Vivemos um tempo único, que toca a todos e em todo o mundo. De repente, mudaram-se hábitos, atitudes, comportamentos e formas de pensar. Instalou-se a incerteza, a angústia, o medo e, para muitos, o pânico.
Agora percebo melhor Santo Agostinho quando disse que se ninguém lhe perguntasse o que era o tempo ele sabia, mas se alguém lhe fizesse a pergunta e ele quisesse explicar, deixava de o saber. Estou como Santo Agostinho. Sinto este tempo, mas não o sei explicar.
Porque dizem que não estávamos preparados e que estamos todos a aprender, este tempo ainda não é o tempo de saber e, muito menos o de explicar. Temos de ter a humildade de não saber entender nem o nosso tempo, nem o tempo do futuro. O tempo para a frente é um enigma, mas para trás pode ser uma lição.
Consciente desta limitação resta a atitude de tentar retirar alguns ensinamentos.
O primeiro tem a ver com a forma como o Estado se relacionou com as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS). As autoridades oficiais em Portugal vieram impor aos Lares a vigilância e tratamento de doentes com infeção COVID-19, sem definir a cobertura necessária de médicos e enfermeiros e do fornecimento de equipamento de proteção individual, o que levou a situações dramáticas de doentes residentes em Lar. Chama-se a isto “tirar a água do capote”.
A orientação das autoridades foi no sentido de fazer regressar aos Lares os infetados e colocar os não infetados noutras instalações, o que é errado. Deveria ser o contrário, fazer regressar ao Lar os não infetados e deslocar os infetados para unidades capacitadas para tratar da sua recuperação.
O setor da saúde, numa fase inicial da pandemia, não quis perceber que os Lares são instituições de restrito âmbito social que, na sua larga maioria, não têm condições em termos de infraestruturas, de recursos técnicos e humanos, de espaços de isolamento e de equipamento para fornecer acompanhamento em situações de doença aguda e de fácil contágio.
Transcrevo uma reportagem de um exemplo de muitas situações idênticas, que o País não conhece, que foi publicada no “PÚBLICO“, em 27 de abril passado, sobre o que se viveu no Lar de Idosos, “Leonor Beleza” da Santa Casa da Misericórdia de Santo Tirso: “O lar fechou-se sobre si próprio, sem que do lado de lá da Linha SNS alguma voz se prontificasse a ajudar. O primeiro doente suspeito esteve sete dias à espera de ser testado. Sem os pequenos gestos heroicos dos funcionários do lar, sem a parte humana que os levou a dedicarem-se aos utentes, muitos mais teriam morrido. Num corpo de 67 funcionários com uma média de idades perto dos 60 anos, e entre os quais abundavam os motivos para se resguardarem em casa (por serem imunodepressivos, terem familiares doentes ou pais idosos, por exemplo), todos quiseram ajudar. Aliás, entre os 28 que acabaram por ficar infetados, muitos queriam continuar aqui. Tivemos que lhes explicar que, em termos éticos, isso não era possível.”
Há sinais de que a situação está a ser alterada, mas o que se passou não pode ser repetido. Para que a atuação seja mais coordenada entre saúde e apoio aos idosos, parece ser uma boa ideia que num próximo ajustamento da estrutura do governo, se coloque debaixo da mesma tutela as duas áreas.
Outro ensinamento que retiro desta experiência tem a ver com o relacionamento entre as instituições sociais e as autarquias locais. Sendo que a larga maioria das Misericórdias e das IPSS exercem as suas atividades a nível local, o certo é que não está previsto qualquer tipo de relacionamento, nomeadamente de natureza financeira, entre as autarquias e essas instituições.
Tudo o que se vai fazendo são ações pontuais que dependem da boa vontade dos dirigentes das autarquias. Penso que seria muito vantajoso que a Lei viesse a prever que as Câmaras Municipais financiassem parte das despesas correntes das instituições socias que exercem atividade nos respetivos municípios, com base numa percentagem a definir sobre a comparticipação outorgada pelo Orçamento de Estado a cada Câmara Municipal.
Mas o ensinamento maior resulta do extraordinário trabalho que está a ser levado a cabo pelas IPSS na luta contra o COVID-19. Mais uma vez, dirigentes e trabalhadores, em circunstâncias muito adversas, nalguns casos verdadeiramente dramáticas, estiveram à altura da nobre missão que justifica a existência destas instituições, o bem comum. Bem hajam!
Não há inqueritos válidos.