Foi há 30 anos, no ido ano de 1988, que no seio do Bairro da Mãe d’Água, na cidade de Bragança, nasceu o Centro Social e Paroquial de Santo Condestável, ainda o Beato Nuno de Santa Maria (Nuno Álvares pereira) não tinha sido canonizado. Hoje a instituição apoia mais de mil utentes, da infância à terceira idade, através de mais de uma dezena de respostas sociais, num contexto social complicado.
“Em finais dos anos 1980, cerca de 75% dos atendimentos da Segurança Social em Bragança eram do Bairro da Mãe d’Água, sendo que o estabelecimento prisional também tinha muita gente oriunda do bairro. Via-se que este era um foco de problemas em Bragança e logo aí se viu que era necessário um projeto de luta contra a pobreza para este território”, conta Pedro Guerra, diretor de serviços da instituição.
Depois da constituição formal em 1988, no ano seguinte, “iniciam-se as conversações e até um primeiro acordo de gestão com as Irmãs Doroteias para o Lar de S. Francisco, que é uma chamada Casa de Acolhimento de crianças e jovens”, para no ano de 1990 surgir o Refeitório Social.
Era importante criar equipamentos e respostas sociais para uma população com enormes carências. A Igreja de Santo Condestável foi construída pela comunidade, sem qualquer apoio oficial, e no piso do edifício foram acolhidas as primeiras respostas sociais.
“Fez-se, então, um primeiro acordo de cooperação para 10 utentes no Refeitório Social e ainda para o Centro de Dia, o SAD e o ATL, que funcionavam nesse primeiro piso já construído”, explica Pedro Guerra.
Olhado como território fértil em problemáticas e um foco de problemas, o Bairro da Mãe d’Água necessitava de respostas para uma população pobre e muito carenciada.
“Em 1994 avançava o Projeto de Luta Contra a Pobreza, «Mãe d’Água, Direito à Cidadania» e, passados três anos, quando entrei como sociólogo, achei que era necessário fazer um estudo de investigação”, recorda Pedro Guerra, explicando: “Fizemos, então, um censos a toda a comunidade. Isto foi importantíssimo porque nos permitiu conhecer a realidade e aí percebeu-se que faziam falta muitas coisas”.
Num território em que faltava quase tudo, em que havia pessoas com fome, sem ter o que vestir ou onde dormir, o estudo revelou-se essencial para os técnicos e a instituições perceberem melhor o contexto sobre o qual tinham que agir.
“Percebemos que tínhamos um dossiê que nos permitia fazer um ataque aos problemas da comunidade Mãe d’Água. O projeto era 1996-2000 e antes de terminar conseguimos convencer o Comissariado de Luta Contra a Pobreza que aquele estudo nos dava pistas de que precisávamos de uma obra maior do que a que tínhamos”, recorda, lembrando que foi aí que se avançou para a “construção do Centro Comunitário, que integrou uma lavandaria pública, um balneário público, um gabinete de atendimento, um centro de alojamento temporário, etc.. Por outro lado, aumentou-se a capacidade das outras respostas que já existiam”.
O Centro Comunitário fez crescer o Complexo Social da instituição, cuja construção terminou em 2003, altura em que o Centro vê aumentar substancialmente o número os acordos com a Segurança Social.
“Entretanto, em 1996, também fomos projeto-piloto bairro do Rendimento Mínimo Garantido e, desde os primórdios, também temos o Rendimento Social de Inserção e hoje temos à nossa responsabilidade de acompanhamento dos concelhos de Bragança e Vimioso”, acrescenta o diretor de serviços da instituição brigantina.
Mais recentemente, perante as graves dificuldades financeiras do Centro Social de S. Bento e S. Francisco, em concertação com a Segurança Social, a instituição integrou-o na sua estrutura.
“Ficámos com os problemas e com as coisas boas e herdámos ainda uma creche, resposta que não tínhamos”.
Atualmente, o Centro Social e Paroquial de Santo Condestável promove, com um corpo de quase 100 funcionários, as seguintes respostas sociais: creche (31 utentes), seis amas (24), Pré-escolar (25), ATL (66), LIJ (30), Centro de Dia (45), Centro de Convívio (36), SAD (45), CAT (10), Refeitório Social (50), Cantina Social (50) e Centro Comunitário, onde através do Gabinete de Atendimento apoia cerca de 200 pessoas.
Para além disto, a instituição ainda é responsável pelo acompanhamento do Rendimento Social de Inserção nos concelhos de Bragança e Vimioso, num total de cerca de 200 famílias (cerca de 500 pessoas).
Foi em grande parte fruto daquele estudo sociológico realizado em 1997 que o Centro Comunitário passou a dar resposta “a quem não tinha que comer, que vestir, como tomar banho, etc., no fundo tudo coisas básicas da vida”, afirma Pedro Guerra, que recorda ainda a repetição da iniciativa uma década volvida.
“Fomos crescendo devagarinho e de forma sustentada e replicámos o estudo em 2007. Fizemos a comparação com o primeiro, que distava 10 anos, e verificámos que havia muitas coisas que estavam melhor, mas os problemas essenciais estavam na mesma ou tinham-se agravado, como o da toxicodependência. No entanto, uma coisa é certa, se não temos criado esta obra, passados 10 anos, estaria tudo muito pior e se muitas tinham melhorado devia-se ao trabalho desta obra. E ainda hoje é assim, porque temos as respostas todas cheias”.
A intenção do diretor de serviços, responsável pelos dois estudos era repetir a iniciativa mais 10 anos passados, em 2017, porém os constrangimentos financeiros não o permitiram.
“Queria fazer novo estudo, passados outros 10 anos, mas não foi possível, porque é muito dispendioso. A dimensão desta obra, com as situações todas que temos que acudir e com este grande número de respostas para gerir, um estudo desses só com projetos financiados. Não havendo candidaturas é muito complicado, porque temos as pessoas certas nos lugares certos e temos que manter o barco sempre a navegar e não nos podemos desviar muito tempo da manutenção”, lamenta Pedro Guerra.
Curiosamente, e apesar de inseridos numa zona de grandes carências entre a população, durante a crise que assolou Portugal a instituição não sentiu um aumento de procura.
“Na Cantina Social, porque eram encaminhadas pela Segurança Social, tivemos um aumento de pessoas no período mais agudo da crise, mas o que senti mais foi as pessoas a pedirem para baixar as mensalidades ou para não pagar, porque não podiam, e não tanto um aumento de solicitações. Houve aumento de procura de bens alimentares e de roupa, mas não mais do que isso”, recorda, apontando algo que o surpreendeu: “No período da crise houve muita gente a pedir por outrem, algo que até aí não acontecia. As pessoas estavam preocupadas com outras que não tinham e não pediam. Houve este sentimento altruísta e de solidariedade entre a população. Até tivemos que valer a funcionários que precisaram de uma ajuda extra”.
Apesar de todos os constrangimentos, o diretor de serviços considera a situação financeira da instituição como “boa”
“A instituição atravessou o período de crise de forma bastante pacífica e tem uma situação financeira estável. Está estável e equilibrada, mas não tem condições para fazer algo fora do que está a fazer”, sustenta, justificando: “Os acordos de cooperação que temos estão, mais ou menos, a cobrir o que estamos a fazer. Houve a perceção que muita gente se podia estar a aproveitar e verificámos alguns casos que era mesmo assim e houve o cuidado de estudar bem caso a caso. Agora, é um facto que a instituição perdeu receitas. Apesar de cada vez mais nos exigirem que trabalhemos como uma empresa, somos os primeiros a ter que dar o exemplo e foi com naturalidade que isentámos pessoas de pagar e que reduzimos mensalidades. E ainda agora o fazemos, porque a missão desta casa é ajudar as pessoas e se as pessoas não podem temos que as ajudar”.
E este é o grande desafio para o padre Fernando Calado, presidente da instituição: “Esta é uma instituição que cresceu muito antes de eu entrar e tentei dar continuidade a todo esse trabalho. A nossa preocupação é sempre a mesma, o acolhimento às pessoas carenciadas ou com algum tipo de necessidades”.
Olhando o futuro, em ano de celebração do 30º aniversário, a instituição sente-se cheia de projetos.
“Pela preocupação do senhor padre Calado com os reclusos, temos um projeto para reinserção de reclusos na vida ativa, com trabalho e dormida. Este é um projeto pensado há algum tempo. Depois, temos prevista a abertura de um Centro de Noite e estamos a pensar em abrir um Albergue. Temos que nos voltar para a parte lucrativa para de alguma forma sustentar a parte não lucrativa e já temos algumas ideias. No entanto, como em tudo, o segredo é a alma do negócio e não queremos dizer ainda nada”, argumenta Pedro Guerra, revelando ainda: “Com a transferência das respostas que estavam no Centro Social de S. Bento e S. Francisco para as instalações do Centro Comunitário, ficámos com o edifício vazio e é aí que pretendemos instalar o Centro de Noite, que já tem projeto feito e aprovado. Estamos também a pensar aumentar a capacidade do CAT e instalá-lo nesse edifício também”.
Já quanto ao aniversário, as comemorações irão estender-se por todo o ano de 2018, com cada mês a ser dedicado a uma das respostas sociais da instituição.
“Todos os meses haverá iniciativas, algumas que a instituição já faz, mas que terão uma maior dimensão”, estando ainda a ser equacionada a feitura de um livro sobre os 30 anos da instituição.
E como seria Bragança sem o Centro Social e Paroquial de Santo Condestável?
“A zona da Mãe d’Água faz parte de Bragança e seria seguramente pior do que é hoje. Ou melhor, as pessoas que aqui habitam sentiriam a falta de uma estrutura como esta. Bragança já teve aqui cerca de um terço da população, agora já não porque a cidade cresceu, mas sabemos que esta ainda é uma zona bastante importante para a cidade. Se calhar, com a ideia que havia na Segurança Social e no estabelecimento prisional de que 75% dos problemas tinham origem na Mãe d’Água esta seria uma zona má e não o é. Se nós não existíssemos isto era um gueto e, de facto, não é”, afirma Pedro Guerra.
Já o padre Fernando Calado aproveita a questão para deitar um olhar mais vasto à questão: “Eu diria antes como é que seria o Interior sem os Centros Sociais e Paroquiais? Porque são as únicas instituições que, para além de acorrerem às necessidades das pessoas, vão garantindo nas pequenas localidades que as pessoas se fixem nesses territórios. São as únicas entidades que criam emprego nessas localidades. As pessoas muitas vezes ainda não reconhecem este papel das instituições. Quanto ao Santo Condestável, os diversos estudos que temos feito levam-nos a concluir que a instituição tem contribuído para melhorar um contexto social difícil como é o Bairro da Mãe d’Água, que é a zona de maior influência do Centro. Era uma das zonas mais problemáticas da cidade, ainda continua a ser em alguns aspetos, mas os estudos feitos têm demonstrado que as condições de vida das pessoas têm melhorado”.
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