Perante um auditório completamente lotado, Paulo Pedroso, ex-ministro da Segurança Social e, atualmente, alto quadro do Banco Mundial, foi o orador convidado da Conferência «Empresas Sociais e Inovação», promovida pela CNIS, no passado dia 5 de setembro, na Fundação Manuel António da Mota, no Porto. Foi uma tarde de reflexão e algum debate, essencialmente em torno dos conceitos que enformam o universo das empresas sociais e que contou ainda com a participação de Américo Mendes, professor da Universidade Católica e um profundo estudioso da Economia Social.
Paulo Pedroso começou por fazer um enquadramento histórico, recuando até aos tempos da Revolução Industrial, a partir da qual as relações laborais e a produção de bens e serviços sofreu uma alteração radical e que, evolutivamente, nos trouxe até aos dias de hoje.
Face à nova realidade económica de finais do século XIX, uma questão se coloca: “Como produzimos bem-estar para a sociedade?”.
Paulo Pedroso remeteu para a imagem de um triângulo cujos vértices são constituídos pela “empresa capitalista, que surge do interesse individual”; pelo “Estado e associações de interesse geral, que têm por objetivo a defesa do interesse geral”; e ainda pelas associações de interesse mútuo, aquelas em que as pessoas se organizam para defender os seus interesses”.
Posto isto, Paulo Pedroso defendeu que “as empresas sociais podem sair de qualquer um destes grupos”, considerando-as, por isso, um “híbrido”, que nasce da “evolução institucional de diferentes formas de produzir bem-estar”.
E o ex-governante sustentou que as empresas sociais são um “híbrido”, porque tanto podem nascer da filantropia de um capitalista, como dos movimentos operário ou cooperativo ou ainda da Doutrina Social da Igreja”.
Segundo Paulo Pedroso, “é neste quadro histórico que nascem a Economia Social e as empresas sociais”, “algo que surge da prática e cujo conceito está, ainda hoje, em construção”.
A esta altura, Paulo Pedroso avançou com uma primeira definição para empresa social, sustentando que é “toda e qualquer iniciativa que procure resolver um problema social pela via do mercado”, sublinhando: “Empresa social tem que ter interesse, valor económico”.
Ou seja, “se está no mercado, é empresa, mas só é social se servir para resolver um problema social”, porque na génese da empresa social está “um impulso ético”.
E este impulso pode ser “individual”, como no caso de Bill Gates e a fundação que criou, ou “ideológico”, como no caso das lojas de comércio justo.
Recorrendo às conclusões do trabalho académico de um grupo de professores belgas, Paulo Pedroso avançou com os “quatro modelos de empresas sociais” identificados pelos investigadores.
Desde logo, “as empresas sem fins lucrativos” que se dividem em três sub-modelos: aquela empresa cuja atividade serve para canalizar fundos para a instituição, ou seja, está no mercado e os proveitos vão, por exemplo, para uma IPSS; outra que labora na missão, isto é, uma instituição que tenha uma ERPI, mas que tenha também uma resposta residencial lucrativa; ou aquela empresa de inserção social de desfavorecidos.
Sobre este modelo, Paulo Pedroso considerou que “o valor gerado não é Economia Social”, e que mais à frente na sessão recordaria para explicar que “quando uma IPSS entra no mercado deixa de poder reclamar benefícios face às empresas do mercado”.
Aliás, ainda nessa fase de debate, e comentando uma afirmação de Américo Mendes – que disse que as organizações da Economia Social têm que ter em comum, entre outras, a característica “de ser dirigidas aos que ficaram fora da resposta do mercado”, por exemplo, por falta de capacidade financeira –, Paulo Pedroso alertou para o facto de, “na área de serviço às pessoas, se for para servir apenas os excluídos, então, as instituições só devem servir os excluídos do mercado, mas estão a autolimitar-se”.
E deu como exemplo a resposta de Pré-escolar, em que segundo esta «regra», as IPSS não poderiam acolher crianças de famílias não carenciadas. “É importante que as instituições não se autolimitem”, asseverou.
Retomando a enumeração plasmada no estudo dos investigadores belgas, seguiu-se a “cooperativa social, que introduz a democracia na governação”; ainda os negócios sociais que não estão ligados a instituições sociais, algo que tem subjacente social no negócio que pratica em prol, por exemplo, da sustentabilidade ambiental”; e, por fim, as “empresas públicas de carácter social, em Portugal um assunto tratado, e que talvez não seja bem visto pelas IPSS, pela via das empresas municipais, por exemplo, para gerir bairros sociais”.
Para Paulo Pedroso, um orador dinâmico e cativante, essencial para uma empresa social “é estar no mercado com competência tendo um propósito social”. E esta é uma ideia que alargou à outra temática da conferência, a Inovação, que considera ser o “resolver problemas sociais com competência no mercado”.
De seguida, o ex-governante lembrou alguns riscos que se perfilam no caminho das empresas sociais.
Por um lado, é necessário haver “regulação do impulso ético”, ou seja, erradicar aquelas empresas que servem apenas para esconder lucros, e, por outro, o risco que nasce de “a viabilidade económica da empresa social não depender das mesmas pessoas que tratam e resolvem os problemas sociais, porque há que dominar o mercado”.
Por último, mas não menos importante, o risco de “haver a tentação de impulsionar demasiado as empresas sociais, cortando no Estado Social”.
Ou seja, para Paulo Pedroso, o perigo reside na “evolução da prestação de serviços para o contrato de concessão”, o que apelidou de “perigoso, porque as respostas sociais menos lucrativas ficam de fora”.
E alertou com veemência: “Cuidado com a empresarialização social!”.
Já a terminar a exposição, o orador lembrou aos presentes que “as associadas da CNIS não são por natureza empresas sociais, mas podem sê-lo, parcial ou totalmente”, e voltou a afirmar que “as empresas sociais não são captáveis pelo conceito da Economia Social”.
Já depois da intervenção de Américo Mendes, Paulo Pedroso assegurou à audiência que não faz parte “daqueles que pretendem, com pezinhos de lã, meter o liberalismo nas respostas sociais”, considerando, depois, que “as empresas sociais têm grande inaplicabilidade em Portugal”.
Na nossa realidade, “quem tem impulso ético, normalmente, não tem impulso para o negócio”.
Rebuscando o resultado de um estudo feito em Hong Kong, e que havia apresentado na primeira parte da sessão, que identificava três características em comum do empreendedor social – ter estudos superiores; já ser empreendedor na vida empresarial; ter sentido altruísta –, Paulo Pedroso sustentou que “o perfil do português solidário não é o do empreendedor que andou de empresa em empresa e no final vai para uma IPSS”.
Por tudo isto, “as empresas sociais têm potencial em Portugal, mas é limitado”, concluiu.
Antes da fase de debate, Américo Mendes deu uma breve aula sobre Economia, como nota introdutória, mergulhando depois na área que mais estuda, a da Economia Social.
Aí, e avançando com dados para a construção da definição de organizações de Economia Social, o professor da Universidade Católica indicou que “devem ser entidades com personalidade jurídica”, mas também não ter, pois não é condição «sine qua non»; “devem ser privadas, ou seja, emanadas da sociedade, e ainda ter formas de autogoverno”.
Por outro lado, “devem ter em comum que a missão principal seja trabalhar para que as relações sejam mais solidárias; que haja propriedade comum, isto é, as grandes questões requerem decisões coletivas; e que que têm que produzir bens e serviços dirigidos aos que ficam fora da resposta do mercado e promovam a coesão social, que é um bem público”.
Por fim, Américo Mendes acrescentou um elemento ao triângulo sugerido por Paulo Pedroso para explicar como se passou a produzir bem-estar após a Revolução Industrial.
“Há um conceito que, acho, transversal ao triângulo proposto e que atravessa os três vértices, que é o de comunidade. A comunidade é donde emergem as instituições da Economia Social”.
Da plateia as principais preocupações colocadas prenderam-se com a falta de legislação específica e com a falta de solidariedade e subsidiariedade entre as instituições. Por outro lado, quis-se saber como é possível tornar a Economia Social mais atrativa ou se dar dimensão concelhia ou distrital às empresas sociais se não será mais vantajoso.
Em resposta a esta última questão, Paulo Pedroso foi perentório: “E por que não de dimensão nacional, através da CNIS, por exemplo…”.
Na abertura da conferência, que teve moderação do padre José Baptista, da Direção da CNIS, o padre Lino Maia, depois de dar as boas-vindas, explicou que a sessão tinha o intuito de promover a reflexão de um tema cheio de atualidade para as IPSS, num tempo em que “há quatro grandes desafios no horizonte: o ordenamento do território; as mudanças climáticas; a natalidade; e o envelhecimento, porque é bom envelhecer, mas quanto mais idosas mais serviços as pessoas precisam”.
Por isso, para o presidente da CNIS, as IPSS “precisam de inovar, porque são necessárias novas respostas para estes desafios que se desenham no horizonte, mas também é preciso inovar na gestão dos serviços”.
E porque “os apoios vão escasseando e os serviços aumentando, é preciso inovar”, sublinhou a fechar.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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