1 - Foi assinada, em 23 de Dezembro, a revisão do Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social, entre o Governo e as Organizações Representativas do Sector Solidário (entre as quais a CNIS), em cerimónia a que a presente edição do “Solidariedade” dá o justo relevo.
Trata-se de um acontecimento do maior relevo para as políticas de cooperação nos próximos anos: 10 anos, pelo menos.
Estabelece, nessa medida, um quadro de estabilidade e previsibilidade, que é do que mais temos precisão.
Por outro lado, trata-se de uma revisão; isto é, trata-se de manter e reiterar o Pacto inicial, como corpo de princípios, convertido num instrumento vinculativo virtuoso - embora adaptando-o aos dias de hoje, 25 anos passados sobre esse texto fundador.
Temos a consciência tranquila: ao longo destes 25 anos, cumprimos sempre a nossa parte e as nossas obrigações, constantes do Pacto de 1996; mas nem todos os outorgantes podem, em boa verdade, dizer o mesmo.
Por razões compreensíveis, é certo, na maior parte das situações, designadamente por constrangimentos orçamentais.
Mas também, em outros casos, por efectiva vontade de incumprimento, principalmente no que concerne ao (des)respeito pela autonomia das Instituições Particulares de Solidariedade Social e pelas suas competências originárias, consignadas na Constituição da República.
O texto do Pacto de Cooperação desdobra-se em duas partes formalmente distintas, mas que mutuamente se imbricam: um texto introdutório, onde se enunciam a motivação e os princípios que iluminam o Pacto; e o Pacto propriamente dito, traduzido nas vinculações compromissórias assumidas pelas partes contratantes: o Governo, por um lado; as associações representativas das autarquias locais, por outro; e também as organizações representativas das Instituições Particulares de Solidariedade Social.
Da parte final deste texto preambular, saliento duas referências que me parecem mais estruturantes: em primeiro lugar, a enunciação do princípio da salvaguarda da intervenção das IPSS no domínio do exercício das competências recentemente transferidas para os Municípios, mediante o reconhecimento explícito do papel que as Instituições têm tido no reforço da protecção social de proximidade nas respostas sociais cobertas pelo âmbito das referidas transferências.
Como refere o Pacto de Cooperação, “no plano da cooperação com as Instituições Particulares de Solidariedade Social e equiparadas, no contexto da transferência de competências em curso para as autarquias locais, nos domínios da Acção Social, da Saúde, da Educação, da Cultura e do Património, do Planeamento, da Habitação, da Justiça, salvaguardando o princípio da autonomia do poder local, é importante considerar a participação das referidas Instituições nas áreas abrangidas pelo processo de descentralização, para que de tal processo não possa decorrer o risco de um enfraquecimento da parceria público-solidária e da protecção social actualmente garantida.
Tal processo de descentralização constitui um dos pressupostos do presente Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social.”
“Outra fonte de inspiração – prossegue o texto, e é o segundo aspecto - reside nas valorações constantes da Lei de Bases da Economia Social, no sentido da afirmação autónoma da economia social, por referência ao quadro constitucional, marcando a sua diferenciação de forma muito nítida relativamente ao Sector Público, mas evidenciando com igual pertinência a sua distinção relativamente ao Sector Privado, privilegiando as instituições da economia social, designadamente as que integram o Sector Social e Solidário, como entidades parceiras do Estado para a prossecução colaborativa das políticas públicas em sede de proteção ou ação social.”
2 – É sempre necessário recordar o princípio da autonomia das instituições, constante da lei e do Pacto, mas tantas vezes esquecido na prática quotidiana, na relação entre os organismos públicos e as Instituições.
O Pacto de Cooperação não se esqueceu de o reiterar.
Como se refere na Cláusula III, nº 2: “O princípio da autonomia assenta no respeito pela identidade das Instituições e na aceitação de que, salvaguardado o cumprimento da legislação aplicável, aquelas exercem as suas atividades por direito próprio e originário, inspiradas no respetivo quadro axiológico.”
Tal princípio decorre, aliás, em filiação directa, do texto constitucional, que estabelece, no seu artº 46º, 2, que “As associações prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas e não podem ser dissolvidas pelo Estado ou suspensas as suas actividades senão nos casos previstos na lei e mediante decisão judicial.”
O mesmo ressalta da Lei de Bases da Economia Social, que, no seu artº 5º, relativo aos princípios orientadores, estabelece, na alínea f), “A gestão autónoma e independente das autoridades públicas e de quaisquer outras entidades exteriores à economia social”.
Mas não se trata apenas de o Pacto reiterar o princípio da autonomia; trata-se também de enunciar um guião para a afirmação correspondente da identidade do Sector, especialmente no âmbito mais alargado da Economia Social: “marcando a sua diferenciação de forma muito nítida relativamente ao Sector Público, mas evidenciando com igual pertinência a sua distinção relativamente ao Sector Privado”, para citar de novo o texto do Pacto de Cooperação.
3 – A pandemia que ainda nos ensombra os dias teve, entre outros, o efeito de demonstrar a capacidade, a competência e a vocação das Instituições de solidariedade social na prevenção e no combate eficiente ao vírus.
Acabou por trazer para o espaço público o trabalho continuado e diário das Instituições, quase sempre invisível, ou pelo menos discreto, na prestação de cuidados a quem deles mais necessita.
A importância desse papel foi e continua a ser reconhecido por todos os quadrantes, pela generalidade das forças políticas, dos movimentos sociais e da população em geral, não havendo preconceito ideológico que hoje lhe aponha reservas – ou, pelo menos, que se atreva a enunciá-las.
Nos debates que têm decorrido na pré-campanha eleitoral para as legislativas, tem sido ainda escassamente debatido o papel do Sector Social Solidário no âmbito das políticas públicas, na tradição da discrição de tal papel.
Mas não tem sido questionado o papel do Sector Social no âmbito das respostas do SNS, nem no alargamento das vagas em creche, e sua gratuitidade, que são os tópicos que mais nos respeitam de entre os que mais directamente têm acorrido ao debate.
Tais tópicos têm igualmente guarida no texto do Pacto, que consigna, na sua Cláusula IV, como atribuições, presentes e futuras, das Instituições, as seguintes:
“a) Apoio à primeira infância, através de uma rede de respostas sociais (creches e creches familiares) que permitam a conciliação da vida pessoal, familiar e profissional dos pais ou quem detenha a responsabilidade parental e que entenda estes equipamentos como uma resposta promotora do pleno desenvolvimento da criança”
“w) Apoio às populações em sede de prestação de cuidados de saúde, em todos os pilares do SNS e com a respetiva articulação, nomeadamente na prestação de cuidados de saúde primários, de cuidados agudos (hospitais) e da rede nacional de cuidados continuados integrados, através da disponibilização dos meios das instituições para a prossecução do objectivo, dirigido à população com maior vulnerabilidade social e desigualdade socioeconómica”.
Como sempre sucedeu, na vigência do Pacto, as Instituições têm cumprido os seus compromissos.
Espera-se que todos cumpram os seus, ao longo dos próximos 10 anos!
Henrique Rodrigues – Presidente do Centro Social de Ermesinde
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