O mundo vive uma verdadeira emergência climática.
Os sinais são evidentes: vagas de calor, episódios extremos de cheias e de seca, glaciares em recuo, etc.
Se é tão evidente que nos encaminhamos para o precipício porque não mudamos de vida?
Basicamente por duas razões: egoísmos nacionais e conflito de gerações.
O conflito de gerações é óbvio: quem toma as decisões – as pessoas da minha geração– não são os que vão sofrer as consequências mais graves. Quem as vai sofrer em cheio é a próxima geração e essa não tem poder.
É no fundo isso que anda a dizer Greta Thunberg. Folclore à parte (também não me agrada) a “pirralha” está plena de razão.
Depois existem os egoísmos nacionais - não é fácil distribuir o esforço por todos. Na verdade, os países pobres acham que têm o direito de aumentar as emissões porque isso é essencial para atingir padrões de desenvolvimento aceitáveis, os países ricos dizem que o fardo das reduções tem de suportado por todos.
Aparentemente não há grandes razões para ter esperança: a cimeira de Madrid acabou em nada, é tudo menos improvável que Donald Trump seja reeleito e a China continua a ter uma posição dúbia. Na verdade, só a Europa parece ter uma agenda progressista nesta matéria.
Reconheço que, porventura, se estivermos à espera de boa vontade e impulso político para resolver o problema podemos esperar sentados.
No entanto, eu agarro-me à desesperada esperança – acredito que o mundo, apesar dos conflitos intergeracionais e não obstante os egoísmos nacionais, encontrará uma solução. Ela virá de dois sítios: a tributação universal do carbono e a tecnologia.
A tecnologia está a fazer o seu caminho. Não passa um dia que não apareça um novo desenvolvimento em matéria das novas energias, das baterias, dos sistemas de armazenamento, etc.
Felizmente Portugal não está fora deste processo - um conhecido grupo económico português apresentou em meados do ano passado o protótipo de um autocarro a hidrogénio.
A tecnologia não pode fazer tudo.
É também necessário que o custo de emitir CO2 se traduza naquilo que pagamos pelos bens e serviços que consumimos.
Durante muito tempo (começa a não ser assim) as energias renováveis não eram competitivas em preço com as energias convencionais. Era mais caro produzir energia elétrica com base no solar e no vento que, por exemplo, queimando carvão ou gás.
A forma que se encontrou de não matar à nascença as energias renováveis foi subsidiar a produção.
Não foi a solução ideal, contudo, ainda assim, atualmente, graças a um enorme progresso tecnológico, muita da produção eólica é competitiva com as fontes convencionais na ausência de subsídios e a energia solar vai a caminho.
Mas não chega – é necessário encontrar uma forma universal de tributar o carbono de modo que os bens e serviços que consumimos tenham um preço que reflita não só o custo direto de produzir, mas também o custo indireto de poluir.
Sabemos por experiência própria a tremenda eficácia dos estímulos fiscais. Durante anos as árvores que bordejam os nossos rios estavam pejadas de restos de sacos plásticos das compras dos supermercados. Bastou uma taxa pouco mais que simbólica sobre os sacos de plástico e hoje é raro ver um resíduo plástico preso num salgueiro, num freixo ou num amieiro.
A taxa sobre as bebidas açucaradas também está a produzir efeitos muito significativos.
O problema com a tributação do carbono é que seria uma medida extremamente regressiva – de repente, tudo aquilo que compramos ficaria mais caro e mais caro de forma igual para o rico, o remediado ou o pobre.
Simplesmente não é aceitável. A experiência em França mostra os riscos de uma abordagem deste tipo. Emmanuel Macron tentou substituir parte do imposto sobre as fortunas por um acréscimo de imposto sobre os combustíveis. Pensando que ficaria bem na fotografia tentou dar um ar progressista na reforma – ajudaria a mitigar os riscos do clima. A gente dos subúrbios, que depende absolutamente dos carros para viver, revoltou-se. Colocaram coletes amarelos e vieram para a rua – se é preciso salvar o planeta não pode ser só à custa dos mais pobres. Que todos se cheguem à frente!
Uma forma simples de resolver isto é o estado devolver a todo os cidadãos, numa base per capita simples, o total arrecadado em impostos sobre emissões.
Em média ficamos todos em casa, contudo, os mais pobres beneficiam. De facto, como a distribuição é por cabeça, os mais pobres beneficiam porque contribuem menos (compram menos bens e serviços) e recebem o mesmo que os ricos, ou seja, acaba por se fazer bem ao planeta e, pelo caminho, mais justiça social.
Não estou aqui a falar de utopia. Nos Estados Unidos o plano Baker Shultz prevê um mecanismo similar ao descrito acima. Infelizmente, com a atual administração americana, a esperança de progresso nesta área é, para já, pequena.
No plano internacional também se colocam problemas complexos.
Os países mais atrasados, com emissões muito baixas, entendem que não devem ser obrigados a implementar uma taxa contra as emissões porque, ao contrário dos países desenvolvidos, necessitam aumentar as emissões para melhorar a qualidade de vida da população.
Vivemos num mundo em que as diferenças são enormes. No Uganda a emissão de CO2 per capita é de 0,1 toneladas enquanto nos Estados Unidos é de 16. Como pedir ao governo do Uganda que implemente uma taxa sobre o carbono?
Raghuram Rajan, o brilhante economista que foi um exemplar governador do banco central da Índia, apresentou recentemente no FT uma solução interessante.
Basicamente trata-se de criar um fundo internacional alimentado com uma taxa global sobre o carbono, em que os países com emissões superiores à média pagam e os países com emissões inferiores à média são ajudados nos seus esforços de desenvolvimento.
Todos têm um incentivo para reduzir emissões. Os países com emissões superiores à média global pagam para o fundo e têm, por isso, um incentivo para as reduzir. Os países com emissões inferiores à média receberão tanto mais quanto mais o seu processo de crescimento for pouco intensivo em carbono.
Para a constituição de um fundo com poder de fogo importante nem sequer estamos a falar de valores de tributação muito elevados – 10 USD por tonelada de CO2 seriam suficientes.
Não acredito que em 2020 seja finalmente estabelecido um sistema global de tributação do carbono e de ajuda aos mais pobres para salvar o planeta.
Mas não duvido que nos aproximaremos mais um pouco.
Mas, felizmente, também da pura economia mercantil, das iniciativas da economia privada, nos chegam sinais encorajadores.
Disso falaremos na próxima crónica.
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