MÃE DE DEUS – ASSOCIAÇÃO DE SOLIDARIEDADE SOCIAL, PONTA DELGADA

Veia empreendedora da instituição ajuda a financiar as respostas sociais

São 166 anos a acolher crianças e jovens de infância desvalida. Começou por ser asilo, passou a internato, depois a Lar, mas hoje é, simplesmente, Mãe de Deus, instituição de referência na Ilha de S. Miguel no acolhimento de crianças e jovens em risco. Autonomizar o conseguir adoção para estes jovens e crianças é para o que a instituição trabalha diariamente. E para o fazer sem sobressaltos e com qualidade, tem dado largas à sua “pequena veia empreendedora”, aproveitando o vasto património para angariar fundos para injetar nas respostas sociais. São os casos do restaurante take-away, da lavandaria ou da empresa de alojamento local «Green Vacations».
Foi em meados do século XIX, mais concretamente a 15 de dezembro de 1855, que foi fundada a Mãe de Deus, na altura Asilo de Infância Desvalida, nome que manteve até 1970, quando passou a designar-se Internato Feminino Mãe de Deus. Uma década depois era construído o edifício onde ainda hoje estão centralizados os serviços da secular instituição. Já em 2001, a instituição alterou a designação para Lar Mãe de Deus – Centro de Bem-Estar Social. Porém, seis anos volvidos, nova alteração para a atual Mãe de Deus – Associação de Solidariedade Social.
“As várias mudanças de nome tiveram também que ver com o alargamento das respostas sociais. Antes era só para meninas, depois passou a acolher crianças e jovens dos dois sexos e, por fim, surgiu a creche”, explica Dário Vaz, diretor-de serviços da instituição.
“Quando esta casa foi fundada, em 1855, pelo padre César Cabido, uma pessoa visionária, com dinheiro, era para acolhera apenas raparigas órfãs de toda a ilha”, conta José Rodrigues, presidente da instituição, prosseguindo: “A instituição foi crescendo ao longo dos anos e, olhando à história, teve sempre à frente dos seus destinos gente de relevo, o que não é o caso agora, que eu não sou figura de relevo! E foram essas figuras que foram os grandes dinamizadores da instituição. Depois, tivemos a sorte de, ao longo da vida da instituição, ter sempre gente muito dedicada e competente, o que fez com que a instituição passasse de uma pequena instituição a grande instituição, com um património bastante considerável e com valências multidisciplinares”.
Por isso é que, na Mãe de Deus, “procura-se desenvolver capacidades nestas miúdas e nestes miúdos de forma a que eles possam, de alguma forma, autonomizar-se”, afirma, lembrando que “a génese da instituição mantém-se desde a fundação até hoje e passa pelo acolhimento de crianças e jovens que estão com problemas nos seus núcleos familiares”.
Segundo José Rodrigues, “podem ser órfãos, filhos de pais separados ou de famílias carenciadas”, mas, “neste momento, temos o problema das adições, do álcool e das drogas, e temos aqui muitos filhos de pais com problemas desses”.
No edifício-sede que tem o nome do padre César Cabido estão instaladas, para além dos serviços administrativos e logísticos, algumas das valências da Mãe de Deus, com uma capacidade para 58 crianças, dos 0 aos 12 anos, estando ocupadas, de momento, por apenas 35: Casa Amarela e Casa Azul, Casa Sorriso (“normalmente não são fratrias que a ocupam, ou seja, são crianças de famílias diferentes”), Laço Materno (“uma resposta para mães solteiras”) e a Creche «Mundo Infantil».
Depois, dispersas pela cidade de Ponta Delgada, estão valências que acolhem também jovens, como a Casa Lua Nova, com seis raparigas, a Casa Santo Cristo, com três meninas, e a Casa Crescer, com seis rapazes.
Com uma equipa de 80 funcionários, a Mãe de Deus tem ainda uma Cantina Social, que serve 30 refeições por dia, “mas já foram 100”, realça José Rodrigues, que acrescenta: “Temos muitas respostas sociais, algumas que nunca pensámos vir a ter, como, por exemplo, a Cantina Social. E também o Laço Materno, uma valência de apoio a jovens grávidas, que é a única valência do género nos Açores”.
A creche surgiu “porque, em 2007, havia necessidade na cidade de creches e quando pensámos avançar quisemos fazê-lo com qualidade”, defende, afirmando com satisfação que, “neste momento, a creche está sempre cheia e é muito procurada, temos sempre uma grande lista de espera”.
E nesta necessidade, a instituição está a ver uma oportunidade de alargar a resposta, tendo já enviado um pedido ao Instituto da Segurança Social dos Açores para “aumento de capacidade para mais duas salas”.
Este é um projeto entre outros que a instituição tem já em marcha, tudo com o propósito garantir uma boa sustentabilidade.
“Temos vários projetos em mente. Para além de associação de caráter social, a Mãe de Deus também tem uma pequena veia empreendedora, mas sempre com retorno para a área social. Isto é, criamos empreendimentos sociais para depois nos darem apoio aqui nas respostas sociais. Ou seja, arranjar fundos para apoiar a instituição”, começa por explicar o presidente da instituição, revelando: “Neste momento, já temos criada uma empresa de alojamento local. É uma empresa que tem três anos, separada da instituição, mas detida a 100% pela instituição. É uma empresa que tem por objetivo o lucro para que este depois seja injetado na instituição. Estamos a fazer essa caminhada e, neste momento, já criámos oito novos empregos”.
A empresa «Green Vacations», assim se designa, para além de apartamentos da Mãe de Deus alocados ao alojamento local, também faz a gestão de outros alojamentos locais, desde o processo de licenciamento do apartamento até todo o apoio logístico no funcionamento dos mesmos.
“Depois, temos uma lavandaria industrial que também faz serviço para fora. Para além da lavagem de tudo o que é interno, a lavandaria ainda trata a roupa de todos os alojamentos locais que gerimos”, conta.
Mas a aposta em negócios paralelos à ação social não se fica por aqui, pois a Mãe de Deus criou um restaurante take-away, cuja comida é cozinhada na cozinha industrial da instituição.
“E, neste momento, temos um espaço que vai ser transformado para lá criarmos um restaurante take-away de raiz, com comida de qualidade e a preços competitivos”, revela José Rodrigues, acrescentando ainda que a instituição tem uma casa fora de Ponta Delgada, “com uma vista lindíssima sobre o mar”, em que vai criar dois apartamentos de qualidade para explorar como alojamento local.
É um lamento frequente dos dirigentes das instituições que as doações já não são o que eram e cada vez mais é difícil de encontrar beneméritos. Porém, a Mãe de Deus tem sido bafejada pela sorte. Muito do seu património transformado em alojamento local proveio de doações.
“Temos muito património para gerir, património que algumas pessoas nos deixam. Por exemplo, a casa onde vamos fazer os dois apartamentos é uma casa doada no ano passado”, afirma e, defendendo que “os micaelenses são generosos”, conta um caso exemplar disso mesmo: “Nós recebemos dos Estados Unidos, de um neto de um emigrante, nos últimos dois anos, 350 mil dólares. Ele cumpriu o desejo do pai. O mais interessante é que um senhor que nasceu nos Estados Unidos, que tinha um clube lá, disse que quando fechassem o clube, parte dos fundos fossem para doar à Mãe de Deus. Então, decidimos que parte do dinheiro doado devia ser para criar um fundo com o nome deste patrono. Ainda não o anunciámos, mas já alocámos ao fundo 150 mil euros que será para apoiar crianças, jovens e adultos com necessidades através de bolsas de estudo”.
Por todas estas razões, mas não só, o responsável pela instituição assegura que a situação financeira da casa é “robusta”.
“Podemos dizer que devemos ser das únicas instituições sociais dos Açores com alguma robustez financeira. E temo-la fruto da gestão rigorosa que fazemos. Ao longo do tempo, fomos sempre tendo muitas ajudas, fomos gerindo da melhor forma o património e temos também as ajudas do Estado. A gestão criteriosa e as ajudas que recebemos têm-nos dado uma certa robustez e, por isso, temos avançado com diversos projetos. Caso contrário, não tínhamos essa possibilidade. Podemos afirmar que somos uma instituição financeiramente sã”, afirma, com agrado, José Rodrigues.
No entanto, a disrupção provocada pela pandemia de Covid-19, abrandou, seguramente, o fluxo financeiro proveniente dos alojamentos locais, pela quebra no turismo, mas não foi o único desafio que colocou à Mãe de Deus.
“A Covid-19 afetou de uma forma que ninguém estava à espera, porque ninguém estava preparado para este tipo de situação. No entanto, todos os funcionários perceberam o desafio que estava à frente e todos trabalharam e apresentaram-se de uma forma muito responsável”, começa por dizer Dário Vaz, realçando que “foi um período difícil”, porque “tivemos que nos adaptar e não tínhamos os meios para o fazer, porque trabalhamos com crianças e jovens e houve, por exemplo, a interrupção das aulas presenciais”.
O ensino passou a ser à distância e a instituição não tinha os equipamentos informáticos necessários.
“O principal desafio foi na parte do acolhimento, manter os miúdos protegidos, fechados e ocupados aqui dentro e durante muito tempo. Depois, a questão do ensino à distância não foi fácil, até para os funcionários que tiveram que dar mais apoio. Este foi um grande desafio, para além do aumento de custos”.
No entanto, como atalha José Rodrigues, a instituição teve ajudas preciosas: “Tivemos apoios do Governo Regional e da própria Câmara e foram rápidos na resposta, o que foi bom”.
“Essas entidades perceberam a situação e foi um apoio importante, em equipamento informático, produtos de higiene e proteção e ainda apoios extra para fazer face a outros custos, como o dos recursos humanos. Tivemos que fazer equipas-espelho. Felizmente, conseguimos com que o vírus não entrasse na instituição. Nunca houve nenhum surto, tivemos casos, mas não surtos”, congratula-se Dário Vaz, acrescentando: “Mesmo nos casos positivos de funcionários, nunca houve transmissão na instituição, muito pela responsabilidade dos funcionários”.
Para José Rodrigues, “é curioso que, na primeira vaga, que não se conhecia de nada, não tivemos absolutamente nada, nem se ouvia falar de casos relacionados com Covid, já depois houve alguns casos com funcionários, mas dentro da instituição nunca tivemos nada”.
E como seria Ponta Delgada sem a Mãe de Deus?
“Não sei se seria melhor ou se seria pior, mas julgo que seria pior. Somos uma instituição de referência e já ajudámos muita gente. Nos últimos 20 anos passaram por aqui 500 crianças, conseguimos adoção para cerca de 100 delas. Se não houvesse, hipoteticamente, a Mãe de Deus essas crianças teriam sido canalizadas não sei para onde e não teriam sido adotadas como foram. É preciso vincar que procuramos, em primeiro lugar, que as crianças voltem para as famílias de base, mas quando isso não é possível temos que encontrar um caminho alternativo, que passa pela adoção ou pela autonomização. E a adoção tem sido, de certa forma, bem-sucedida porque, de 500 crianças, 20% foram adotadas”, responde, satisfeito, José Rodrigues.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2021-10-29



















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