HENRIQUE RODRIGUES

UMA SEMANA PRODIGIOSA

1 - Foi acertada a resolução de antecipar para o dia 1 de Maio o desconfinamento geral da sociedade, após um tão longo período de restrições a várias das nossas liberdades – a começar pelo direito à mobilidade, que nos confere a faculdade de nos deslocarmos para onde nos apetecer, sem o risco de sermos interpelados pelas autoridades e mandados para trás pelo mesmo caminho, acompanhados do respectivo auto.
É certo que tal regresso a uma certa normalidade só foi possível porque os indicadores relativos à prevalência e aos efeitos da pandemia na vida e nas condições de saúde dos portugueses têm tido uma evolução favorável; podendo, no entanto, em qualquer altura o presente optimismo levar um novo abanão, idêntico ao sobressalto que nos sacudiu o corpo e a alma no Outono e Inverno passados.
O mundo é um só – e o estado de progressão da peste noutras geografias, acompanhado da reabertura das fronteiras, não permite distracções.
Mas, sem embargo dessas dúvidas e receios, e nem que estes dias sejam apenas uma válvula de escape transitória de toda a tensão individual e colectiva que decorreu deste aprisionamento virtual em que temos vivido, o certo é que foi de novo o cheiro e o amor da liberdade que mais marcou o 1º de Maio deste ano.
Ou, como tenho lido, tratou-se de uma comemoração, diferida em uma semana, da Revolução de Abril – que, pelo menos para as pessoas da minha geração, é a metonímia, o outro nome, da liberdade.
Um dos pontos mais significativos do discurso do Presidente da República, na Sessão Solene do Parlamento comemorativo da Revolução de Abril, foi o que assinalou o lugar de charneira entre dois mundos que a Revolução fracturou – fractura não só política, mas também cultural, que marcou a geração que atingiu o início da idade adulta e da vida social e profissional activa por essa ocasião.
É a geração do Presidente da República – e também a minha.
É a geração dos que construíram o Portugal que hoje existe.

2 – Um dos domínios em que os tempos de confinamento foram particularmente duros foi a da realização de eventos, designadamente espectáculos e festivais ao vivo, com público a assistir, como é próprio dessas funções.
Infelizmente, a realização de funerais foi o único evento que perdurou ao longo de toda a pandemia.
Para assinalar também o desconfinamento dos eventos, uma entidade promotora de espectáculos de Braga organizou duas sessões-piloto, com dois artistas – Fernando Rocha e Pedro Abrunhosa -, sessões que ocorreram há dias na referida cidade.
Como nos explicaram, tratou-se de um teste, em que todas as condições foram acertadas com as Autoridades de Saúde, como é de lei, de forma a prevenir o risco de contágio, rastreando e monitorizando os assistentes.
Mas, para além das condições que diríamos canónicas – distanciamento social, com redução da lotação do recinto, uso de máscara, desinfecção das mãos -, foi estabelecida uma nova condição, inédita.
Se o Presidente da República quisesse assistir a qualquer um desses dois espectáculos, não o deixavam entrar.
Com efeito, uma das condições de acesso era a de os assistentes terem mais de 18 anos de idade; mas menos de 65 anos.
Relativamente aos menores de 18 anos, ainda se pode vislumbrar um vestígio de explicação – trata-se de menores, e, portanto, juridicamente incapazes.
Aliás, sempre houve, e há ainda hoje, genericamente, a definição de idade mínima para espectáculos, de que o cinema constitui porventura o mais conhecido exemplo.
Tal limite tem que ver com a maturidade dos espectadores e com o conteúdo dos espectáculos.
Mas limite de idade máxima, abrangendo os mais velhos, vedando o acesso a espectáculos a partir de certa idade, nunca tinha visto; e não é fácil desvendar uma explicação que seja decente.
Trata-se de uma experiência piloto … Quer dizer o quê?
Se a avaliação for positiva, fica consagrada a exclusão dos mais velhos?
A que propósito não posso eu assistir a um espectáculo, por ter mais de 65 anos?
Ou o Presidente da República?
Com a caução das Autoridades de Saúde, vinculadas que estão à obrigação constitucional de não-discriminação… que não respeitaram.

3 – Infelizmente, não foi a única vez que, durante ou a pretexto da pandemia, as Autoridades de Saúde, ou transigiram, ou promoveram, o “idadismo” – que é a palavra que traduz a discriminação em função da idade.
Já aqui, em crónicas anteriores, deixei bem explícitas as críticas à ideia, que chegou a circular inicialmente pelos meandros da Task Force, de deixar de fora dos critério de vacinação os mais velhos, não residentes em lares, a pretexto de não haver informação segura sobre os efeitos positivos da vacina nesse grupo etário – posição que só não vingou por ter sido justamente repudiada pelo Presidente da República e pelo Primeiro-Ministro.
Mas, não obstante a desautorização pelos dois mais altos responsáveis políticos pelo combate ao vírus, as Autoridades de Saúde parece persistirem, embora sem o dizerem, na mesma linha que lhes fora vedada pelos referidos Magistrados.
Com efeito, não obstante o novo Coordenador da Task Force ter anunciado, quando tomou posse,  a reversão das orientações precedentes, passando a priorizar a salvação das vidas, e colocando, assim, na primeira fase do programa de vacinação as pessoas mais velhas, o certo é que tal pretensão continuou a ser enviesada pela Direcção-Geral da Saúde.
Não sou só eu que o digo.
Transcrevo de Miguel de Sousa Tavares, no Expresso da semana passada: «Mas esta última batalha (a vacinação dos mais velhos) foi a mais difícil de travar e, aliás, ainda está em curso, constantemente barrada por sucessivos grupos sócio-profissionais, quase sempre ligados ao Estado e com poder de influência determinante, que conseguem interpor-se à frente dos critérios etários… O facto é que, depois de vacinar todos os médicos, mesmo os que nada tinham que ver com o combate à doença, todos os militares, polícias, bombeiros, magistrados, professores primários e do secundário, autarcas, deputados e mais um sem-número de gente “indispensável” ao funcionamento do país… assim que começou a haver abertas para vacinar os mais velhos, o número de mortos começou a descer como que por milagre… E também me recordo que quando o processo de vacinação começou, logo em Dezembro, e a DGS sugeriu que o critério prioritário não seria a idade – e logo o de salvar vidas – António Costa veio dizer que isso estava fora de questão e que a escolha era política e não técnica… Contra a vontade da Task Force, houve sempre e continua a haver “forças exteriores” que conseguem mover-se para fazer prevalecer os seus interesses à frente do interesse geral...»
Não consigo deixar de associar a anuência – ou mesmo orientação – da DGS quanto ao tratamento discriminatório dos mais velhos no acesso aos espectáculos a uma cultura de exclusão de que estes episódios que assinalam negativamente o processo de combate à pandemia entre nós constituem uma manifestação.
E que não é diferente da que nos dão as televisões, quando, a propósito de notícias que têm os mais velhos como referência, como as relativas às pensões de aposentação ou reforma, as ilustram invariavelmente com a imagem de um grupo de velhos a jogar às cartas num banco de jardim – como metáfora de todo um grupo etário diversificado, plural e activo.
O grupo com cujas mãos, vontade e inteligência se fez o País que hoje somos!

Henrique Rodrigues (Presidente do Centro Social de Ermesinde)

 

Data de introdução: 2021-05-06



















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