As instituições particulares de solidariedade social (IPSS), na comunidade em que se inserem, são protagonistas da defesa e garantia do respeito pela dignidade humana. É neste princípio basilar que assenta a verdadeira solidariedade. Desde a publicação da Carta Encíclica Fratelli Tutti, do Papa Francisco, a solidariedade social assumiu mais uma tarefa para que a dignidade de cada pessoa não seja desprezada. Essa tarefa é a de contribuir para a construção da “amizade social”. Esta é uma nova nobre missão das IPSS. Todavia, será uma meta muito difícil de alcançar se não existir maior equidade social. Enquanto houver os níveis de desigualdade verificados em Portugal, e no mundo em geral, não é possível reinar a amizade, e a solidariedade não passa de um mero sentimento que produz paliativos socioeconómicos e não é a expressão determinada, firme e constante do empenho de cada cidadã e cidadão pela edificação do bem comum, com um sentido conjunto do que implica este tipo de responsabilidades. Assim, a justiça e a solidariedade têm de andar de mãos dadas.
O Rendimento Mínimo Garantido criado, em 1996, e “rebatizado” Rendimento Social de Inserção (RSI) em 2003, pretende, muito timidamente, reduzir as desigualdades entre os portugueses. Em média, atualmente, o subsídio atribuído situa-se nos 120€ mensais. Não é com este dinheiro que alguém conseguirá subsistir com o mínimo de dignidade. A solidariedade das IPSS tem sido um dos complementos para aproximar os pobres da linha que os separa dos que o não são. O RMG/RSI foi criado como um direito da “Segurança Social”. Todos os cidadãos deverão ter acesso a este subsídio, se a precariedade dos seus recursos assim o exigir. Mas, é importante reiterar que, a permanecer com os mesmos montantes financeiros, ele continuará a ser demasiado curto para tirar alguém da situação de pobreza em que se encontra. Mesmo assim, alguns têm-no conseguido, através não do rendimento monetário, mas do programa de inserção social (PIS), e é nesta área da concretização dos PIS que a medida RMG/RSI mais tem falhado.
Penso que esta Medida de Proteção Social necessita de uma revisão profunda. Desde logo nos montantes atribuídos e no tipo de contratualização que se faz com base nos PIS. Também esta designação de Programa de Inserção Social deveria passar a chamar-se Programa de Desenvolvimento Integral e as competências adquiridas tidas em conta para a promoção escolar e/ou profissional dos beneficiários e beneficiárias. Seria uma designação menos estigmatizante. Assim como, e pela mesma razão, RSI poderia mudar para Rendimento Social Básico (RSB). Deve ser uma Medida integrada, totalmente, no Programa, que deve estar quase a nascer, de Combate à Pobreza. Também preferiria o termo “erradicação” em vez de “combate”. A erradicação é um desígnio a alcançar, mesmo que com passos curtos, mas sempre em permanente dinamismo, o combate é quase admitir que a pobreza é um problema social sem solução, que precisa, constantemente, que se lhe façam ataques. Rever a condição de recursos também é essencial. Diminuir a burocracia. Colocar a funcionar, imediatamente, a Comissão Nacional de acompanhamento do RSI.
E as IPSS? Que missão têm elas a cumprir na aplicação do RMG/RSI? É incontornável a intervenção das IPSS. Já foi graças a algumas delas que, através dos Contratos Locais de Desenvolvimento Social (CLDS), valorizaram muito os PIS. Mas nesta nova geração da Medida, que espero surja em breve, ainda há muito mais a fazer. Passo a referir algumas possibilidades de colaboração: todos os dirigentes devem estar bem informados sobre os objetivos e metodologia de utilização da Medida; todas e todos os colaboradores das IPSS deveriam ser arautos da existência do RSI para que ninguém, com direito a ele, ficasse de fora; colaborarem com os mais vulneráveis no acesso a este rendimento; ter uma participação ativa nas Comissões Locais de Freguesia e nos Conselho Locais de Ação Social onde se deveriam refletir os casos mais complexos e, em conjunto, se encontrarem soluções possíveis; desenharem possibilidades de Programas a contratualizar com os beneficiários de modo a constituírem-se bolsas locais de PIS; disponibilizarem as instituições para acolherem e acompanharem a concretização de algum ou alguns PIS; manter informado/a o/a técnico/a que acompanha o beneficiário da evolução, ou não, do cumprimento do PIS; colaborar, com a ajuda de outros parceiros, logo que haja condições, no acesso a um trabalho condigno.
Esta é uma área que deveria ser privilegiada no Plano de Ação Nacional para o reforço do Pilar Europeu dos Direitos Sociais. As IPSS, sempre numa abertura à criatividade, têm de ser o “cimento” deste Pilar. Assim serão, na verdade, promotoras de desenvolvimento humano integral e não apenas prestadoras de serviços de solidariedade social.
cf. JOÃO PAULO II, Carta Encíclica Sollicitudo Rei Socialis (30 de Dezembro de 1987), Lisboa: Edições Paulistas 1988, 38.
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