JOSÉ A. DA SILVA PENEDA

Na gestão da pandemia não houve planeamento, há arrogância e falta de coragem

Em novembro passado uma queda provocou a fratura da minha coluna vertebral. Fui submetido a uma complicada intervenção cirúrgica, com um longo período de convalescença que ainda dura e que provocou a minha ausência das páginas deste jornal. Regresso hoje. Pensei que poderia retomar a atividade com um texto agradável mas, infelizmente, não será assim. O texto de hoje é um daqueles que nunca gostaria de ter escrito.

Começo por constatar, e penso que não estarei isolado nesta apreciação, que a atividade do governo no último ano tem-se concentrado na gestão da pandemia e nos seus efeitos na economia. Tudo o resto praticamente parou.

Quanto a essa gestão os resultados não poderiam ser piores. Sabemos hoje que Portugal passou a ser o País mais incapaz do mundo a controlar a propagação do vírus. Este é um facto lamentável e irrefutável. Cometemos a triste façanha de sermos os piores, os menos capazes de todos, mesmo entre os países mais pobres dos pobres. Em novembro último escrevi neste espaço um texto que intitulei “A indisfarçável ausência de planeamento na gestão da pandemia” em que apontei alguns pontos em que essa ausência de planeamento foi por demais evidente. Foi o caso da falta de articulação entre os setores público, social e privado, em que se deixou que essa articulação se fizesse com base em iniciativas locais de cada hospital e não, como deveria ter sido feito ao mais alto nível do governo. Porque não se preparou durante o verão, juntamente com o setor social e privado, um plano capaz de dar respostas eficazes a cenários como os que estamos a viver? Nesse plano deveriam estar previstas número de camas a mobilizar, pessoal a recrutar, recursos financeiros necessários, preço do serviço prestado pelos setores social e privado ao Serviço Nacional de Saúde e definição de um sistema de acompanhamento permanente da execução desse plano. Mais, poder-se-ia definir qual o tipo de doentes a abranger nessa cooperação, para além dos doentes Covid, para evitar que não aumentassem cancelamentos de cirurgias, diagnósticos, consultas, tratamentos e óbitos. O grave é que esse plano que poderia ter mobilizado de forma coordenada todos os recursos disponíveis do País, nunca viu a luz do dia.  

Manda qualquer manual de decência que os principais responsáveis pela gestão da pandemia, apresentassem desculpas públicas por tamanho fracasso. Não o fizeram nem nunca o farão porque os seus egos são de tal dimensão, que não enxergam o sofrimento e o desânimo de um povo que, em silêncio, vai ouvindo todos os dias que muitos hospitais estão quase no colapso e que nuca houve tantos óbitos, como neste tempo. A esta postura chama-se arrogância.

Revoltante foi a também a forma como o Ministério da Saúde tratou as Instituições Sociais como fossem uma espécie de serviços do Estado, ignorando por completo a sua natureza de raiz autónoma e expondo-as a uma situação em que por vários momentos foi patente a desarticulação entre o Ministério da Saúde e o Ministério do Trabalho e Solidariedade Social. A essa exibida arrogância, os dirigentes da Confederação Nacional das Instituições Particulares de Solidariedade Social e da União das Misericórdias, através da ação discreta, inteligente, esclarecida e abnegada mais uma vez souberam responder da única forma que sabem: assumir no terreno as suas responsabilidades. Não fora esse comportamento, as coisas poderiam ter corrido muito pior.

Entretanto, chegou a boa notícia de que vamos ter vacina. Se há matéria em que não pode acontecer qualquer tipo de falha, até para corrigir o desastre da gestão da pandemia, é o Programa Nacional de Vacinação. Estamos perante um Programa Nacional que envolve todos os portugueses. Trata-se de um assunto muito sério que deve unir e nunca dividir os portugueses. Esse programa, até agora e de uma forma geral, parece estar a correr bem. No entanto, surgiu um sinal preocupante que denota, mais uma vez, falta de planeamento cuidado, designadamente na definição dos protocolos em que se delega decisões sobre quem pode ser ou não ser vacinado. As Misericórdias e as Instituições Particulares de Solidariedade Social foram as primeiras vítimas dessa falta de clarificação. Por um lado, conferiu-se-lhes capacidade para decidir quem deve ser vacinado, com base num conjunto de orientações muito genéricas, embora nesse quadro tivesse ficado apontado, de forma clara, a possibilidade de serem vacinados, também com estatuto prioritário, os dirigentes dessas instituições. Quando surgiram as primeiras notícias sobre dirigentes, apelidados em certa comunicação social quais oportunistas sem ponta de vergonha, capazes de ultrapassar as mais elementares regras e, sem qualquer sentido ético, ao valeram-se das suas posições para serem vacinados, não ouvimos de modo enérgico e imediato da parte de qualquer instância oficial, que essas situações cabiam na definição das regras que foram estabelecidas por elas mesmo.

Se quanto à incompetência e à arrogância já me habituei, não posso ficar calado ao ver dirigentes das Instituições Sociais, na sua grande maioria gente de elevada estatura moral, cívica e de sentido ético que os impede de usufruir de benefícios indevidos e de proporcionar a outros situações de vantagens injustificáveis à face da Lei e do bom senso, serem enxovalhados na praça pública e não haver, por parte de quem de direito, uma palavra de apoio a estes cidadãos que muito têm dado ao País e às comunidades que servem.

Esta é a atitude própria dos fracos. Chama-se falta de coragem.

 

Data de introdução: 2021-02-11



















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