JOSÉ FIGUEIREDO

A EMERGÊNCIA DO CLIMA: A perspetiva económica (parte 2)

Os mercados não são eficientes para captar os custos das alterações climáticas.

Se deixássemos tudo aos mercados não haveria o boom que hoje, felizmente, verificamos nas energias renováveis.

Se hoje temos uma verdadeira corrida à eletrificação dos automóveis é simplesmente porque os fabricantes de automóveis, para cumprir com as regras das emissões de CO2, têm forçosamente de vender quotas cada vez maiores de veículos híbridos ou totalmente elétricos.

Não fosse a intervenção das políticas públicas, através de subsídios ou de regulação apertada, o mercado, entregue a si mesmo, ter-nos-ia projetado para um desastre de dimensões bíblicas.

Os mercados só serão um aliado no combate à emergência climática no dia em que o custo de poluir esteja incorporado no cálculo económico de empresas e consumidores.

Defendo que isso será conseguido quando for implementada uma taxa universal sobre o carbono que torne explícitos os custos (por ora apenas implícitos) das emissões de CO2.

A tributação universal do carbono não é para amanhã.

No entanto, isso não quer dizer que os mercados não estejam já, aqui e ali, a refletir as consequências da emergência climática.

Nalguns casos (raros) o impacto das alterações climáticas vai direto às contas de lucros das empresas.

É o que acontece com as seguradoras e as resseguradoras. Com fenómenos atmosféricos extremos (incêndios, tempestades, secas ou cheias) cada vez mais frequentes, os custos com indemnizações estão a subir e os resultados a encolher.

Claro que, com o tempo, estes acréscimos de custos vão refletir-se no aumento dos prémios de seguros e seremos todos nós, os consumidores, a pagar.

Mas, na maior parte dos casos, os custos da emergência climática não vão diretos aos resultados das empresas, por enquanto. São custos futuros ou riscos futuros que, se devidamente descontados, deveriam estar a provocar alterações de comportamento.

Infelizmente só os líderes corporativos mais esclarecidos (a maioria continua a assobiar para o teto) já perceberam que quem não se posicionar agora do lado certo vai pagar caro à frente.

Há uma área em particular em que podemos medir a temperatura da coisa. Essa área é a indústria do investimento financeiro.

A Blackrock é o maior investidor do mundo. Tem 7 triliões de dólares em ativos sob gestão.

Para termos uma ordem de grandeza, os ativos geridos pela Blackrock equivalem a 1,5 vezes o PIB do Japão e duas vezes o PIB da Alemanha, respetivamente a terceira e a quarta economias do mundo.

O poder que deriva desta situação é imenso. A Blackrock está entre os maiores acionistas de boa parte das grandes empresas deste nosso vasto mundo.

Obviamente há quem pergunte se não se foi longe de mais neste movimento de concentração de riqueza. A Vanguard, o segundo maior investidor do mundo, está aos poucos a encurtar a distância para a Blackrock.

Não tenho nada a certeza que a emergência destes colossos do investimento seja uma coisa boa, sobretudo porque a esmagadora maioria desse investimento é feito em instrumentos passivos.

Para o que aqui nos interessa Larry Fink, o fundador da Blackrock, escreveu, como faz todos os anos, uma carta aos CEO das empresas em que investe e uma carta aos clientes.

Pela primeira vez nessas missivas as alterações climáticas estão no centro da comunicação da Blackrock.

Não nos iludamos – não há aqui idealismo. Larry Fink não construiu o império que hoje governa com base em generosidade ou altruísmo – é um investidor racional e impiedoso.

Para ele há duas coisas relevantes:

  1. 87% da geração que agora anda entre os 30 e os 40 anos, considera que a perspetiva ambiental é relevante em matéria de decisões de investimento.
  2. Já não é possível ignorar os riscos ambientais quando se trata de avaliar rendibilidade a largo prazo.

Larry Fink sabe que os 30/40 anos não são a sua base de clientes atual. Contudo, também sabe que o serão daqui a 10/15 ou 20 anos. À medida que a geração do pós-guerra for saindo das carteiras, a nova geração de investidores quer saber como vão as coisas em matéria de gestão de riscos ambientais.

Por outro lado, em muitos setores de investimento, a pura rendibilidade esperada futura está muito condicionada pelos riscos ambientais e pela forma como são geridos. Ignorar seria perigoso.

Há duas áreas em que a Blackrock tem o poder de mudar.

A primeira consiste na escolha das empresas em que investe, a segunda na forma como usa os direitos de voto nas empresas em que tem participação.

Em relação à primeira linha de atuação a Blackrock anunciou umas quantas orientações

Desde logo, na parte em que é investidor ativo, vai retirar-se de todos os investimentos em empresas onde 25% ou mais do seu rendimento derivem de atividades ligadas ao carvão térmico. Não porque poluam muito, mas porque as perspetivas de rendibilidade a largo prazo são baixas e os riscos financeiros demasiado elevados.

De seguida a Blackrock vai analisar as empresas que usem carvão térmico como input e, também essas serão objeto de um escrutínio apertado.

A Blackrock declarou que vai aderir à Climate Action 100+, uma organização de investidores que aceita um conjunto de princípios em matéria de alterações climáticas.

Na declaração de princípios da Climate Action 100+ consta:

“Acreditamos que trabalhando com as companhias em que investimos – comunicar a necessidade de maior clareza na divulgação dos riscos das alterações climáticas e de estratégias corporativas alinhadas com os acordos de Paris – é consistente com os nossos deveres fiduciários e contribuirá para o cumprimento dos objetivos dos acordos de Paris”

É uma alteração significativa para a Blackrock que, no passado, votou em muitas empresas contra as propostas vindas da Climate Action 100+.

Por outro lado, podem ser excluídas do âmbito do investimento ativo da Blackrock as empresas cujos riscos ambientais não sejam devidamente identificados e que não apresentem planos de gestão do risco de acordo com os melhores standards internacionais.

São passos muito importantes embora tenhamos de ter consciência de duas coisas: a) – a adesão à Climate Action 100+ não obriga os signatários a votar desta ou daquela forma nos conselhos ou nas assembleias das empresas; b) – há ainda alguma confusão em matéria de standards de reporte de riscos e planos ambientais.

O outro plano onde a Blackrock conta (e muito) é com o seu poder de voto em muitas empresas.

O registo da Blackrock no passado não é particularmente impressivo nesta matéria.

Na carta que enviou aos clientes Larry Fink afirma que a Blackrock será muito mais exigente em matéria ambiental no futuro e que não deixará de usar os seus poderes de voto para o efeito.

São boas palavras. Saberemos em breve se são apenas palavras…

 

 

Data de introdução: 2020-03-06



















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