Não obstante as dúvidas que se levantam muitas vezes quanto à observância de todas as normas que devem regular os referendos, estes são sempre uma das expressões mais identificativas de uma verdadeira democracia. Há mesmo países onde o recurso a esta consulta popular constitui uma das características do seu modo de viver em democracia. O mais conhecido desses países é certamente a Suíça, onde ainda recentemente se realizou um referendo sobre o corte ou não dos cornos das vacas. De qualquer modo, este exemplo mais ou menos caricato não deve servir para desvalorizar a importância e o significado destas consultas. Há questões muito sérias podem e devem ser submetidas a referendo.
O caso mais mediatizado dos últimos tempos, no que a referendos diz respeito, veio do Reino Unido com a realização de uma consulta popular sobre a sua permanência no seio da União Europeia. O responsável pela marcação dessa consulta, que teve lugar em Junho de 2016, foi David Cameron, um jovem primeiro-ministro oriundo das fileiras conservadoras, que não foi capaz de resistir à pressão dos eurocépticos do seu próprio partido e que viu nesse referendo a única solução para as tensões internas que tinha de enfrentar. O resultado do referendo, um não a essa permanência, significou o fim da sua promissora carreira e o início de uma crise política que ainda permanece como o mais grave dos problemas que a sua sucessora, Theresa May, teve de enfrentar, e tem de enfrentar ainda, nos próximos tempos
A impressão que temos hoje é pois a de que, apesar do seu nível cultural e da sua longa experiência democrática, muitos dos eleitores britânicos parece não terem pesado bem todas as consequências do seu voto pelo não. De qualquer modo, tratou-se de um voto que não tinha condições de passar à prática com a mesma facilidade com que o seu boletim fora depositado nas urnas. E começou então um processo que se arrastou por mais de dois anos, e que deu tempo a que os sentimentos relativos ao chamado Brexit fossem mudando, pelo menos em grande parte dos eleitores. Não é pois de todo surpreendente que tenha surgido, e esteja em crescendo, um movimento para realização de uma nova consulta sobre a mesma matéria e cujo resultado poderia levar à rejeição do Brexit, como decorre de muitas sondagens que têm sido publicadas. Tal não será possível para já, mas esse movimento chega para se poder dizer que o primeiro referendo foi realmente uma precipitação.
O facto é que, goste-se ou não, ele foi responsável por uma crise política de consequências muito complicadas para o Reino Unido e para a Europa.
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