JOSÉ FIGUEIREDO, ECONOMISTA

As Gigantes tecnológicas: O acidente à espera de acontecer

Por vezes fazemos involuntariamente o papel de Cassandra. Cassandra, a formosa princesa troiana, foi alvo da mais cruel maldição dos deuses. Podia antecipar o futuro, conhecia de antemão as desgraças que aí vinham, mas não podia fazer nada para as evitar. O dom da profecia foi outorgado com um terrível contraponto – ninguém acreditar no que antecipava!
Escrevi um par de crónicas sobre os riscos das redes sociais que me pareciam mais que evidentes. Tentei descrever um modelo de negócio imoral e que, como se a imoralidade não fosse suficiente, tenderia sempre para um monopólio natural.
Soubemos agora que a Facebook terá permitido a terceiros, porventura de forma involuntária, o acesso ilegítimo a cerca de 87 milhões perfis pessoais de utilizadores, na grande maioria, segundo o que vamos sabendo, utilizadores americanos.
O “roubo”, se é que foi “roubo”, terá sido perpetrado por uma empresa de “big data”, ou seja, uma dessas empresas que tem capacidade para tratar quantidades colossais de informação e que vende os seus serviços a empresas comerciais, campanhas políticas, etc…
A coisa terá sido possível graças a uma inocente pesquisa “científica”, a que terão respondido umas poucas centenas de milhar de subscritores, contudo, através da informação desses poucos entusiastas terá sido possível descarregar informação pessoal de milhões de utilizadores.
Há aqui dois lados negros.
O primeiro é que só soubemos da proeza porque alguém de dentro da Cambridge Analytica, a tal empresa de “big data”, decidiu pôr a boca no trombone. Ora, com isto vem um amargo de boca: quantos mais casos como estes podem ter ocorrido sem que se saiba? As gargantas fundas não são ubíquas!
O segundo é que fica mais que claro que a informação pessoal dos utilizadores da Facebook não está segura nos computadores da rede social. É possível, e nem parece difícil, uma qualquer inocente aplicação “roubar” a informação em escalas gigantescas.
Porque é que afirmo que o modelo de negócio é imoral?
A Facebook fez em 2017 um resultado líquido de 15,92 biliões de dólares para um volume de vendas de 40,653 biliões, ou seja, um resultado líquido sobre vendas de quase 40%! Sim! Sim! Leram bem, +/- 40%!!!
Isto é um absurdo! Colocam-se aqui duas questões: a) - como é possível atingir taxas de lucro tão absurdamente elevadas em relação às vendas? b) – porque é que, sendo o negócio tão bom, não aparecem, como seria normal, uma miríade de empresas concorrentes para baixar a taxa de lucro para níveis normais?
A resposta à questão a) – é muito simples. A Facebook inventou um modelo de negócio em que a “matéria prima”, aquilo que se transforma em dinheiro, não custa nada à empresa. O que a Facebook transforma em dinheiro é a informação pessoal que os utilizadores livre e gratuitamente por lá deixam bem como os conteúdos que por lá circulam e pelos quais a rede social não paga nada.
A Facebook não cobra nada aos seus utilizadores, é certo, contudo, monetiza a informação pessoal e os conteúdos através da venda de publicidade que, neste caso, é muito valiosa porque pode ser cirurgicamente distribuída.
A resposta à questão b) – também é simples. Embora o negócio seja atrativo não é possível verdadeiramente concorrer porque as “externalidades de rede”, que descrevi na crónica anterior, impedem uma verdadeira concorrência.
Por exemplo, a Twitter, uma outra rede social que também vive de publicidade e que, de alguma forma poderia concorrer com a Facebook, fez, em 2017, 2,5 biliões de receitas e teve prejuízos de 108 milhões.
Não dá para todos!
Observamos uma realidade similar na Google. A Google é um motor de busca que vive de publicidade – também não cobra nada diretamente aos seus utilizadores.
Em 2017 a Google fez 110,8 biliões em receitas e 12,7 biliões em resultados. Contudo, em 2018, é bem provável que os resultados mais que dupliquem! Também aqui as margens são pornográficas embora menos expressivas que as da Facebook. Mas, mais uma vez, isto só é possível porque a Google goza nesta matéria de um monopólio natural – toda a concorrência com alguma expressão foi simplesmente cilindrada.
A única empresa que durante algum tempo fez alguma frente à Google, a Yahoo, acabou vendida a preço de saldo à Verizon, o maior operador de telemóveis dos Estados Unidos. Nos tempos em que ainda resistia como empresa independente a Yahoo fazia cerca de 5 biliões em receitas e tinha resultados operacionais a rondar o zero. Os resultados líquidos de 2015 foram largamente negativos.
A insegurança da informação está ligada a esta situação de monopólio natural. Imaginemos que existia uma rede social XPTO com capacidade efetiva para concorrer com a Facebook. O que estaria a acontecer agora é que muitos utilizadores estariam a fechar as suas contas no Facebook e a mudar para a empresa XPTO, assumindo que esta seria mais zelosa na salvaguarda da privacidade da informação.
O problema é que não há concorrência real.
Depois da audição de Mark Zuckerberg, o CEO da Facebook, perante o Senado e Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, o clima parece ser propício à introdução de normas regulatórias na área das redes socias e, mais em geral, no domínio da proteção dos dados pessoais.
Mas também ficou claro como grande parte dos deputados e senadores estão longe de ter uma visão clara do que está em jogo. Algumas das perguntas não passaram da mera retórica parlamentar. Pérolas como: “quem nos vai proteger da Facebook?!” podem dar cabeçalhos em jornais ou televisões, mas não adiantam grande coisa para a resolução do problema.
Consta que Marck Zucherberg, que se apresentou nas audições com um ar deveras estranho, mas seguramente estudado ao mais ínfimo pormenor, algures entre o menino de coro e o boneco androide, terá concedido que falta “regulação” no setor.
De menino de coro a criatura tem pouco – trata-se aqui do mais refinado cinismo. Ele (ou alguém por ele) percebeu que o espírito do tempo vai por aí - “um pouco de regulação” será porventura inevitável.
A verdade é que, na volta, regulação “quantum satis” até talvez não incomode muito Marck Zuckerberg. Pensando bem, a Facebook, com os seus 2 biliões de utilizadores a nível global (falta saber quantos são pessoas reais de carne e osso) estará a aproximar-se da maturidade. A uma empresa madura um pouco de regulação não fará moléstia por aí além…
A questão da regulação é de certa forma como as prescrições indiscriminadas de antibióticos. Talvez resolvam alguma coisa a curto prazo, mas, por vezes, à custa de problemas maiores no futuro.
Penso que o tema não deveria ser regulação, ou pelo menos só regulação, mas a criação de concorrência efetiva. Só com concorrência efetiva o monstro pode ser dominado.
Mas como criar verdadeira concorrência? Talvez seja sobre isso a próxima crónica.

 

Data de introdução: 2018-05-13



















editorial

TRABALHO DIGNO E SALÁRIO JUSTO

O trabalho humano é o centro da questão social. Este assunto é inesgotável… (por Jorge Teixeira da Cunha)  

Não há inqueritos válidos.

opinião

EUGÉNIO FONSECA

IPSS OU EMPRESAS SOCIAIS: uma reflexão que urge fazer
No atual cenário europeu, o conceito de empresa social tem vindo a ganhar relevância, impulsionado por uma crescente preocupação com a sustentabilidade e o impacto social.

opinião

PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

A inatingível igualdade de género
A Presidente da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) foi à Assembleia da República no dia 3 de outubro com uma má novidade. A Lusa noticiou[1] que...