“O Transformers é um movimento global de pessoas que fazem a diferença através daquilo que mais gostam de fazer. Nascemos de olhos postos no mundo, de coração bem aberto e com uma vontade indomável para participar, colaborar e transformar” a sociedade. É desta forma que o Movimento Transformers se apresenta, baseando a sua ação na promoção do voluntariado jovem, trabalhando com grupos de risco, mas não só. Jovens a tentar mudar o mundo através das artes que dominam.
Afinal o que é isto de Movimento Transformers (MT), projeto nascido em 2010 e que promove o voluntariado jovem?
“O que nos une enquanto movimento é a visão de um mundo onde cada um descobre o seu superpoder e, juntos, fazemos o mundo pular para a frente. Para que mais pessoas possam descobrir e aprender superpoderes desenvolvemos o conceito e metodologia das Escolas de Superpoderes”, pode ler-se no site do MT na Internet.
“A Escola de Superpoderes é um franchising social, algo que não existe em grande número em Portugal, em que nós vendemos a nossa metodologia aos municípios que nos pagam um fee de formação. Nós, então, dinamizamos o banco de voluntariado local sempre com a nossa metodologia e em que toda a gente partilha aquilo que mais gosta de fazer”, explica Inês Alexandre, 26 anos, vice-presidente do Movimento Transformers.
E a base da metodologia adotada pelos Transformers está na transmissão de um saber (a que no MT chamam superpoder) a quem o quer aprender. No fundo, é a partilha voluntária e desinteressada de um conhecimento com quem se predispõe a aprendê-lo e depois usar esse conhecimento para, de algum modo, transformar a sociedade.
Tudo começou pela “mão e coração” de João Brites, um jovem que insatisfeito com a natação de competição decidiu seguir o sonho de aprender a dançar breakdance, uma dança de rua, que como tudo o que é urbano, tanto atrai os mais jovens.
“O João desistiu da natação e foi para as ruas do Bairro de Palmela, em Lisboa, aprender essa dança urbana com quem sabia. Ele percebeu que havia ali uma dinâmica muito interessante e que nós adotámos como metodologia nos Transformers. Ou seja, os mais novos aprendem com os mais velhos, que são responsáveis pelos comportamentos dos mais novos. Depois, o breakdance tem uma particularidade que é o facto de uns bailarinos serem melhores nos movimentos de braços e outros nos de pernas e só quando encontram o par que os completa é que conseguem ser verdadeiros breakdancers”, conta Inês Alexandre, prosseguindo: “O João percebeu que sempre que o seu grupo estava a dançar na rua, todos os miúdos do Bairro de Palmela ficavam a ver e se envolviam com o que estava a acontecer, entrando nas rodas que se formavam”.
E é assim que nasce o Movimento Transformers. “O João e o seu grupo de amigos, que tinham muitos superpoderes, como o surf, o graffiti, o hip hop, etc., começaram a partilhar estes superpoderes em instituições de Lisboa junto de miúdos, por exemplo, da Casa Pia, porque inicialmente só trabalhávamos com grupos de risco”.
Em 2010, no Fórum Mundial, em Davos, em representação da juventude portuguesa, o projeto Movimento Transformers foi apresentado a grandes personalidades mundiais e no dia 31 desse ano formalizou-se como associação juvenil sem fins lucrativos.
Inicialmente (entre 2010 e 2012) apenas em Lisboa, mas ainda em 2012 o Movimento expande-se para o Porto, onde atualmente tem a sede, e no ano seguinte para Coimbra.
“Como começámos a ter pedidos de muitos municípios para dinamizar os voluntários locais e como a estrutura era toda voluntária era quase impossível dar este salto sem que a equipa se profissionalizasse. Então, em 2015 decidimos parar e pensar e tínhamos duas opções: ou tinha sido um projeto muito giro durante cinco anos, financiado externamente e que ficava por ali; ou criávamos uma metodologia que fosse sustentável e garantisse que o Movimento Transformers seguisse uma vertente profissional”, revela Inês Alexandre, que, com satisfação, afirma que a opção pela segunda via foi o mais acertado, até porque: “Este ano vamos estar em 23 cidades. Tivemos um mega impulso da Área Metropolitana do Porto, que apostou seriamente em nós, e vamos trabalhar, em parceria nos 17 concelhos que a integram, nas escolas primárias para combater o absentismo e o abandono escolar. Vamos estar ainda em Leiria, Guimarães e Vila Nova de Famalicão”.
Ainda em setembro haverá uma formação para todos os voluntários, que este ano são 40 mentores e 10 ativadores, em outubro as atividades arrancam e em abril à nova reunião dos voluntários para nova formação e em junho, então, o Festival TNT (Todos Nós Transformamos), que este ano conta ter cerca de 600 pessoas, 500 aprendizes e 100 voluntários.
Atualmente mais direcionados para as escolas no sentido de combater o absentismo e o abandono escolar, os Transformers podem e têm outros contextos de intervenção. Inicialmente o foco estava nos jovens em risco, que ainda se mantém, mas as atividades dos Transformers vão mais além.
“Por exemplo, aqui na nossa sede em Paranhos trabalhamos com idosos, numa parceria com a Junta de Freguesia, em que damos aulas de dança, bicicleta e culinária”, afirma Inês Alexandre, acrescentando sobre a replicação do projeto em IPSS: “Isto é replicável às áreas da deficiência, da reabilitação, da prisão, onde já em 2016 trabalhámos. O Movimento Transformers é aplicável a todas as realidades. Já trabalhámos em instituições só para rapazes, outras só para raparigas, em prisões, em hospitais, num centro integrados de apoio à deficiência e em Lisboa já trabalhámos em parceria com a CPCJ. Não há nenhuma realidade a que não seja aplicável. Não há nenhuma faixa da nossa sociedade que não possa entrar, o que aconteceu é que só estávamos a trabalhar com miúdos em risco, o que era quase um valor para nós. Mas a verdade é que os miúdos que não estão em risco também precisam muito deste tipo de ferramentas. Nós ensinamos, por exemplo, kickboxing, que é uma modalidade que integra imensos valores e esta é a parte importante da atividade. Daí termos optado por replicar os Transformers em todos os sítios em que as pessoas acham que faz sentido”.
Esta questão dos valores é muito importante para os Transformers e Inês Alexandre exemplifica: “O nosso maior valor é o payback, ou seja, se estou a ensinar patinagem durante um ano, no final quero que os miúdos pensem num problema da sociedade e o tentem resolver através da patinagem. Este é o nosso maior valor e fazemo-lo em todas as atividades. Em 2012, na Amadora, onde 80% das pessoas são de raça negra, tivemos uma atividade de hip hop. Uma das aprendizes tinha um tio doente que precisava de um transplante de medula óssea. Percebemos que não havia muitos dadores de medula óssea de raça negra em Portugal. Então, pusemo-las a pensar em grande e elas organizaram um espetáculo de hip hop em que para entrar as pessoas davam uma gotinha de sangue. Só nessa tarde conseguimos mais de 230 novos dadores. E isto acontece com todas as nossas atividades. É isto que faz a diferença, não é apenas aprender a patinagem, o hip hop ou a capoeira, mas levar os aprendizes a absorverem todos os valores dessas atividades e que a partir dali transformem a sociedade”.
Segundo a vice-presidente do MT, “tem sido consideravelmente fácil cativar voluntários, sendo que o fácil aqui passa pelo facto de as pessoas virem fazer aquilo que mais gostam de fazer” e justifica: “Esta é a nossa proposta de valor para os nossos voluntários, vão trabalhar connosco um ano a partilhar o que mais gostam de fazer. E isto faz a diferença”.
Para Inês Alexandre, “a perspetiva do voluntariado e das pessoas que fazem voluntariado está a mudar”.
“Este ano temos muitos mentores acima dos 25 e 30 anos, o que não acontecia até aqui. Antes os nossos mentores eram jovens de 18, 19, 20 anos, mas isto está a mudar. As pessoas estão a procurar, cada vez mais, este género de atividades fora de horas. O recrutamento este ano correu muito bem, teremos mais de 40 mentores, mas muitos acima dos 25 anos e até gente com filhos. Por outro lado, decidimos, pela primeira vez, não fechar a porta aos sub-18, porque é muito importante que a intervenção seja o mais precoce possível”, argumenta, concluindo: “Penso que nunca iremos ter dificuldade em encontrar voluntários, porque as pessoas aqui podem partilhar aquilo que mais gostam de fazer”.
Por outro lado, “o voluntariado está a mudar porque começa a ser uma moda, toda a gente quer fazer voluntariado em especial internacional, não se focando em Portugal, e cada vez mais em idade mais avançada”, afirma, acrescentando: “Há muita gente que nos chega porque quer mudar a sua vida. As pessoas querem ser empreendedoras sociais e chegam-nos para que lhes expliquemos como fazemos no sentido de replicarem projetos que idealizam”.
O otimismo é mesmo a palavra de ordem: “Acreditamos que ninguém é passivo. Acreditamos que as pessoas não fazem voluntariado, não porque não querem, mas porque ainda não encontraram a motivação certa e nós damos essa motivação”.
Em sentido contrário o grande obstáculo no universo do voluntariado é o compromisso.
“A grande dificuldade é a organização e o facto de o voluntariado não ser levado muito a sério. As pessoas não são de todo levadas a sério quando fazem voluntariado. Temos que começar a retirar o peso do estigma que o voluntariado tem e fazer com que seja algo normal. No MT, a dificuldade que sentimos é a questão do compromisso. É difícil termos a certeza de que as pessoas não vão falhar”, lamenta Inês Alexandre, acrescentando: “Depois assume-se que não tem custos e não é bem assim. Nós asseguramos subsídio de transporte e de alimentação a todos os mentores, mas é uma realidade que nos traz alguns problemas, porque temos que assegurar tudo a toda a gente, material incluído. Até hoje conseguimos assegurar tudo, mas acho que o compromisso das pessoas com o voluntariado, muitas vezes, não é levado a sério. Como não recebem, acham que podem falhar mais. Internamente não vivemos esta realidade, mas sabemos que existe”.
No entanto, a responsável pelo Movimento Transformers vê um “futuro cada vez mais risonho” e explica porquê: “O mundo da Economia Social, da inovação e empreendedorismo social está em expansão, há cada vez mais jovens com ideias super inovadoras que vão transformar e vingar no mundo. O caminho é este e o futuro para o MT é muito risonho. Para além disto, as pessoas do mundo social têm uma resiliência e uma persistência que não se encontra em outros setores”.
Pedro Vasco Oliveira (texto)
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