No passado dia 30 de janeiro os portugueses escolheram os deputados que os irão representar na Assembleia da República. Dos resultados obtidos resulta que o Partido Socialista (PS) conquistou 119 dos 230 lugares disponíveis no Parlamento, o que equivale a 52%, deixando o segundo partido político, o Parido Social-Democrata (PSD), com 78 deputados e 34% do total de assentos no Parlamento. A primeira nota que deve ser sublinhada é que os dois maiores partidos portugueses representam 86% do total dos deputados eleitos. Se somarmos a estes, os deputados eleitos pela Iniciativa Liberal (IL), o número de lugares conquistados pelos três partidos atinge a percentagem de 89%. Para as forças mais extremistas da esquerda e da direita somadas restam 11%.
O ponto que quero destacar é que, com estes resultados, se abre uma oportunidade única para que as reformas que o País precisa, em vários domínios das políticas económicas, socias, culturais e ambientais possam ser concretizadas num clima de grande compromisso entre os quase 90% dos deputados agora eleitos. A votação dos portugueses em 30 de janeiro assim o exige. Esta composição do Parlamento não permite desculpas para que as forças moderadas do centro não se entendam em aspetos fundamentais, com vista ao desenvolvimento económico e social do País. Consultados os programas eleitorais do PS, do PSD e da IL não se encontram diferenças insanáveis entre as propostas apresentadas, embora o programa da Iniciativa Liberal seja num ou noutro ponto mais distintivos do que o conteúdo dos programas do PS e do PSD.
A legitimidade política é conferida, em primeiro lugar, pelo voto dos eleitores, mas essa legitimidade pode sair reforçada ou não pela capacidade demonstrada pelos eleitos na obtenção de compromissos em torno de objetivos considerados por todos como decisivos. Esse espaço de busca de compromisso foi aberto pelos resultados das últimas eleições. Dificilmente haverá outra oportunidade como esta. Poucos, ou mesmo nenhum País da Europa, tem tão ampla concentração de votos de eleitores moderados em tão poucos partidos. Seria trágico que estes partidos entrassem em lutas estéreis, sem grande sentido, em torno de objetivos menores e deitassem para o lixo a oportunidade histórica que os eleitores lhe concederam para fazerem as grandes reformas que o País reclama.
O prazo da legislatura são quatro anos. O País seguramente que compreenderia com satisfação que os primeiros dois anos da legislatura fossem ocupados na negociação e execução de um grande compromisso nacional em torno das grandes reformas que vinculariam as três forças políticas mais representativas do Parlamento, independentemente da função que a cada um dos partidos da oposição cabe na nobre atividade da fiscalização da atividade governativa. Restariam depois dois anos para que a tónica fosse posta na luta partidária.
Tenhamos presente que as grandes conquistas da humanidade nunca foram atingidas com base numa única pessoa, força ou instituição. Foi sempre da capacidade em conciliar múltiplos agentes e forças que, através da conjugação de esforços, de muita negociação e de aceitação de compromissos, tornaram possível o que, em muitas circunstâncias, parecia à partida impossível.
Nunca como hoje, num mundo carregado de incerteza e de uma velocidade de transformações que nunca foi experimentada noutro tempo da história planetária, se exige tanto do reforço de uma cultura de compromisso.
Acresce que o País tem a sorte de ter um Presidente da República que já demonstrou estar à altura para transformar esta utopia numa realidade, porque tem, do seu lado, legitimidade política, capacidade de persuasão, crença, visão e inteligência, que muito podem contribuir para transformar esta ideia numa entusiasmante realidade.
Eu tenho consciência que muitos dirão que esta ideia não passa de um delírio sem sentido. Esses muitos são os que vêm a política como um espaço de espetáculo de lutas permanentes, que funcionam em espaço fechado e que, na maior parte dos casos, nada diz ao comum dos cidadãos. Esses muitos procuram o imediatismo, o sensacionalismo, a frase que fica umas poucas horas no ouvido, mas no final nada muda. Portugal precisa de mudanças muito profundas em vários domínios das políticas públicas que seguramente não são simpáticas para muitos interesses particulares e corporativos e que só podem ser concretizadas com sucesso se merecerem um amplo apoio das forças políticas mais representativas do País. Doutro modo, ganhará a rua, a demagogia e os pequenos interesses dos grupos mais bem organizados e perderá a sociedade no seu todo. Esses muitos nunca verão com bons olhos um grande compromisso político que pode abranger quase 90% dos eleitos na Assembleia da República. Disso, têm pavor.
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