1 - Escrevo esta crónica no dia 1 de Dezembro, feriado nacional em que se comemora a Restauração da Independência de Portugal, em 1640, após sessenta anos de domínio castelhano, período em que os nossos reis eram os Reis de Espanha – Filipe II, Filipe III e Filipe IV de Espanha, respectivamente Filipe I, Filipe II e Filipe III de Portugal.
Foram-se os da Casa de Áustria, reinante no País vizinho, ficaram os Bragança.
Como aprendemos na escola, foram cerca de 40 fidalgos portugueses que organizaram a conspiração que acabou por expulsar a Regente, a Duquesa de Mântua, e por matar o seu valido português, Miguel de Vasconcelos, nos Paços da Ribeira, em Lisboa, elegendo como Rei o Duque de Bragança, D. João, que veio a ser o quarto desse nome.
“Quarenta e pouco mais/Mas todos tais e quais/ tinham sido os Albuquerques e os Castros/ Quarenta que na abóbada da História/ Nimbados de glória/ Reluzem como astros./ Eles foram em romagem/ Na madrugada fria/ Ao túmulo da Pátria/ E arrancaram a pedra que cobria/ O enorme gigante amortalhado,/ Despiram-no da insólita roupagem/ Vestiram-lhe a armadura do passado./ Deram-lhe sangue e amor/ E o velho Portugal ressuscitado/ O velho pioneiro/ Fez-se naquela manhã de nevoeiro/ Um Portugal Liberto/Um Portugal maior,.”(x)
Como já aqui referi, numa outra crónica, valeu-nos então a Revolta da Catalunha, que já então, como agora, lutava pela sua independência em relação a Espanha, tendo os exércitos espanhóis optado por combater a Revolta da Catalunha, em detrimento do esmagamento da nossa Restauração.
Já então a Catalunha era mas preciosa para nuestros hermanos do que este canto ocidental chamado Portugal – quer pela riqueza propriamente dita, quer por a Catalunha fazer fronteira com a França, inimigo histórico de Espanha e apoiante, nessa época, da causa da independência catalã.
Mas o certo é que ficámos a dever à Catalunha o sucesso da nossa Restauração da Independência – o que recomendaria menos seguidismo em relação às posições castelhanistas, que são dominantes nas nossas elites políticas e de governo.
2 – O discurso centralista sobre a Regionalização no nosso País costuma referir, como objecção a essa reforma da nossa organização político-administrativa, que Portugal é o País da Europa com as fronteiras estáveis mais antigas, o que provavelmente é verdade – e que qualquer tentativa, ou tentação, de criar um nível intermédio entre a escala local e a escala nacional comporta riscos de secessão.
Com efeito, data do reinado de D. Dinis o desenho das nossas fronteiras, terminada a expulsão dos mouros, com D. Afonso III, e definida a fronteira terrestre com Castela, pelo tratado de Alcanices, que permitiu a incorporação das terras de Riba-Côa no território nacional.
Mas, apenas com uma variação de grau, a vontade autonomista da Catalunha radica fundamentalmente nas mesmas causas e motivações que transportam os defensores da regionalização, em qualquer parte do mundo.
Trata-se da rejeição do centralismo, que absorve recursos e energias que pulsam no País e são por ele confiscados e afectados a mordomias e prebendas à Côrte e aos seus áulicos.
É essa pecha antiga em Portugal, atravessando regimes e sistemas políticos, unindo governos e governantes.
Já Almeida Garrett escrevia, no início do século XIX, que “Portugal é Lisboa, o resto é paisagem”.
Foi assim na monarquia absoluta, foi-o no tempo de Garrett, a Monarquia Constitucional, foi-o na 1ª República, foi-o no Estado Novo – como é próprio das ditaduras, em que a concentração do poder tem a natureza de um mandamento.
Foi assim até à Constituição que felizmente nos rege, a de 1976, em que os deputados constituintes determinaram que Portugal deveria passar a ser um país com um modelo de organização político-administrativa contemplando um estádio de representação política democrático – isto é, baseado no sufrágio, no voto -, situado entre o poder local e o poder executivo do Governo.
Não foi, de resto, nenhuma inspiração bizarra dos Constituintes: eles limitaram-se a transpor para Portugal, recém-chegado à democracia, o modelo em vigor em praticamente toda a Europa, mesmo nos países com dimensão e população idênticas às do nosso País.
Praticamente toda a Europa … em 1976; hoje, em todos os países que integram a União Europeia.
3 – Parecia que desta vez é que seria: António Costa defendia a regionalização, enquanto presidente da Câmara de Lisboa; e Rui Rio, o líder da Oposição, convertera-se a essa causa – ambos a partir da respectiva experiência como Presidentes das duas principais câmaras municipais do País, e da constatação comum de que o sistema centralizado, como está, não funciona e é causa do atraso de Portugal no contexto europeu.
Seria possível, pois, com esse acertamento do Bloco Central, desta vez por uma boa causa, dar esse passo que falta para cumprir a Constituição.
Mas António Costa, após ser ungido Primeiro-Ministro, não tardou, no primeiro mandato, a enfileirar na inconstitucionalidade por omissão que caracterizou todos os seus antecessores nesse cargo – salvo António Guterres, que, honra lhe seja, não hesitou em proclamar a sua vontade de perder efetivamente poder, em homenagem à verdadeira devolução de poderes que a regionalização configura.
António Costa veio agora com uma aproximação: numa primeira fase, eleição directa dos dirigentes das Áreas Metropolitanas do Porto e de Lisboa; e eleição dos dirigentes das Comissões de Coordenação Regional, pelos autarcas da respectiva Região-Plano, em 2021, na sequência das recomendações da Comissão Independente presidida por João Cravinho.
Sempre seria um começo, um cheirinho … e o cumprimento de uma promessa eleitoral: “Palavra dada é palavra honrada”.
Mas, pelo que refere o “Expresso” de ontem, 30 de Novembro, parece que o Presidente da República nem essa versão mitigada admite.
Com efeito, Marcelo Rebelo de Sousa, como é sabido, é contra a Regionalização.
Foi com ele como líder do PSD que a Regionalização não passou no referendo realizado em 1998 – com ajuda de Mário Soares, como se lembrarão os meus leitores …
E como se prefigura mais um mandato presidencial de Marcelo, o risco é de o recuo quanto à regionalização se prolongar por mais seis anos.
Diz o “Expresso” que António Costa hesita em afrontar Marcelo Rebelo de Sousa, mesmo na modalidade soft que agora se apresenta.
Avance!
Ficar tudo na mesma é que não …
Como escreveu Artur Portela Filho, em “A Funda”, nos anos 70, sobre a imobilidade: “uma coisa é certa: ninguém a vê mover-se” …
Henrique Rodrigues (Presidente do Centro Social de Ermesinde)
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