JOSÉ FIGUEIREDO, ECONOMISTA

O adeus a Mario Draghi - um esboço de balanço

É um lugar comum dizer que os homens passam e as instituições ficam. Naturalmente que o BCE vai sobreviver à saída de Mario Draghi. No entanto, não duvido que vamos sentir a falta do atual presidente do Conselho de Governadores.

Agora, que estamos a meses da saída de Mario Draghi, talvez faça sentido fazer um primeiro balanço do seu mandato à frente do BCE.
Há quem pense (exageradamente, digo eu) que lhe devemos a sobrevivência do euro. Obviamente que a salvação do euro é tarefa que está para além das possibilidades de qualquer ser humano por mais talentoso que seja. Mas não se duvide que teríamos penado muito mais se à frente do BCE não estivesse um dos melhores economistas do mundo.
Por outro lado, convirá perceber que ser um economista brilhante poderia ter valido de pouco a Mario Draghi – governar uma instituição como o BCE exige um imenso talento político e uma capacidade de comunicação fora do vulgar.
Acontece que o BCE não é verdadeiramente um banco central ou, pelo menos, não é banco central como os outros. O BCE é mais uma federação de duas dezenas de bancos centrais soberanos.
A direção do BCE não tem os mesmos graus de liberdade de decisão do chairman da Reserva Federal ou do Banco de Inglaterra.
A direção do BCE tem de acomodar um conjunto de idiossincrasias nacionais, carreadas para o BCE pelos respetivos bancos centrais, por vezes muito distintas, que complicam, e de que maneira, o processo de decisão.
Uma das razões porque o programa de compra massiva de títulos de dívida no mercado secundário (vulgarmente conhecido por quantitative easing – QE) foi adotado tão tarde pelo BCE deveu-se à necessidade de acomodar a sensibilidade germanófila (manifestamente contra) e os restantes bancos centrais do sistema (genericamente a favor).
O lado negativo não foi só o lançamento tardio do programa, foi também uma estrutura de programa que, para poder acomodar todas as sensibilidades, acabou por ficar longe do ótimo.
A distribuição das compras de títulos de acordo com a chave de capital do BCE é, em parte, responsável pelo facto de a Alemanha pagar atualmente juros negativos até à maturidade de 8 anos. Mesmo os títulos a 10 anos pagam menos de 0,5% de juros.
Não admira que a Alemanha esteja hoje a correr superavits orçamentais… Também não admira que ande por aí muito sentimento antieuropeu…
É naturalmente difícil demonstrar a eficácia do programa de QE. Não podemos fazer o contrafactual, isto é, comparar com o que teria acontecido na sua ausência.
O que sabemos é que, infelizmente, não foi suficiente para que o BCE cumprisse o seu mandato de estabilizar a inflação próximo, mas idealmente um pouco abaixo, dos 2%.
A taxa de inflação na zona euro, se excluirmos as componentes voláteis, nomeadamente a energia e os alimentos não processados, continua teimosamente em 1% e, a acreditar nas previsões do staff do BCE, a coisa não mudará muito nos próximos anos.
Por outro lado, o crescimento económico da zona euro, se mostrou alguma vitalidade em 2017, acabou o ano de 2018 claramente em desaceleração e os primeiros indicadores avançados de 2019 não prognosticam nada de bom.
Tenho para mim, mas não posso provar, que estaríamos muito pior na ausência da política monetária promovida pelo BCE e que tem muito o dedo de Mario Draghi. Também tenho para mim que, sem alguém à frente do BCE com o conhecimento de economia, o instinto político e a eficácia de comunicação de Mario Draghi, o euro teria sobrevivido de qualquer maneira, mas teríamos passado muito pior.
Porventura, o BCE terá cometido um erro que pode comprometer o futuro imediato da zona euro.
O BCE foi “prometendo” o final do programa de compras de títulos de dívida para o final de 2018. A longo de 2018 os volumes de compras mensais foram sendo reduzidos e, de alguma forma, os mercados incorporaram que o programa fecharia mesmo em dezembro de 2018.
Houve aqui, eventualmente, um pecado de hubris. De facto, na primeira metade do ano, as coisas pareciam estar a correr bem – a economia a crescer, o risco deflacionista parecia excluído - e tudo se encaminharia para a recolha dos louros pelas medidas tomadas.
Hoje sabemos que houve excesso de confiança e que os riscos adversos não foram suficientemente avaliados. Só que, quando começou a ficar mais ou menos claro que as coisas estavam a ficar feias, o BCE ficou preso num dilema complicado. Voltar atrás e prolongar o programa de QE poderia fazer sentido, mas implicaria perda de credibilidade face aos mercados – as ações do BCE passariam a ser menos previsíveis e isso tem custos. Manter o rumo pode fazer o BCE uma entidade mais previsível e confiável, mas vai ter custos económicos significativos.
Na última conferência de imprensa do BCE, Mario Draghi veio dizer que o BCE não está sem munições mesmo sem o programa de QE - existem instrumentos de política monetária alternativos, nomeadamente as TLTRO, ou seja, crédito superbarato para os bancos que mostrarem disponibilidade para emprestar à economia real.
Ignoro qual a responsabilidade pessoal de Mario Draghi neste pecado de hubris. Seja como for isto não vai manchar um mandato brilhante - o balanço é imensamente positivo.
Especula-se quem será o sucessor. Para nossa felicidade parece que Jens Weidmman, o atual presidente do Bundesbank e que estava mortinho pelo lugar, já atirou a toalha ao ringue. Angela Merkel terá percebido que lhe interessa jogar a cartada alemã noutro sítio, porventura menos controverso e menos exposto para a Alemanha. Ouço agora falar de um finlandês de nome impronunciável. Já se falou do antigo ministro da economia de Espanha.
Para bem da Europa conviria que fosse alguém da cintura do sol, que não nos caia na sopa algum fanático da Nova Liga Hanseática.
Já vimos ao que vêm esses tipos empanturrados de virtude. A virtude deles é usar o sistema a seu favor e dizer que os outros – os que não podem (muitas das vezes por razões históricas) acompanhar o passo - não passam de um bando de preguiçosos a pedir os piores castigos.

Que Deus nos ajude!

 

Data de introdução: 2019-02-06



















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