I - Muitas Instituições têm solicitado a orientação da CNIS sobre o procedimento a ter em conta quanto ao pagamento das comparticipações familiares devidas pela frequência das respostas sociais cujo funcionamento foi suspenso, por determinação do Governo.
Trata-se de uma questão complexa, que se pode resumir do modo seguinte:
A questão é a de saber se, no atual contexto de encerramento de diversas respostas sociais, determinado por lei, originando a suspensão da prestação de serviços contratada com os utentes ou seus familiares, se mantém, e em que termos, o dever de pagamento das comparticipações familiares.
A questão não tem uma solução uniforme.
II - Normalmente, os contratos de prestação de serviços e os regulamentos internos, bem como o Ponto 9 do Regulamento das comparticipações familiares anexo à Portaria nº 196-A/2015, de 1 de Julho, preveem uma redução da comparticipação familiar quando se verifique a ausência de frequência durante um determinado período.
Mas essa redução decorre, nesses casos, de ausência por motivo imputável ao utente.
Não é o caso atual, em que a suspensão da prestação social decorre de motivo externo, de ordem pública, não imputável a qualquer das partes do contrato de prestação de serviços.
E não se trata de uma situação pontual, de um ou outro utente, sem efeitos práticos significativos nos custos da resposta social, mas do encerramento integral, abrangendo todos os utentes – com impacto efetivo, por exemplo com diminuição das despesas com alimentação.
As disposições legais aplicáveis são, a nosso ver, os artsº 795º, 428º e 437º do Código Civil.
Segundo o artº 795.º do Código Civil, “1 - Quando no contrato bilateral uma das prestações se torne impossível, fica o credor desobrigado da contraprestação e tem o direito, se já a tiver realizado, de exigir a sua restituição nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa.”
No mesmo sentido, o artº 428.º do mesmo Código dispõe que, “1. Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.”
III - Por outro lado, o art 437º, ainda do Código Civil, determina do modo seguinte:
“Resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias
Artigo 437.º (Condições de admissibilidade)
1. Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afete gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.
2. Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior.”
IV – Combinando o disposto nas referidas disposições, podemos concluir que o contrato de prestação de serviços pode ser resolvido, isto é, pode cessar, por iniciativa de qualquer das partes, uma vez que se pode considerar verificado o requisito de “alteração anormal de circunstâncias” – artº 437º, 1 do Código Civil.
Mas também pode optar-se – designadamente, pode o utente, ou seus familiares, optar - pela manutenção em vigor do contato, modificando-o de acordo com as circunstâncias, como se refere na mesma disposição legal.
Esta modificação deve ser levada a cabo segundo critérios de equidade.
E tal modificação pode traduzir-se, por exemplo, numa redução do valor das comparticipações.
Mas o conteúdo de tal modificação terá de merecer o acordo da contraparte.
V – Como se referiu, devem ser juízos de equidade a determinar, em cada caso, a concreta modificação do conteúdo do contrato.
Isto é, uma eventual redução deverá ter em conta princípios que assegurem a proporcionalidade e adequação dessa mesma redução.
Não poderá ser igual em todas as situações.
Por exemplo, não poderá ser idêntica essa eventual redução nos casos em que a Instituição recorreu aos mecanismos de apoio extraordinário – p. ex., lay off simplificado, ou lay off normal (artº 305º do Código do Trabalho) e nos casos em que tal apoio não ocorreu.
O mesmo se diga para os casos em que a Instituição optou pela manutenção dos postos de trabalho, ou pela sua extinção.
O fundamento da posição da CNIS consiste no entendimento de que, pelo menos nas situações em que a Instituição continua em atividade efetiva, por manter respostas sociais de funcionamento contínuo imprescindível, ou tem a intenção de restaurar o funcionamento das respostas sociais que foram suspensas, não se pode falar em impossibilidade definitiva da prestação, mas apenas na suspensão da prestação principal; continuando a ser assegurado um conjunto de atividades ligadas ao funcionamento de tais respostas sociais e mantendo-se diversos direitos instrumentais, como o direito à inscrição e à vaga correspondente.
Tais direitos instrumentais, ou subsidiários, têm valor económico.
O contrato de prestação de serviços tem, em regra, vigência anual, nas respostas da infância e juventude; e duradoura, noutras respostas - pelo que a sua manutenção em vigor, embora temporariamente suspenso na prestação principal, pode ser considerada entendimento legítimo.
A prestação a cargo da Instituição ainda é possível, embora de forma diferida para momento posterior.
Na verdade, a suspensão da prestação de serviços por parte da Instituição, nesses casos, não é completa, subsistindo o cumprimento parcial do contrato – pelo menos nas situações em que os trabalhadores afetos às respostas sociais continuam ao serviço efetivo, planificando atividades, procedendo à higienização dos espaços, preparando-os para a reabertura da resposta social …
Em suma, mantendo, no essencial, o vínculo laboral à Instituição, e ao serviço efetivo – embora sem utentes -, pressuposto da possibilidade da continuação da prestação de serviços principal, quando cessarem as medidas determinadas pelo Governo.
No entanto, mesmo nesta interpretação, a eventual redução do contrato assenta em juízos de equidade; que, na circunstância, devem ser negociados e acordados com os utentes ou seus familiares que celebraram com a Instituição os aludidos contratos.
De acordo com os aludidos princípios da proporcionalidade e da adequação, também não deve ser igual o critério de formulação de proposta de redução da comparticipação, nos casos de manutenção de um mínimo de funcionamento das respostas ou de encerramento completo da resposta, com o envio dos trabalhadores para casa ou para o desemprego.
VI – Convém recordar que os contratos de prestação de serviços constituem contratos de direito privado, em que são partes as Instituições e os utentes ou seus familiares.
A Segurança Social não é parte nesses contratos.
Nessa medida, a gestão da situação contratual e suas vicissitudes está compreendida na autonomia de gestão das Instituições, devendo cada Instituição definir as propostas negociais a apresentar às contrapartes nos contratos de prestação de serviços, consoante os efeitos das medidas excecionais na sua estrutura de custos e proveitos.
No entanto, a Segurança Social pode fiscalizar o cumprimento do Regulamento Anexo à Portaria nº 196-A/2015, de 1 de Julho, designadamente no que toca à determinação da comparticipação familiar e aos critérios que a ela conduzem.
Mas essa Portaria não regula os efeitos desta circunstância excecional, em nosso entendimento.
O Ponto 9 da referida Portaria regula uma circunstância em que se verifica uma redução da comparticipação familiar: “9 - Redução da comparticipação familiar - Há lugar a uma redução de 10 % na comparticipação familiar mensal quando o período de ausência devidamente fundamentado exceda 15 dias seguidos.”
Mas essa redução tem como pressuposto que a ausência, embora justificada, resulta da opção do utente.
Não é o caso em análise a propósito do encerramento forçado das respostas sociais.
VII – A forma mais equilibrada de resolver este constrangimento foi a adotada pelo Governo Regional da Madeira, que decidiu no sentido de mandar isentar do pagamento das comparticipações familiares os utentes das respostas encerradas, assumindo o Governo Regional esse encargo.
VIII – Estas orientações têm, como tudo tem nesta ocasião, um carácter precário.
Em cada dia, podem ser alteradas as estipulações administrativas atualmente em vigor, modificando os pressupostos em que assenta a presente comunicação.
Porto, 24 de Março de 2020
O presidente da CNIS
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