Há dias, a maioria dos grupos parlamentares decidiu determinar a implementação de um conjunto de medidas que tornem menos gravosa a condição de precariedade em que já vivem milhares de agregados familiares. Creio que essas medidas foram pensadas, tendo em conta as implicações orçamentais para que estas não venham obrigar, mais tarde, à sobrecarga tributária que recai sempre sobre quem menos possibilidades financeiras tem de os suportar. Que, agora, não se dê com uma mão o que, mais tarde se terá de tirar com a outra. Não deixo, contudo, de me rever nas preocupações manifestadas pela maioria dos parlamentares. Os problemas sociais estão a agudizar-se e precisam de ser atacados para não se avolumarem mais quando vier a terminar a concessão de apoios que, em boa hora, o Governo atribuiu a pessoas e a empresas. Há quem manifeste preocupações com o aumento da dívida soberana. Mas é importante, nas atuais circunstâncias, dar prioridade à vida das pessoas para que não percam condições dignas de subsistência. Esta questão dos déficits públicos, bem como das dívidas particulares mereciam uma profunda e revolucionária reflexão a nível mundial, pois boa parte deste tipo de problemas resulta da usura desmedida do poder do Capital em detrimento de sadios critérios de justiça redistributiva. Basta verificar as imposições determinadas pelo FMI e, no caso da Europa, pelo Banco Central Europeu para se perceber que os encargos com empréstimos a países mais vulneráveis são concedidos com taxas de juros que exigem medidas de austeridade sempre penalizadoras sobre os rendimentos do trabalho e menos sobre os do Capital.
A verdade é que estamos a viver uma crise já muito preocupante e com adversidades sem precedentes. O princípio orientador para a enfrentar tem de ser a defesa dos direitos fundamentais das pessoas, sabendo que a pobreza é uma violação desses direitos. Em tempo de crise económica e financeira o único caminho é o reforço desses direitos, concretamente, os de maior incidência social.
A minha experiência frequente de contato com problemas sociais, fazem-me ter a plena consciência de que a perda de direitos sociais é uma constante infeliz na sociedade portuguesa, mesmo em tempos, economicamente, mais favoráveis. O desemprego que, mesmo ao atingir percentagens de um dígito, não deixa de ser sempre uma preocupação pelas implicações que tem na vida da pessoas; os rendimentos baixos que afetam mesmo as classes trabalhadoras, não permitindo que muita gente ultrapasse o limiar da pobreza; a dificuldade no acesso aos cuidados de saúde que obrigam a doses incomensuráveis de paciência para esperar meses e anos, algumas vezes com resultados dramáticos; a impossibilidade de pagar rendas de casas com preços escandalosos face ao tipo de habitação disponível…
Como é evidente, a crise que estamos a vivenciar agudiza estes problemas e faz surgir outros. Um dos desafios maiores a enfrentar é o acesso a um direito, que é também um dever, possibilitador de recuperar a dignidade às pessoas. Trata-se do acesso ao trabalho e a salários dignos.
Embora com níveis diferentes, esta é uma das preocupações subjacentes ao Pilar dos Direitos Sociais refletido no Plano de Recuperação e Resiliência, bem como no Plano de Combate à Pobreza. Importa que quaisquer medidas que venham a ser contempladas cuidem de identificar, com clareza e transparência, os recursos mobilizáveis e os procedimentos e mecanismos a que as entidades promotoras de emprego possam recorrer. Os subsídios à criação de emprego têm de estar diretamente correlacionados com a efetiva criação de postos de trabalho estáveis e com aceitável qualidade. A formação académica e profissional deveria ser avaliada pelo nível de empregos que permita efetivamente criar.
Na área social reside uma fonte geradora extraordinária de criação de trabalho remunerado. Para isso, é indispensável repensar algumas das atividades existentes e avançar rápido com a criação de outras. Refiro apenas uma por ser, devido ao aumento da longevidade, das mais promissoras que são as da satisfação das necessidades dos mais velhos. Há um potencial enorme nas condições necessárias para se acrescentar mais qualidade aos mais anos vividos. Para isso, impõe-se a elaboração de um Plano Nacional de Respostas Multidimensionais e Integradas para Seniores que viabilize Políticas Públicas realistas e concretizadas por todas as organizações que melhor conseguirem oferecer qualidade de vida e implicar os destinatários na adequação dos seus projetos de vida.
Muitos e novos postos de trabalho poderiam surgir.
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