Praticamente dois meses após a segunda suspensão das atividades letivas presenciais em apenas um ano, as creches, infantários, escolas do 1º ciclo e Centros de Atividades de Tempos Livres (CTAL) voltaram a receber as crianças e tudo parece ter corrido e estar a correr pelo melhor. O entusiamo dos mais novos foi desta vez acompanhado por uma maior confiança por parte dos pais, pelo que o regresso foi maciço.
Segundo reportam alguns responsáveis por valências de infância de algumas instituições, há grandes diferenças entre este regresso e o de 2020. Na altura, como também o SOLIDARIEDADE já noticiou, a maioria das crianças apresentou retrocessos e regressões a nível de competências.
No entanto, em junho de 2020 como agora em março de 2021, há um sintoma que as crianças voltam a evidenciar: enormes saudades de conviver com os seus pares. A falta de sociabilização foi, sem dúvida, o efeito que mais marcou os petizes, pois, como refere a esmagadora dos técnicos, nas idades mais precoces o crescimento é muito feito à base do convívio com os pares… e não só.
“A necessidade de interação é inerente ao ser humano. As crianças estavam desejosas por regressarem ao espaço onde habitualmente passam mais de metade dos seus dias. As escolas em geral, e a nossa em particular, conseguiu manter-se um local seguro e protetor, amigo das crianças, em estreita articulação com as famílias. A nossa escola sempre privilegiou o coletivo em vez do individual. Por este motivo a estratégia foi desenvolvida com toda a comunidade educativa”, começa por referir Sérgio Gaitas, coordenador das direções pedagógicas da Voz do Operário, em Lisboa, sobre a retoma das atividades presenciais, sublinhando: “O discurso do medo, não chegou à nossa escola. Talvez por isso, este regresso tenha sido tão reconfortante para adultos e crianças.
Mais a sul, em Odemira, no Jardim-de-Infância Nossa Senhora da Piedade “o regresso ao ensino presencial da creche e pré-escolar trouxe novamente a alegria, a socialização, o entusiasmo e a segurança” e “quando as crianças regressaram, sentimos que tinham muita saudade de estarem no lugar que sempre as acolheu”, afirma a irmã Teresa Geraldo, que recorda o trabalho desenvolvido entre 22 de janeiro e 15 de março: “Ao longo deste tempo de confinamento, tivemos como preocupação máxima, preparar e planificar toda a logística para receber as nossas crianças, garantindo as condições necessários ao seu bem-estar. A vontade e o compromisso de comunicar com as crianças e as famílias estiveram sempre presentes, mesmo à distância, mas este foi o momento de recomeçarmos novamente”.
Também na Associação Creche de Braga a retoma das atividades presenciais “foi feita com muito entusiasmo e expetativa, tanto por parte dos pais como das crianças, pois todos estavam desejosos de voltar à ‘normalidade’”, sustenta Armanda Vieira, diretora pedagógica do pré-escolar”, o que é corroborado por Marta Marinho, diretora-técnica do CATL bracarense: “O regresso das crianças foi calmo, uma vez que estas crianças já estão na faixa etária dos 6 aos 10 anos. Mostraram muitas saudades dos amigos e das brincadeiras partilhadas e uma grande vontade/entusiasmo de regressar à ‘normalidade’”.
Nestas três IPSS, que acolhem centenas de crianças cada, ao contrário do que aconteceu em junho de 2020, não houve quebras de frequência.
“Crianças e pais esperavam a feliz hora de poderem regressar”, diz a irmã Teresa Geraldo, ao que Armanda Vieira acrescenta: “No primeiro confinamento, no ano letivo anterior, os pais estavam mais receosos e algumas crianças ainda permaneceram em casa mais algum tempo, depois da abertura. Desta vez, os pais estão mais à vontade e sentem-se mais tranquilos devido às medidas implementadas pela instituição no âmbito do plano de contingência e essa sensação de segurança fez com que praticamente todas as crianças tivessem regressado às atividades”.
Marta Marinho, responsável pelo CATL de Braga, recorda que “o feedback dos pais foi de que sentiam muita necessidade do regresso presencial, por vários fatores: não conseguir gerir teletrabalho com os filhos, não conseguir acompanhar adequadamente as crianças na telescola, dificuldade em gerir o comportamento dos filhos mais agitados em casa ou, inclusive, por não estarem preparados para serem pais 24h/dia”.
Na Voz do Operário, que acolhe em creche 60 bebés, em pré-escolar 150 crianças, 180 no 1º Ciclo e ainda 240 em CATL, “o feedback dos pais é muitíssimo positivo”, refere Sérgio Gaitas, pois “reconhecem a importância de projetos pedagógicos sólidos que procuram formas de ultrapassar os constrangimentos colocados pela situação atual”.
Para este responsável, “muitas escolas regrediram nas suas práticas pedagógicas à boleia das medidas de higiene e segurança”, no entanto, na instituição lisboeta a “escola é da comunidade educativa e assim continuou a ser e talvez por isso se tenha mantido o porto seguro tão necessário para todas as crianças”.
Também no Alentejo as coisas estão a correr muito bem, com os pais a demonstrar mais confiança.
“Os pais, muito confiantes, aceitam as regras que tiveram que ser adotadas com normalidade, pois já não era novo para eles. Esta reabertura foi mais calma e a informação foi rapidamente assimilada. Superou as expectativas e, quando comparado com o regresso, no primeiro confinamento, este fica marcado pela postura mais tranquila dos pais”, revela a irmã Teresa Geraldo.
É dado adquirido que os confinamentos têm efeitos perversos nas crianças (e não só, já agora!), que após cerca de dois meses em casa, sem os educadores, os companheiros de brincadeiras e aprendizagens e todas as rotinas que a escola lhe confere apresentam algumas regressões.
No entanto, a situação é diferente da de 2020, onde tudo era mais novo e a incerteza quanto ao futuro muito maior.
“Neste regresso após o confinamento identificámos que, de um modo geral, as crianças estavam ávidas de estar umas com as outras, o que facilitou a interação e a disponibilidade para a realização de atividades coletivas. Existiu um maior interesse em explorar as diversas áreas da sala”, adianta a irmã Teresa Geraldo, ressalvando: “No entanto, uma pequena percentagem de crianças apresenta alguma regressão em determinadas competências (linguagem, matemática, motricidade fina, socialização), que podem estar relacionadas quer com o tipo de oportunidades educativas proporcionadas pela família durante o confinamento, quer por características inerentes ao desenvolvimento da própria criança”.
Situação semelhante foi registada em Braga, onde 164 bebés frequentam a creche, 170 crianças o Pré-escolar e 61 petizes o CATL da Associação Creche de Braga.
“A maior parte das crianças estava com muitas saudades dos amiguinhos e com muita vontade de voltar à instituição. Em pré-escolar nota-se que as crianças mais novas quebraram um pouco a rotina e que «desaprenderam» algumas regras, mas ao fim de três ou quatro dias tudo voltou ao que era antes. As crianças têm muita energia acumulada, nota-se que precisam de correr, de brincar com outras crianças, de gritar… de ser crianças”, afirma Armanda Vieira, responsável pelo pré-escolar da instituição bracarense, uma ideia corroborada pela diretora-técnica do CATL, Marta Marinho: “Nestas idades os efeitos do confinamento passam mesmo pela necessidade de interagir com os amigos, regressando um pouco mais eufóricos. Destaca-se ainda um atraso a nível escolar (conteúdos programáticos na sua maioria não estão devidamente consolidados), uma vez que nestas idades o regime presencial é fundamental”.
Sérgio Gaitas reconhece que “as crianças estão genericamente mais inquietas, muito provavelmente por lhes ter sido negada a hipótese de interação física e social”.
Para o coordenador das direções pedagógicas da Voz do Operário, “será importante que as escolas se preocupem em acolher esta inquietação”, aproveitando para lançar um desafio: “A ideia ingénua de que este seria o pretexto para uma mudança da instituição escolar desapareceu. Aparece já nas notícias quem fale em escolas de verão. Ou seja, mais do mesmo! Infelizmente, não nos dedicaremos, em sociedade, a transformar a escola para a sociedade contemporânea, porque, de facto, o modelo tradicional de escola nunca teve em questão. Isto torna-se evidente quando a perspetiva é criar mais escola… e não uma escola diferente. A nossa escola não será um bom exemplo. Pois, com as devidas adaptações, mantivemos os trabalhos de grupo, os recreios, os materiais partilhados, etc… A vida na escola manteve-se o mais próximo possível da realidade que as crianças conheciam. E esta realidade tem o coletivo como motor de desenvolvimento individual e coletivo”.
Se tem sido bastante complicado para os adultos compreender e assimilar tudo o que tem acontecido no último ano marcado pela pandemia, também para as crianças deve ser difícil entenderem tudo o que se tem passado. Contudo, a sua enorme capacidade de adaptação acaba por jogar a seu favor.
“As crianças nos seus diálogos verbalizam que o coronavírus deve ir embora, pois sentem que não os deixa fazer muitas das coisas que antes faziam e que muito gostam. Mencionam que quando isso acontecer podem voltar a visitar os avós, ter festa de aniversário, brincar nos parques, ir de autocarro ao pavilhão fazer ginástica, passear e mostrar às pessoas da vila de Odemira os projetos que realizam no infantário”, sustenta a irmã Teresa Geraldo, do Jardim-de-Infância Nossa Senhora da Piedade, que acolhe em creche 116 bebés, em Pré-escolar 148 crianças e ainda 95 em CATL.
Em Braga, “as crianças têm lidado bastante bem com este novo «normal» e estão perfeitamente adaptadas, embora tenham passado uns momentos iniciais de ansiedade e frustração, por não poderem fazer as coisas que antes faziam ou da mesma forma que faziam”, revela Armanda Vieira, do Pré-escolar, enquanto Marta Marinho, do CATL, reconhece nas crianças “uma enorme capacidade de adaptação e entendimento e, em contexto de sala, vão cumprindo as novas orientações de acordo com o plano de contingência, mas de forma muito tranquila”.
Já nos mais novinhos as coisas são diferentes, pois, como refere Isabel Andrade, diretora-técnica da creche bracarense, “nesta faixa etária, o que se salienta mais nas crianças é a sua dificuldade de adaptação aos adultos, aos espaços e aos pares, mas que progressivamente vai sendo ultrapassada”.
Nas três instituições inquiridas pelo SOLIDARIEDADE, com a retoma das atividades presenciais chegou também o processo de testagem de todo o pessoal, exceção feita ao do CATL da Associação Creche de Braga.
Já a tão falada vacinação, em nenhuma das instituições referidas o processo havia sido iniciado até ao dia 31 de março.
Por outro lado, todas as três instituições registaram casos positivos de Covid-19, registando, no entanto, números muito residuais.
Em Odemira, três crianças do CATL e três colaboradoras; em Braga duas crianças, dois adultos e duas estagiárias, na creche, uma crianças e um adulto, no pré-escolar, e duas colaboradoras e três crianças, no CATL, acusaram positivo; e na Voz do Operário 12 trabalhadores e sete crianças testaram positivo ao novo coronavírus.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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