajude a "aterrar" um pouco mais e um pouco melhor. Porque é nesta Terra que todos somos que há Pessoas que a todos merecem.
Urge "recentrar" a vida e, muito provavelmente, também alguma cultura e algum culto...
O primeiro culto e a primeira cultura a vivenciar serão, certamente, a de dar prioridade à Pessoa toda e a todas as pessoas. Ultrapassado (?) o tempo da austeridade, urge proclamar que as pessoas são o espaço do devir, das políticas e dos credos: o respeito pela dignidade da pessoa toda, desde a sua conceção até à morte natural, e o respeito pela dignidade de todas as pessoas têm de ser sempre e por todos devidamente proclamados, servidos e honrados.
Uma outra atenção será, muito provavelmente, a de se olhar um pouco (ou muito) mais para o País que realmente somos como um todo nacional que deve ser: muito embora não tenha grande poder reivindicativo, o interior desertificado e envelhecido, porque mais carenciado e porque também é território nacional, tem de ser a opção preferencial na conceção das políticas e na redistribuição dos favores e das riquezas. Mais do que a subsidiariedade, aplica-se aqui o princípio do bem comum: se todos devem contribuir para o bem comum também importa que a ninguém e a nenhum território falte aquilo de que carece em ordem a uma maior equidade e a uma vida com mais futuro.
E a Igreja também tem aqui missão dignificante. Cada vez a sua doutrina social é mais reconhecidamente humana e mais venerada. Oportuna e inoportunamente, urge que também seja proclamada e servida. Quem sabe se a Boa Nova que também urge ser anunciada no meio de um povo e de um território pobre não será a de que é chegada a hora de o libertar da desertificação injustificada ou do abandono injusto e imoral?
3. Mas a tragédia pode fazer concentrar outros olhares para circunstâncias e factos que não podem ser ignorados.
O fascínio de um litoral sedutor atraiu certamente muitos que "abandonaram o torrão que os viu nascer". Mas outros também dali se foram porque iam encerrando equipamentos e serviços de que careciam. O argumento para o encerramento era o da quantidade. Mas para o Estado a universalidade é anterior à quantidade. O Estado não pode encerrar porque há menos pessoas. Nem mesmo depois de tudo ter feito, ainda que sem êxito, para que houvesse alguém, porque, ainda aí, lhe sobrava a razão para estar porque ali ainda ficava território.
Alguns equipamentos e serviços que encerraram ainda eram necessários. Se não fosse por mais razões, sobrava a razão de contrariar a desertificação e o abandono dos que ainda tinham território mas já não tinham voz..
Abandonaram-se as terras e as sementeiras, degradaram-se as casas e os lares: florescem sumptuosamente os eucaliptos!
Anuncia-se agora uma reforma da floresta. Tardia, mas bem-vinda.
Talvez insuficiente...
Se a quantidade de eleitores recenseados tem vindo a determinar a quantidade de assentos parlamentares, porque não reservar uma quantidade de assentos parlamentares em função da dimensão do território? Poderia ajudar qualquer coisinha...
Lino Maia
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