1 - Embora paradoxalmente num contexto diverso, e ao arrepio das suas próprias expectativas, acabou por se verificar o cenário que o Presidente da República convocara como a sua via de saída da crise política em que o País se encontra: o surgimento de uma alternativa verdadeira e própria, segundo as sondagens, em que deixou de ser considerada uma inevitabilidade duradoura uma vitória do bloco político polarizado no PS, à míngua de uma oposição que fosse, como é mister, uma solução alternativa de Governo.
Com efeito, e deixando de lado eventuais alinhamentos das forças políticas situadas nas margens, direita e esquerda, do espectro partidário, isto é, indo ao osso, parece seguro que o próximo combate eleitoral de 30 de Janeiro se traduzirá, no essencial, em saber se ganha as eleições o PS, ou se quem as vence é o PSD.
Não sendo antecipadamente previsível saber quem as vencerá – este o facto novo.
Segundo as sondagens, evidentemente; mas também segundo uma espécie de convicção que se vai insinuando nos espíritos, de que a eleição de Rui Rio nas directas do PSD representa o ascenso ( para utilizar um vocábulo em desuso, mas que fazia parte, há algumas décadas, da linguagem do Partido Comunista) de um político diferente, mais próximo das bases e vinculado às virtudes republicanas da modéstia e da honestidade pessoal.
Sendo ou não verdadeira essa vinculação, o certo é que a percepção dela se encontra instalada; e, como dizia Salazar, “em política, o que parece, é.”
As aparências não iam nesse sentido.
A interpretação mais atenta das sucessivas intervenções do Presidente da República não sugeria esta via saída do bloqueio institucional.
Justa ou injustamente, a percepção dominante era a de que Marcelo Rebelo de Sousa apostara as suas fichas numa vitória de Paulo Rangel – e, a partir dessa circunstância, na reconstituição de um bloco de direita que pudesse ser encarado como uma alternativa viável a António Costa e à Geringonça.
Afinal, foi a vitória de Rui Rio que, por caminhos imprevistos, e “a contrecoeur”, veio conferir densidade, e viabilidade, a esse desejo presidencial.
2 – Nada disto tira razão, indo ao fundo, à teoria presidencial de que constitui um bom princípio dos regimes democráticos o princípio da incerteza – quer dizer, a noção, que os governantes nunca podem perder, de que o exercício do mando é, na República, um estatuto precário e sujeito, permanentemente, ao escrutínio dos cidadãos que os elegeram.
(Os nossos representantes estão contratados a prazo – e é bom que assim seja ...)
São vários, na verdade, os caminhos que vão dar a Roma – e o que importa é lá chegar.
Mas, para quem, como é o caso do autor desta crónica, está na varanda a ver passar a procissão, é interessante ver quem vai nela, e como nela se move.
Já por várias vezes, nestas crónicas, o referi: gosto mais de governos fracos, como que a pedir-nos licença para exercerem a autoridade; sempre de mansinho, com ar de quem se afaz ao dono, ao povo eleitor.
E tenho mais prazer, como regra, em ver cair Governos, do que vê-los a ser investidos, de fresco.
Em geral, tenho mais vontade de castigar do que expectativas de melhoria.
O “Expresso” do fim de semana em que escrevo a crónica informa que Rui Rio elegeu os reformados e os funcionários públicos como foco da campanha eleitoral.
É uma escolha sensata.
Como nunca é demais lembrar, e foi mesmo lembrado na crónica do mês passado, foram esses grupos sociais que mais foram penalizados durante o Governo da troika, com cortes nas pensões de aposentação e de reforma e com ablações salariais; e não só no plano material: a ofensiva contra esses grupos, e principalmente contra os reformados, foi acompanhada de um discurso de marginalização da vida civil e de desconsideração do seu estatuto, de que a expressão de um deputado, qualificando os reformados de “peste grisalha”, constitui a alegoria mais infame.
Foram eles que contribuíram para António Costa ter sido ungido, em 2015.
É certo que Rui Rio já então prosseguia um discurso distinto e de demarcação relativamente ao da então direcção política do seu partido, que estava alinhada com os credores internacionais – e foi com ele que se candidatou à sucessão de Pedro Passos Coelho.
Mas a memória ainda fresca das malfeitorias que atingiram os reformados e os funcionários públicos recomenda, com efeito, que se saliente que o tempo é agora de reparar as injustiças que afectaram esses mesmos sectores – que era alegado viverem a parasitar o Estado, e a “roubar” os jovens, como é voz comum dos neoliberais.
3 – Essa escolha é também acertada pela razão de que, como se sabe, é a classe média que faz inclinar a balança eleitoral, umas vezes para o PS, outras, para o PSD.
Ora, a Função Pública constitui o grande viveiro da classe média, o mesmo sucedendo com os reformados com pensões medianas, correspondendo, em regra, a maiores habilitações.
E o PS de António Costa acabou por constituir Governo, em 2015, com a promessa de “virar a página” e de restaurar o estatuto da classe média.
Mas essa promessa não foi, na verdade, cumprida.
É certo que tem havido, nestes últimos anos, alteração do valor das pensões.
Todos os anos a propaganda oficial nos inculca a noção de que essa alteração representa o aumento geral das pensões.
Mas tal não é verdade.
Por exemplo, o Governo acaba de anunciar aprovar os novos valores das pensões – e a imprensa refere, como título, que as pensões vão aumentar 1%.
Como se aumentassem todas nessa medida.
Mas tal actualização aplica-se apenas às pensões até 886 euros - não obstante a proclamação do aumento geral; a actualização das pensões entre 886 euros e 2659 euros é apenas de 0,49%; entre 2659 e 5318, é de 0,24%; e acima de 5318 euros não há qualquer alteração, mantendo-se o mesmo valor desde há vários anos.
Quer isto dizer que as pensões acima de 886 euros têm continuado a sofrer a erosão do aumento do custo de vida, acima da actualização das pensões – e tem sido assim desde 2015, mantendo a degradação das condições de vida dos seus titulares, continuando a ofensiva do tempo da troika.
Também pode haver quem cuide que as pensões acima de 5318 euros são elevadas – e que não merecem, por tal razão, ser aumentadas.
O que tem sido o caso nos últimos anos.
Mas a lógica intrínseca do sistema de pensões tem que ver com a sua base contributiva, quer dizer, as prestações substitutivas dos rendimentos do trabalho, como as pensões, devem assegurar, desejavelmente, o trem de vida mantido enquanto trabalhadores no activo – já que é sobre os rendimentos do trabalho que incidem as contribuições da Taxa Social Única.
Isto é, as pensões de quem descontou mais devem ser superiores às de quem descontou menos.
Só assim é possível manter o esforço contributivo dos trabalhadores, garantindo-lhes que, quando cessar a sua vida activa, terão uma reforma correspondente a esse esforço contributivo.
Não se discorda da actualização das pensões mínimas, que tem sido levada a cabo pelo Governo, com o apoio do PCP.
Mas tal actualização, para combater a pobreza, enquanto função do Estado, deverá ser coberta pelo Orçamento do Estado; não pela descapitalização da Segurança Social, à custa das contribuições de trabalhadores e empregadores, que deverão ser mantidas para as obrigações do regime contributivo.
4 – Por mim, até podia haver eleições todos os anos.
E as melhores são aquelas em que não se sabe antecipadamente quem ganha!
Henrique Rodrigues – Presidente do Centro Social de Ermesinde
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