LIDERANÇA NO FEMININO É UMA REALIDADE CRESCENTE NO SECTOR SOCIAL SOLIDÁRIO

Falta valorizar a mulher como se valoriza o homem

Sinal dos tempos e reflexo do que se passa na sociedade, há cada vez mais mulheres em cargos diretivos eleitos nas IPSS. Esta é uma situação que também já se verifica nas estruturas intermédias da CNIS, com seis Uniões Distritais a serem, atualmente, presididas por mulheres, quando há pouco mais de uma década não era nenhuma. Este é um caminho que tem sido feito devagar, mas que é já irreversível e, na opinião de quem já chegou a esses lugares, “falta valorizar a mulher como se valoriza o homem”. E isto, infelizmente, não é algo exclusivo do Sector Social Solidário, mas estende-se a toda a sociedade. No entanto, os tempos estão a mudar e, mais importante, as mentalidades estão definitivamente em grande evolução.
As recentes eleições para os órgãos sociais de duas Uniões Distritais (UD) da estrutura da CNIS, ambas vencidas por listas presididas por mulheres, vieram demonstrar a crescente relevância feminina nos cargos de direção do Sector Social Solidário.
Dentre as três Uniões Regionais e 18 Uniões Distritais confederadas na CNIS, em 2021 seis são lideradas por mulheres, sendo Maria de Lurdes Pombo, na UDIPSS Castelo, a decana das presidentes destas estruturas intermédias da CNIS.
“Foi a única lista que se candidatou ao triénio 2009-2011 e eleita por unanimidade, sendo eu a única mulher”, recorda a dirigente, que atualmente cumpre o último mandato (2019-2023).
Reflexo da sociedade, afinal as IPSS emanam da sociedade civil, as IPSS, apesar de empregarem maioritariamente mulheres, e as suas estruturas organizativas invertem a percentagem no que toca aos cargos diretivos.
No entanto, tal como na sociedade onde nasce e atua é um cenário em mudança. São cada vez mais as mulheres a integrarem os órgãos sociais das IPSS e cada vez mais a liderarem-nas.
Carla Verdasca, recém-eleita presidente da UDIPSS Leiria e que também vive a situação de ser a única mulher nos novos órgãos sociais, vê “de forma orgulhosa e positiva” o crescente número de mulheres a liderarem as estruturas intermédias da CNIS, considerando que “a mulher começa a ter uma maior afirmação num mundo demasiado conservador em relação às suas capacidades”.
Já Paula Pimentel, que preside à UDIPSS Bragança, diz-se “feliz por perceber que caminhamos para uma sociedade mais equilibrada, em termos de género, fruto da emancipação da mulher e da evolução da história em termos de representação em cargos políticos”, sublinhando: “Aos poucos deixamos de dar conta das diferenças (homem/mulher) e passamos a valorizar a responsabilidade nas lideranças, sejam no feminino ou masculino. Sinto que o papel da mulher é mais reconhecido e aceite”.
Por seu turno, Filomena Araújo, presidente da UDIPSS Viana do Castelo, vê nisto “uma evolução normal em todas as áreas da sociedade” e “significa que as mulheres estão cada vez mais ativas em cargos de liderança, que consideram ter as mesmas capacidades que os homens”.
Eleita vice-presidente da união regional da Madeira, Maria do Céu Carreira, face à suspensão de mandato do presidente, é quem dirige os destinos da UIPSSM e vê, “naturalmente, com bons olhos, essa representatividade crescente”, frisando que, “na verdade, não é mais do que uma expressão mais fidedigna da sociedade em geral e do sector em particular”.
Num ano em que a CNIS assinala 40 anos de vida, a realidade mostra que são cada vez mais as mulheres em cargos dirigentes das instituições.
Se no primeiro mandato, Maria de Lurdes Pombo era «uma mulher entre homens», neste seu último mandato os “órgãos sociais têm na direção uma maioria feminina e o conselho fiscal é presidido por uma mulher”, frisando que “a média de idade dos atuais órgãos sociais é mais baixa”.
Para a decana das presidentes de Uniões Distritais e também presidente da APPACDM de Castelo Branco, “felizmente, no distrito já existem muitas mulheres nos órgãos sociais das IPSS e várias a presidir”, dando conta da sua “esperança em que mais mulheres participem nas IPSS para no futuro mais mulheres serem presidentes de Uniões e um dia alguma presidir à Confederação”.
A verdade é que este é um sector em que a esmagadora maioria dos trabalhadores e técnicos são mulheres, mas ainda são poucas mulheres nos corpos dirigentes das IPSS e demais estruturas, como as Uniões Distritais e a própria CNIS.
Para Paula Pimentel, “a história tem o seu peso” e “o Sector Social é peculiar e sempre foi assumido pela liderança no masculino”, pelo que “demora o seu tempo”.
Contudo, apesar de ser “uma questão cultural, aos poucos ganhamos coragem, arranjamos disponibilidade, damos provas e a situação poderá inverter-se”, acrescenta a líder da UDIPSS Bragança.
“A ausência de oportunidades será significativa, mas também o medo de se afirmarem perante determinadas situações”, começa por referir Carla Verdasca, lembrando que “o sucesso feminino é mais julgado do que o masculino”.
Maria do Céu Carreira tem mais dúvidas do que respostas.
“Há, nas IPSS e não só, carreiras e categorias profissionais em que as mulheres estão largamente em maioria. De que modo, essa realidade poderá ter influência na composição dos órgãos dirigentes das instituições e demais estruturas? É uma questão que não me parece ser de resposta fácil, nem direta”, sugerindo a dirigentes insular que, “talvez, fosse de começar por perceber, se e como podem os trabalhadores ‘contar’ para esses lugares dirigentes”.
Já para Filomena Araújo, “esta limitação prende-se com a própria sociedade e com a evolução do papel da mulher na sociedade que cada vez é mais interventivo em todas as áreas” e… “o terceiro sector não é exceção”.
Se a realidade mostra que num sector preenchido maioritariamente por mulheres os cargos diretivos ainda o são mais dos homens, o que falta para que mais mulheres cheguem e assumam os mais altos cargos das instituições e demais estruturas diretivas da Confederação?
“Falta coragem e determinação”, começa por dizer Paula Pimentel, explicando com o próprio caso: “Eu própria quis rejeitar a possibilidade de presidir à UIPSSDB no primeiro mandato, por considerar que, para além de ser mulher, era jovem em termos de idade e tinha a sensação de falta de aceitação e até competência”. No entanto, com o exercício das funções tudo mudou: “Confesso que os primeiros tempos foram pautados por insegurança e desconforto, sentia que este cargo estaria melhor assumido por qualquer outra pessoa, mas aos poucos percebi que era capaz de abarcar o desafio embora de forma diferente e sem grandes afirmações públicas”.
Para Carla Verdasca, o que falta é “valorizar a mulher como se valoriza o homem”, porque “quanto mais heterogéneas forem as equipas, quer em relação à faixa etária, ao género, à categoria profissional ou à experiência de vida, melhores serão os resultados obtidos pelas mesmas”.
Para a jovem presidente da União de Leiria, “enquanto o foco não for obter os melhores resultados possíveis, esta distinção manter-se-á”.
Sendo os cargos diretivos maioritariamente exercidos em regime de voluntariado, a conciliação com a vida familiar é, historicamente, mais difícil para as mulheres.
“Diria, de uma forma simples, que o que falta é o querer, ou talvez mesmo, o querer muito”, afirma Maria do Céu Carreira, que acrescenta: “Sendo os cargos exercidos em regime de voluntariado, a conciliação, por exemplo, com a vida profissional nem sempre é fácil, num contexto de exigências crescentes ao nível da gestão das instituições, uniões e Confederação. Falta, diria ainda, para muitas mulheres, apesar do querer, condições para assumirem e exercerem os mais altos cargos, com a disponibilidade e a dedicação que os mesmos determinam”.
Paula Pimentel também sublinha este aspeto, com “a própria sociedade e os papéis culturalmente atribuídos à mulher a colocarem mais entraves do que aos homens”.
“A conciliação entre a vida profissional, familiar e pessoal é um grande desafio, mas resta a esperança de que continuemos a evoluir nesse sentido. Por vezes, somos julgadas pelo fazer mais e melhor, somos condenadas pela falta de tempo em família, por viver em função da causa social”, acrescenta a presidente da União de Bragança.
Já Filomena Araújo olha para esta questão de uma forma mais desprendida, começando por dizer que “não creio que falte nada neste momento”.
“Parece-me que as mulheres já demonstraram as suas capacidades nesta área e cada vez mais querem atingir o topo das direções. Sendo as UDIPSS e a CNIS o topo, veremos nos próximos anos muitas mais mulheres a ocuparem esses cargos”, sustenta.

TOQUE FEMININO

Se a capacidade e competência das mulheres para exercerem tais cargos não levanta qualquer espécie de dúvida, o que emprestam de diferente à gestão e direção das instituições?
“Penso que podem trazer uma sensibilidade e estilos de liderança mais inovadores e atuais e uma criatividade e distinção na forma como lidam com as adversidades”, afirma Carla Verdasca, no que é acompanhada por Filomena Araújo: “As mulheres possuem uma visão na área da gestão mais abrangente, principalmente no terceiro sector onde sempre estiveram presentes e atuantes. Devido à grande experiência feminina neste sector, poderemos estar a visualizar o início de uma ‘revolução’ na forma de intervir neste sector”.
Para Paula Pimentel, “ser mulher ajuda a olhar com sentido de justiça, seriedade, equilíbrio e consciência de que os mais indefesos necessitam de ser cuidados com amor”, até porque “nós, mulheres, conseguimos ter um olhar mais abrangente, mais intuitivo e não apenas focado na parte económica e financeira, sem com isso descurar a importância da gestão rigorosa”.
Por seu turno, a líder da União da Madeira, “a relevância e a constatação de que nas direções e gestão das Uniões, independentemente do género, o que importa e o que vale é a competência, o sentido de missão, a resiliência, a sensibilidade e o saber ‘ler’ a(s) realidade(s)”.
O SOLIDARIEDADE também contactou Sónia Lobato, recém-eleita presidente da UDIPSS Santarém, mas a dirigente declinou o convite, justificando: “Não sou feminista, não forço a lei da paridade, apenas defendo a igualdade no que ao acesso dos cargos diz respeito. Acredito nas ideias visionárias e competentes, vista saias ou calças. Neste sentido, não poderei contribuir para o questionário que me remete, porque a fazê-lo estarei a alimentar algo que tem de ser erradicado, não alimentado”.
Certo é que cada vez há mais mulheres a chegarem aos cargos diretivos das instituições e das demais estruturas diretivas integrantes da Confederação, cargos aos quais se chega apenas por eleição dos seus pares, o que não deixa de ser um sinal positivo e dos tempos, numa sociedade e num sector que se quer cada vez mais paritário em termos de género.
No entanto, ainda há muito caminho para fazer, mas também é verdade que o caminho faz-se caminhando.

Pedro Vasco Oliveira

 

Data de introdução: 2021-02-11



















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