JOSÉ FIGUEIREDO, ECONOMISTA

As alterações climáticas, a América e a Europa. Como somos diferentes!

A sabedoria convencional diz-nos que a América é muito diferente da Europa.
A América é liberal, a Europa é estatista.
A América é mais móvel (muda-se mais de emprego, muda-se com mais frequência o local onde se vive), na Europa somos menos flexíveis.
O Estado social europeu é mais completo e profundo, na América cada um está mais entregue a si mesmo.
Um pequeno salto lógico e destes clichés retiram-se algumas conclusões.
Por exemplo, a maior mobilidade e flexibilidade dos americanos, combinada com mais individualismo, uma maior prevalência dos sinais dos mercados e um estado social menos generoso, explicaria a maior agilidade nos mercados de trabalho e consequente a tendência histórica para taxas de desemprego mais baixas nos Estados Unidos.
Mais um pequeno pulo lógico e, pelos mesmos clichés, estamos a concluir que a economia americana é mais competitiva e dinâmica que a economia europeia.
É verdade que nos Estados Unidos as taxas de desemprego são historicamente mais baixas que na Europa. Contudo, nos Estados Unidos a fronteira entre desemprego e marginalidade é mais difusa. A população prisional americana é das maiores do mundo em relação á população total e esse é um dos preços a pagar pela “agilidade” dos mercados de trabalho.
Não é verdade que a economia americana seja mais competitiva que a economia europeia - a economia europeia é muito mais aberta e competitiva. Na zona euro o total de exportações de bens e serviços vale quase 46% do PIB (acima de 40% em Portugal), nos Estados Unidos não chega a 12%.
Essa ideia de que o estado social europeu é caro e que pagamos o preço com economias estagnadas e pouco competitivas é um perfeito disparate.
Mas somos diferentes, de facto.
Vejamos como, de um lado e do outo do Atlântico, estamos a abordar o tema das alterações climáticas.
Depois do interregno negacionista de Donald Trump, a América regressou ao combate planetário contra as alterações climáticas.
Mas, como ficou patente na última cimeira do clima, a América que agora se junta ao resto do mundo, não abdica da sua mundivisão muito própria.
John Kerry, o enviado especial do presidente Joe Biden para o clima, afirmou claramente ao que vem a América: “somos otimistas, confiamos no nosso engenho”. John Kerry fez questão de lembrar que quando John Kennedy formulou o desígnio de colocar um homem na Lua antes do fim da década de 60, não fazia a mínima ideia de como o conseguir – isso era com os engenheiros.
Para os americanos o papel dos dirigentes políticos é formular a grande visão, o resto é virá com a tecnologia e com o investimento privado. Em poucos anos, acredita-se, estaremos a produzir energia com hidrogénio verde, a densidade energética das baterias multiplicar-se-á várias vezes por uma fração do preço atual e soluções eficientes e economicamente viáveis de captura e armazenagem do carbono estão por aí ao virar da esquina.
A esta crença inabalável na iniciativa privada e na engenhosidade humana face às necessidades, a Europa responde com o seu tradicional cartesianismo.
Não deixa de ser curioso que, estando a Europa à frente dos Estados Unidos em muitas das tecnologias que podem salvar o planeta, por cá sejamos bem menos entusiastas na capacidade da tecnologia para resolver o problema e mais confiantes na regulação pública e na intervenção dos estados.
Por exemplo, em matéria de hidrogénio verde, a Europa leva uns quantos anos de avanço em relação à América. Não obstante, deste lado do Atlântico, o tema não é visto como um problema de engenheiros, é visto, e bem, como um problema político que só os políticos podem resolver.
Na europa existe já um acervo de regulação compulsória que vai obrigar a reduzir as emissões de carbono. Por exemplo, as metas para os construtores de automóveis são de tal modo apertadas que estes não tiveram outro remédio senão investir maciçamente em automóveis elétricos.
Podemos não gostar do método, mas a verdade é que a Europa já é o maior mercado de automóveis elétricos do mundo, desalojou a China desse lugar cimeiro.
A Europa, a tal que é acusada de estatista, é a única geografia do mundo que tem a funcionar um mercado de licenças de emissão. Podemos dizer que, por ora, não é muito efetivo, que os preços a que se transacionam as licenças não são muito estimulantes para o uso de tecnologias limpas, que muito tem de ser melhorado. Certo, mas funciona.
A Europa está a estudar o lançamento de uma taxa niveladora de carbono para as suas importações. Faz todo o sentido. Na verdade, se as empresas europeias forem obrigadas a produzir mais caro por causa da regulação climática e da redução de carbono, seria contraproducente que depois o carbono reentrasse na Europa sob a forma de importações baratas de países incumpridores das metas climáticas.
Claro que os relapsos em matéria de controlo das emissões clamam que se trata apenas de um protecionismo velado e moralmente condenável porque se esconde debaixo do verdíssimo e atraente rótulo de “salvar o planeta”.
Visões diferentes, sem dúvida. De um lado uma nação jovem, transbordante de entusiamo e iniciativa, do outro, uma sociedade mais madura, mais confiada no exercício da razão e no controlo da testosterona.
Pela minha parte sinto-me muito europeu nesta contenda. Não sou nem “tecnoreacionário” nem “tecnodeslumbrado”.  A tecnologia será fundamental, contudo, confiar exclusivamente no engenho e na iniciativa dos indivíduos não nos levará a nada de bom. Um misto de incentivos bem direcionados aos agentes económicos e uma estrutura forte de regulação pública parecem ser o cocktail vencedor.
Saúde-se o regresso da América ao esforço para salvar o planeta, saudemos as novas metas climáticas que a administração Biden formulou recentemente. Sejam bem-vindos e que sigam o seu caminho.
Tenho para mim que não vai ser o heroísmo do cowboy solitário, nem a carga da cavalaria no último instante que vai salvar o planeta. Se querem o meu palpite, nós europeus, com todos os nossos muitos e celebrados defeitos, estaremos daqui a 20 anos (como estamos agora!) na vanguarda do controlo das alterações climáticas, sem deixarmos de ser a economia mais aberta e competitiva do mundo. E tudo isto sem sacrificar o nosso querido modelo social, o tal que nos dizem que é incomportável e nos retira competitividade.

 

Data de introdução: 2021-07-07



















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