RICARDO POCINHO, PRES. DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE GERONTOLOGIA SOCIAL

Temos que estar todos muito gratos aos trabalhadores das instituições sociais

Ricardo Pocinho é fundador e presidente da ANGES - Associação Nacional de Gerontologia Social. É licenciado em Direito, doutorado em Processos de Formação pela Universidade de Salamanca, e em Psicogerontologia pela Universidade de Valência. Fez Pós-Doutoramento em Ciências da Educação, na especialidade de Educação Permanente e Formação de Adultos pela Universidade de Coimbra. É professor adjunto da Escola Superior de Educação e Ciências Sociais do Politécnico de Leiria, investigador integrado do Centro Interdisciplinar em Ciências Sociais, da Universidade Nova de Lisboa.

Ricardo Pocinho redige regularmente artigos que são publicados em revistas e livros de várias nacionalidades e de elevado prestígio como a ACM, Thompson Reuters, Springer e Elsevier.

Esta entrevista surge a propósito do estudo "Avaliação Multidimensional dos Trabalhadores das Organizações Sociais em Portugal - Burnout e Engagement”, de que Ricardo Pocinho foi coordenador.

SOLIDARIEDADE – O estudo que coordenou teve em conta 339 entrevistas de um universo de milhares de técnicos e diretores técnicos. É suficiente para se extrairem conclusões?
RICARDO POCINHO – A amostra é suficiente, o estudo tem coerência e os dados dão muita consistência. O objetivo maior, junto das confederações e parceiros com assento na concertação social, é criar um movimento positivo para que haja uma reestruturação de algumas coisas que estão mal ou menos bem feitas nas organizações sociais. O sector é um dos maiores empregadores do país, com dinâmicas económicas e empresariais na maioria das localidades. Às vezes em muitas freguesias as IPSS são o único empregador. Têm sido muito bem defendidas, quer pela CNIS quer pela UMP e outros parceiros. As IPSS não entram em concertação de centrais de compras, algumas através do estrangeiro, que hoje têm uma grande dinâmica. Uma grande parte dos serviços fornecidos ao Estado são assim fornecidos por empresas com sede fora de Portugal que nem sequer cá pagam impostos, como é o caso das empresas de segurança, vigilância e plataformas alimentares. A economia do terceiro sector e as IPSS nisso demonstram diferença. Compram localmente, criando dinâmicas económicas interessantes que não podem ser esquecidas. É considerado um sector não lucrativo, mas é o que mais lucro direto traz ao país. Não só pelo número de pessoas que emprega direta e indiretamente, mas pelo incentivo que dá à economia local.

Que impacto teve a pandemia no trabalho diário das IPSS?
No estudo, quando fazemos um recorte com as 85 pessoas que responderam depois de março, a alteração é praticamente zero. As pessoas que responderam depois da pandemia tinham os mesmos níveis de cansaço que têm estes agora. A pandemia não trouxe nada de novo a não ser mais cansaço. Um cansaço que está tão agudizado que não consegue ser pior refletido. A pandemia só trouxe às luzes da ribalta a questão dos lares por falta de assuntos de atualidade para ocupar o sistema mediático. E os temas dos lares, discutidos por painelistas e comentadeiras, em boa verdade, não têm verdadeiro interesse nem qualquer utilidade.

O que quer dizer com isso?
Há uma imagem negativa do sector social. Não faz falta nenhuma campanha para enaltecer o trabalho notável deste sector. Faz falta uma campanha para que as pessoas entendam que é um sítio de conforto e o respeito pela legislação é muito maior do que na maior parte das empresas do país onde pagam da mesma maneira. O sector social paga pouco, mas é aquilo que está estabelecido na lei e que é acordado em concertação social. Algumas instituições poderiam pagar um pouco mais do que o salário mínimo, mas a maioria, as que dependem de acordos de comparticipação e protocolos com o Estado, não têm nenhuma possibilidade de pagar mais do que o salário mínimo, que é o que está estipulado. É o que pagam os cafés, as estruturas alimentares, as cadeias de supermercados. Temos é que questionar se esses sectores cumprem tanta legislação como cumpre o sector social. E depois, este é o sector solidário, mas pouca solidariedade tem entre si. Nós por conta desta pandemia assistimos a grandes necessidades de muitas instituições e não vimos disponibilidade de outras para as ajudar. Nós em Portugal temos instituições que têm milhões e outras que contam tostões. Todos nós damos um contributo para os jogos Santa Casa e depois não vemos o dinheiro efetivo repercutido por todo o território onde as pessoas jogam. Vemos instituições que vão à falência e outras que estão a caminho disso, deixando territórios a nu e desprovidos da resposta social que dão porque a instituição do lado não quer abdicar dos seus rendimentos que nem sequer tributa. Temos que ter a consciência que somos um país pobre, com poucos recursos e muito daquilo que tem sido o aumento das comparticipações do Estado para com os outros tem sempre que ver com o aumento dos impostos.

O estudo identifica problemas. Tem alguma pista para as soluções necessárias?
Para resolver o problema emergente das organizações sociais em relação aos seus recursos humanos há que fazer uma revisão dos rácios. Mais recursos humanos, mais recursos humanos técnicos, preparados para terem uma condição do que são hoje as exigências da nova tipologia de utentes. Temos hoje pessoas mais imóveis, mais descapacitadas, mais declínio cognitivo, mais demência. Na infância temos crianças mais exigentes, com pais ultraexigentes, que querem o melhor para os poucos filhos que têm. Temos que rever os rácios e para isso é preciso dinheiro. Pode ser injetado nas instituições para maior financiamento de recursos humanos. O que significa que têm que ser revistos os acordos e a forma de comparticipação das famílias. Não pode haver a ideia dum sector que é igualitário na prestação, mas não é equitativo. É o que temos hoje, um sector de prestação igual, mas não equilibrada nem sequer em percentagem. As regiões têm custos completamente diferentes e o Estado dá o mesmo a todos pela comparticipação independentemente do custo do utente. Com a comparticipação das famílias é um pouco semelhante. O objetivo no futuro é que consigamos que todas as pessoas tenham acesso a um lar. Nós não temos condição demográfica para pensar que o retrocesso, até pela falta de emprego, colocará um membro do agregado familiar a ser cuidador do seu pai ou da sua mãe. Era bom, mas não é possível. Num país que vai viver nos próximos 20 anos a sua maior crise demográfica, com uma falta de mão de obra problemática, sem recurso à Europa que vai estar igual, vamos precisar de estruturas em condições para estarmos tranquilos nos nossos trabalhos até mais tarde. Eu espero que a pandemia possa servir para alguma coisa positiva, designadamente o que pôs a descoberto sobre o funcionamento das instituições de solidariedade social, em especial o que aconteceu com os lares de idosos e residenciais.   

Os lares do futuro têm que ser diferentes?
Temos que saber o que fazer aos que têm mais idade. Há coisas hoje que são colocadas nas costas dos lares e dos responsáveis dos lares e deveria ser, antes disso, tratado com o Ministério da Solidariedade e da Saúde. Hoje acorre-se, nos hospitais, apenas a problemas de saúde e nestas estruturas residenciais para pessoas idosas ou lares acorre-se por problemas de saúde e por problemas sociais de grau menor. Se quisermos ser claros, este é o parceiro público-privado que o Ministério da Saúde pode ter mais barato. E ainda assim não quer ter. Prefere mil vezes ter o relacionamento com grupos privados e alguns deles nem sequer nacionais são. As IPSS como um todo têm que ser vistas como o sector que mais modificações têm que ter num tempo curto para que o país possa existir como o conhecemos. Fala-se da crise geracional ou demográfica dos próximos 20 anos. Mais de metade da população terá mais de 65 anos de idade e com o país, nesse período, incapaz de regenerar o mercado de trabalho. E estamos a ignorar o problema. Temos que encontrar formas de financiar as estruturas que vão ter que cuidar desta gente. Ter um maior compromisso das famílias e um maior compromisso do Estado.

É a mesma fórmula...
As IPSS substituem o Estado na função social que lhe cabe. O Estado é acionista com apenas um terço, mas manda em tudo. Com a comparticipação que faz resgata a autonomia das instituições e coloca condições que levas as IPSS a terem a porta aberta para prestar cuidados, mas sem capacidades financeiras para isso. A questão dos profissionais de saúde, por exemplo. Até haver uma medicina geriátrica vai ser muito difícil fixar pessoas em lares. Por outro lado, já que as instituições têm fins públicos e os trabalhadores são considerados como tal, porque é que não é aplicada a tabela remuneratória do Estado que é em tudo melhor do que a das IPSS? Percebe-se que um enfermeiro não queira trabalhar num lar, que até será um ambiente de trabalho melhor do que uma urgência hospitalar.  O salário não é minimamente atrativo. São menos 200 ou 300 euros em relação ao Serviço Nacional de Saúde e, sobretudo, têm uma carreira. Quando se fala de motivação a progressão na carreira é fundamental. Um trabalhador num lar, independentemente da sua função, desde o dia que entra até ao dia em que sai, tem a mesma perspetiva de carreira, apesar dos possíveis aumentos de vencimento. Não tem nenhuma mudança de categoria nem nenhuma regalia. Era como se alguns de nós tivéssemos sido os melhores alunos da escola, mas nunca saíssemos da primeira classe. Que estímulo teríamos para estudar se não transitássemos de ano? Os trabalhadores sentem-se da mesma forma. Em Portugal as organizações sociais são de uma qualidade extraordinária, os trabalhadores são altamente dedicados. O sector, devido a alguns e sobretudo à responsabilidade dos governos, não tem a visibilidade positiva que deveria ter.

A imagem ainda é a de depósitos de pessoas?
A ideia depositária em relação aos lares viaja muitas vezes na cabeça de quem não conhece e na cabeça das famílias. Parece que um idoso é alguém que se prepara para morrer ao invés de uma criança que se prepara para viver. Deviam existir comissões de proteção de idosos. Algumas famílias fazem dos lares um depósito. Vão lá deixar os idosos e ficam à espera de um telefonema a dizer que o parente faleceu. A pandemia não alterou nada. Isto sempre foi assim. Temos que tratar os idosos como tratamos as crianças com o mesmo nível de comprometimento. O sector social tem muito para crescer. É um dos maiores do país em termos de empregabilidade e de dimensão, mas tem que ser tratado de outra forma pelas famílias e pelo Estado.

A pandemia nas IPSS pôs a nu algumas fragilidades? O caso de Reguengos de Monsaraz contribuiu para se pensar que os lares não são lugares seguros, apesar dos números dizerem o contrário?
Isso deve-se à disponibilidade dos trabalhadores dos lares que tiveram uma atitude de grande consideração pelos utentes. No primeiro dia em que lhes foi solicitado que tivessem horários de confinamento, de espelho, de casulo, ou que que quiserem chamar, tivemos muitos milhares de pessoas a dormir no chão dos lares onde trabalham para proteger as famílias dos outros. Temos que ter uma grande admiração pelos trabalhadores dos lares, pelos dirigentes e pelas próprias IPSS. Estas notícias que tentam denegrir este trabalho é mais uma oportunidade a ser criada para que os privados entrem em força no país. Até agora o interesse dos privados no sector não era muito, mas como agora as pessoas têm, em média, reformas mais elevadas, os grupos de investidores estão ávidos. Há alguns a comprar licenças de utilização de IPSS, sobretudo as mais pequenas e com mais dificuldades económicas. Este deitar abaixo o sector social é um princípio de entregar aos privados aquilo que funciona muito melhor se tiver um coeficiente público.

A confusão da cobertura mediática entre sector social, sector privado e lares ilegais...
Há uma vontade muito grande em deitar abaixo este sector. Em Reguengos de Monsaraz envolveu-se tudo o que não interessava quando se devia apenas falar de pessoas. Quero lá saber da cor partidária do presidente da câmara e dos dirigentes. Deve haver fiscalização e quem não cumpre dever ser punido. O importante é tratar muito bem os utentes que estão nos lares. Houve situações iguais, como o caso do Montepio do Porto, com tratamento diferenciado. Esta visibilidade provocada pela pandemia podia ajudar no que é importante. Por exemplo: há um decreto que diz que o médico de família de um utente só o é até ao dia em que entra numa instituição. Ora o Serviço Nacional de Saúde não deixa de acudir a ninguém, independentemente de nenhum fator, quer esteja na via pública ou numa instituição de saúde. Ficamos agora a saber que não tem que acautelar o tratamento e a vida de pessoas institucionalizadas. Se assim é o melhor é colocar os utentes no SNS. O mais fácil para um diretor técnico é chamar ambulâncias e mandar os utentes infetados para o hospital mais próximo. Ora o que tem sido feito é o contrário. Temos que ser todos muito gratos ao pessoal das IPSS.

Qual é a sua opinião sobre as Brigadas de Intervenção Rápida?
Há ainda alguma confusão. A Cruz Vermelha, que criou este mecanismo, diz agora que afinal já não vai haver um médico na brigada, que será recrutado a partir de uma bolsa de trabalho temporário. O Ministério que tem a gestão dos lares também tem a gestão do IEFP e sabe que não há médicos disponíveis no país. Se não há médicos para o SNS como é que se arranjam médicos para as BIR? O mecanismo é muito burocrático e complexo para resolver uma situação que é simples. O que precisamos é de alguém que possa substituir profissionais em falta, sob orientação de quem lá trabalha.

 V.M.Pinto – Texto e fotos

 

Data de introdução: 2020-10-08



















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