Que farei quando tudo arde?

1 - Mais uma vez em férias na Galiza, vou acompanhando, de longe - como o Presidente da República e o Primeiro Ministro - as notícias que os jornais portugueses me trazem sobre o nosso País a arder.
É todos os anos o mesmo, é cada ano pior. Ou melhor, para alguns. Como escreve Saldanha Sanches, no último Expresso - que também cá chega - "a indústria dos fogos é um dos poucos sectores da economia portuguesa que não está em crise."
Nem só as florestas são consumidas pelo fogo.
Vai, desde a passada semana, um grande incêndio sobre o poder autárquico, a partir de uma entrevista à Visão do Dr. Paulo Morais, antigo presidente do Conselho Fiscal da UIPSS e há quatro anos Vice-Presidente da Câmara do Porto, onde detém o pelouro do Urbanismo.
Que disse, no essencial, o autarca do Porto?
Pois que, na maioria das Câmaras, "o urbanismo é…. a forma mais encapotada e sub-reptícia de transferir bens públicos para a mão de privados (e que) a palavra para isto é roubo ".
E ainda que "nas mais diversas Câmaras Municipais do país há projectos imobiliários que só podem ter sido aprovados por corruptos ou atrasados mentais."
E mais - que promotores imobiliários financiam o PSD e o PS para obter dividendos na aprovação de projectos, e que os vereadores do Urbanismo são, quase sempre, os "coveiros" da democracia, e os partidos as suas casas mortuárias. Os negócios imobiliários - segundo Paulo Morais, "financiam partidos, campanhas e dirigentes."
Sublinhando ainda que ele próprio foi objecto de pressões, por parte do seu e de outros partidos, do seu e de outros governos, para autorizar construções em violação das regras urbanísticas em vigor na cidade do Porto.
2 - Claro que os poderes instalados logo procuraram desvalorizar a gravidade das denúncias, atacando pessoalmente o seu autor.
(À maneira dos tempos antigos, em que o rei, ou o imperador, mandava matar os mensageiros portadores de más notícias - como se a verdade delas se ocultasse sob o sacrifício…).
Disseram que as declarações eram uma espécie de vingança pessoal, por o Dr. Paulo Morais ter sido afastado da lista do PSD candidata à Câmara do Porto.
E que, se tinha conhecimento de pressões ilegítimas, ou de corrupção, as deveria nomear, denunciando-as.
Quanto a este argumento, ele só é bom para quem quer manter a cabeça enterrada na areia, ou para quem prefere deixar tudo como está.
Todos sabemos que a corrupção é um crime discreto, e de prova quase impossível - já que beneficia ambos, corrompido e corruptor, e o segredo fica entre eles.
Mesmo nos casos em que o Ministério Público conclui, após a investigação, pela existência de corrupção, ou abuso de confiança, ou peculato, ou burla, e deduz acusação contra autarcas, ou outros dirigentes políticos, o Tribunal muitas vezes vem a dar como não provada a acusação.
(O facto de a acusação não ter sido provada em juízo não significa que não tenham sido cometidos os crimes. Ainda recentemente, em relação à Câmara de Águeda e a um deputado, pelo que vi nos jornais, o Tribunal absolveu explicitando que o fazia em nome do princípio da presunção de inocência - "in dubio pro reo" -, não fundado na convicção dessa mesma inocência. Procurando dizer-nos, em suma, que não considerava provada a acusação, mas que não podia garantir que os factos não tivessem ocorrido).
Também não há quem não saiba que só uma pequena parte dos crimes cometidos na vida real é investigada, que só uma parte destes vai a juízo e que só uma parte destes acaba em condenação.
É assim em muitos tipos de crimes. É assim na corrupção - muitos crimes não foram julgados ou deles não houve sequer notícia; mas foram, na realidade, cometidos.

3 - Ninguém quer acabar com o princípio da presunção de inocência em processo penal, nem com as garantias dos arguidos.
Mas seria muito confortável para os interesse instalados e para os poderes ocultos ver o Dr. Paulo Morais julgado e condenado por difamação ao denunciar situações de corrupção que na verdade ocorreram mas cuja prova não pudesse fazer.
Dava até para os culpados aparecerem branqueados de virtude.
A questão, a verdadeira questão, não é jurídica, mas politica. Tem que ver com a qualidade média dos nossos autarcas e a noção que têm - ou não tem, como é mais frequente - do serviço público.
Nesse aspecto, a denúncia do Dr. Paulo Morais, nos termos em que foi feita, merece aplauso. É que as suas declarações vieram de encontro à impressão, que todos temos, mais nítida ou mais difusa, de que as coisas se passam como ele diz.
Basta correr o país e olhar para a paisagem - "mamarrachos" (é a expressão do autarca do Porto) a destacarem a sua silhueta na paisagem urbana, novos campanários dos tempos modernos; ou empreendimentos turísticos, de luxo ou mais pelintras, em áreas de paisagem protegida ou sobre as arribas do mar, muitas vezes com apropriação do domínio público; ou andares "recuados", espécie de contrapeso negocial, que são quase o brasão de alguns concelhos.
4 - Claro que os negócios imobiliários, como as empresas municipais, a privatização das águas, as empreitadas de obras públicas, pelo dinheiro que representam, são mais vezes notícia - má noticia - do que outros sectores da actividade municipal.
Convém não esquecer que os autarcas que o Dr. Paulo Morais assim descreve a propósito das pressões imobiliárias são os mesmos que presidem à Rede Social ou às Comissões de Protecção e que reivindicam, ciclicamente, a municipalização da Acção Social.
Mas convém principalmente que o Governo não o esqueça, quando as autarquias pedirem mais competências - e mais transferências, e mais impostos.
Saldanha Sanches, no mesmo artigo, faz o voto de que "o que seria desejável é que a tragédia dos incêndios, fosse a cremação do poder local tal como o conhecemos hoje e que constitui o cancro do sistema representativo criado pelo 25 de Abril."

Infelizmente, não vai ser já.

Mas, por mim, já aqui deixo a minha acha. 

*Presidente da Direcção do Centro Social de Ermesinde

 

Data de introdução: 2005-10-16



















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