EUGÉNIO FONSECA, PRES. CONF. PORTUGUESA DO VOLUNTARIADO

Acácio Catarino um amigo das IPSS

Há mulheres e homens que não deveriam morrer. Contrariamente ao pensamento predominante, eu defendo que há gente mesmo imprescindível. Bem diferente é os que vivem como imprescindíveis. Julgam que antes deles nada existia e se partirem tudo deixa de existir. Conheço algumas e alguns.

Um dos “meus imprescindíveis” partiu deste mundo no passado dia 2 do corrente mês. Refiro-me ao Dr. Acácio Ferreira Catarino. Muitos dirigentes de IPSS o conhecem e colaboradores das suas instituições o escutaram sobre temas sociais, e em particular, sobre a importância das IPSS na concretização da ação social em Portugal e os desafios que lhes são colocados constantemente. Foi um dos mais proeminentes membros do Centro de Estudos da CNIS. Antes de citar alguns trechos de um dos artigos que escreveu no jornal digital “7 Margens” no dia 24 de agosto do ano passado, quero deixar algumas referências ao seu modo de ser, com a consciência de que não escreverei o suficiente para deixar uma ideia de quem foi, na verdade, este insigne cidadão. Ficarei muito aquém.

Talvez bastasse referir que foi um homem íntegro para dar conta da grandeza humana e espiritual do Dr. Acácio. Todavia, sinto necessidade de deixar mais algumas considerações. Viveu sempre por causas que permitissem o bem comum, com particular incidência na ação social de proximidade, no acesso ao emprego digno, na valorização do voluntariado, na construção de uma segurança social mais justa, na importância do desenvolvimento local, na recuperação e expansão do cooperativismo e mutualismo.

Foi um defensor da articulação entre as políticas públicas e a proximidade na sua execução. Um adepto intrépido da subsidiariedade. Dotado de uma superior inteligência complementada por impressionante sabedoria, notava-se, facilmente, no que ensinava, escrevia e comunicava. Era tão metódico nas suas apresentações temáticas que não gerava cansaço em quem o escutava. Estes atributos concorriam para uma das suas qualidades técnicas que, pessoalmente e até hoje, não vi em mais alguém. Era a sua arte de gerar consensos e fazer sínteses dos mais variados tipos de encontros por mais complexos que tivessem sido no seu decorrer.

A capacidade de diálogo impressionava quem participava em reuniões com a presença do Dr. Acácio: escutava mais que falava; imprimia uma serenidade quando a discussão de determinados assuntos fazia exaltar os ânimos; evitava pronunciar-se, mesmo quando se insistia, para dar tempo aos outros; propunha com muita discrição o adiamento da reflexão sobre um tema que lhe parecesse não estar ainda bem amadurecido. Ele era a simplicidade, a pontualidade, a ponderação, o humanismo, a disponibilidade, a generosidade!

Como já referi sempre demonstrou um grande interesse pela ação das IPSS. Muitas vezes, verbalizava o desejo que ver mais alargado o âmbito de intervenção destas instituições, para que se revelassem mais como agentes do desenvolvimento socio-local do que apenas como prestadoras de serviços. Ambos dedicámos um número de horas significativo a refletir sobre este assunto. Reconhecíamos que algumas IPSS já procuravam ser assim, mas tínhamos noção que esta amplitude na missão deveria chegar a muitas mais. Mesmo as de implementação citadina.

Passo a citar alguns trechos do texto que escreveu no “7 Margens” que, embora, tivesse como preocupação central as IPSS e a COVID 19, não deixa de se aplicar à intervenção social em termos gerais. Escreveu o Dr. Acácio:

«Os diferentes governos têm feito o que está ao seu alcance para se concretizarem esses direitos[1] – visando quase sempre as melhorias possíveis – mas falta a visão de conjunto assumida pelo Parlamento e por cada governo. E convém não esquecer que, além dos problemas das pessoas mais velhas, existem inúmeros outros.»

«Não se avalia anualmente a situação social do país e, portanto, não se assumem as responsabilidades coletivas face aos problemas de maior gravidade como os relativos à pobreza grave, aos “sem abrigo”, às pessoas com deficiência, à habitação sem o mínimo de condições, à falta de cuidados médicos, à impossibilidade de acesso ao sistema educativo… Esta omissão acha-se ligada a outras como, por exemplo: 

(a)  A não difusão de estatísticas sobre os casos e problemas socais acompanhados pelos serviços de atendimento do Estado, central e autárquico, das instituições particulares e dos grupos de voluntariado;[2]

 (b)  O facto de a “Carta Social”, publicada regularmente pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, incluir dados relativos aos equipamentos e serviços sociais, mas não incluir os que respeitam às necessidades não atendidas;

 (c) O não cumprimento, pela Assembleia da República, de duas resoluções que adoptou em 2008 sobre a pobreza (Resoluções nºs. 10/2008, de 19 de março, e 31/2008, de 21 de julho);

 (d) A falta de   reconhecimento, pelo “Presidente da República”, do não “regular funcionamento das instituições democráticas” (artigo 120º. da Constituição), com base nas graves situações de pobreza e noutros problemas sociais; em contrapartida, a Assembleia da República já declarou “(…) solenemente que a pobreza conduz à violação dos direitos humanos (…)” (Resolução supramencionada nº. 31/2008);»

Com a simplicidade, em determinada altura, afirma que tudo isto e outras propostas que fez podiam «cheirar a utopia». Não são utopias, basta a vontade política. Obrigado, Dr. Acácio, por tantas felizes utopias que nos lançou. Foram e continuarão a ser elas a fazerem que caminhemos na direção de uma sociedade mais inclusiva. Sabemos que continuará a caminhar connosco.

 

   

 

[1] Referia-se aos artigos 63º. a 72º. - Direitos e Deveres Sociais- consagrados na Constituição da República Portuguesa.

[2] Esta foi uma das suas maiores batalhas. Não tenho passado de um “soldado raso” neste combate. O Dr. Acácio partiu sem ver esta sua antiga e persistente proposta concretizada, mesmo na instituição a que esteve ligado durante 17 anos, mas ele sabe que continuarei a lutar.

 

Data de introdução: 2021-09-08



















editorial

NO CINQUENTENÁRIO DO 25 DE ABRIL

(...) Saudar Abril é reconhecer que há caminho a percorrer e seguir em frente: Um primeiro contributo será o da valorização da política e de quanto o serviço público dignifica o exercício da política e o...

Não há inqueritos válidos.

opinião

EUGÉNIO FONSECA

Liberdade e Democracia
Dentro de breves dias celebraremos os 50 anos do 25 de Abril. Muitas serão as opiniões sobre a importância desta efeméride. Uns considerarão que nenhum benefício...

opinião

PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

Novo governo: boas e más notícias para a economia social
O Governo que acaba de tomar posse tem a sua investidura garantida pela promessa do PS de não apresentar nem viabilizar qualquer moção de rejeição do seu programa.