MANUEL LEMOS, PRESIDENTE DA UNIÃO DAS MISERICÓRDIAS PORTUGUESAS

A ajuda aos refugiados ucranianos pode ser uma oportunidade para Portugal

Os últimos 16 dos 72 anos da vida de Manuel Augusto Lopes de Lemos foram dedicados à União das Misericórdias Portuguesas. É natural do Porto e é licenciado em direito. Foi Deputado, Presidente da Administração Regional de Saúde do Porto, chefe de gabinete da Ministra da Saúde, Leonor Beleza, Comissário Regional do Norte da Luta Contra a Pobreza. Desempenhou muitas funções em Instituições do Sector Social, como, por exemplo, Vice-Provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto, Presidente da Comissão de Saúde da União das Misericórdias Portuguesas e Presidente do Grupo Misericórdias Saúde, entre muitas outras.
Manuel Lemos foi eleito pela primeira vez presidente da União das Misericórdias Portuguesas em Novembro de 2006, sucedendo ao padre Vítor Melícias, que cumpriu 15 anos à frente da Instituição. Manuel de Lemos é o terceiro presidente e já bateu o recorde de permanência à frente da UMP.
Neste momento também é líder da Confederação Portuguesa de Economia Social (CPES)  que foi constituída em 2018 e congrega as entidades representativas da Economia Social em Portugal, nomeadamente a UMP – União das Misericórdias Portuguesas, CNIS – Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade, CONFAGRI – Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal, CPF – Centro Português de Fundações, CPCCRD – Confederação Portuguesa das Coletividades de Cultura, Recreio e Desporto, UMP – União das Mutualidades Portuguesas, ANIMAR – Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local, Confederação Cooperativa Portuguesa, CCRL e APM – Associação Portuguesa de Mutualidades.

SOLIDARIEDADE – Estamos a assistir à guerra na Europa. A invasão da Ucrânia pela Rússia está a provocar uma nova vaga de refugiados. O sector social vai estar, de novo, na linha da frente da solidariedade?
MANUEL LEMOS – Não tenho dúvidas nenhumas. Estava a lembrar-me que o papa da gestão, Peter Drucker, disse que o século XX tinha sido o século do Estado e das empresas e o século XXI ia ser o século das organizações sem fins lucrativos, o core da economia social e sector social. Temos assistido a um aumento contínuo da importância do sector social solidário, utilizando a expressão mais portuguesa para as pessoas perceberem melhor. Quando o mundo entra em crise, a generosidade das pessoas, a disponibilidade, o voluntarismo, a ajuda aos outros vem ao de cima e as instituições organizadas do sector assumem uma importância decisiva. Nos momentos de dificuldade atingem o seu esplendor e cumprem a sua missão de ajudar as pessoas.

As instituições sociais já foram chamadas a acolher refugiados de outras guerras, mas talvez pela proximidade, tem havido uma disponibilidade imediata para auxiliar os que fogem da guerra da Ucrânia...
Claro que sim. Isto nunca nos tinha acontecido. Em oitenta anos é a primeira grande guerra depois da II guerra mundial. Portugal tem sido um país de imigração da Ucrânia, neste momento temos cá cerca de 50 mil ucranianos. Por razões várias inseriram-se bem, não fizeram como outros que passaram por Portugal com o objetivo de irem para outros destinos como a França e a Alemanha. Os ucranianos tiveram que atravessar esses países para chegarem aqui. Escolheram-nos. Por outro lado, a forma como um povo pacífico está a ser invadido ajuda a criar uma reação imediata. Criou-se em toda a Europa, e mesmo no mundo, um sentimento de revolta que se transforma em solidariedade.

Estão já calculadas as capacidades de acolhimento nas instituições?
A União das Misericórdias foi, provavelmente, a primeira grande organização portuguesa a tomar posição sobre essa matéria. Fizemos saber ao Presidente da República, Governo e opinião pública da nossa disponibilidade para acolher pessoas oriundas da Ucrânia de forma duradoura. Isto é, não atenderemos apenas aqueles que estão a fugir à guerra, mas os que quiserem cá ficar, para trabalhar e viver, nós vamos ajudar. Neste momento estamos já a fazer um levantamento junto das Misericórdias para sabermos quantas pessoas podemos acolher e quantos postos de trabalho podemos oferecer. Não tenho números, ainda é cedo, mas a resposta tem sido grande. As IPSS ligadas à CNIS estão a reagir da mesma forma, não tenho quaisquer dúvidas.

O país pode ganhar com este acolhimento...
Podemos aqui fazer uma parceria win-win. Temos dado conta ao governo as nossas dificuldades de contratação de recursos humanos, sobretudo nos territórios de baixa densidade. A possibilidade de fazermos uma conjugação entre as nossas necessidades e as necessidades dos ucranianos que virão e a coincidência de estarmos a concorrer a programas como o PARES e o PRR, que vão proporcionar mais e melhores equipamentos, pode ser providencial. Dar dignidade a esta gente, emprego, nível de vida, fazer com que se sintam bem vai fazer com que nós consigamos ter mais recursos humanos e mais população.

A pandemia ainda não acabou e já aí está mais um desafio... Isto é mais uma prova da versatilidade deste sector?
Os últimos anos têm sido de grande crise social. Desde os anos da troika, em que a crise foi brutal, doze anos em que andamos todos a sofrer muito para tentar responder às pessoas. As instituições ficaram tão depauperadas que nunca mais recuperaram. Depois tivemos a pandemia, com as mortes e a insegurança criada na comunidade. E quando pensávamos que a pandemia estava a acabar levamos com uma guerra em cima. Só para dar um exemplo, o aumento dos combustíveis vai afetar-nos de uma maneira direta e de maneira indireta nos bens que vão subir por causa desse aumento nos transportes. Nós somos consumidor final, não podemos imputar esses custos aos nossos utentes porque eles não têm possibilidades. Nós temos vivido sempre em crise. Por vezes com uma incompreensão ideológica e política a que temos sempre resistido. Nestes últimos dez anos as instituições todas cresceram. E todas têm mais dificuldades. Aumentaram as suas respostas porque tiveram a força capaz para atender às dificuldades sociais da sociedade portuguesa na última década.

Como é possível esta reconversão sistemática e versatilidade do sector social?
Porque as instituições são pequenas, são ágeis, descomplicadas. O Estado é por natureza complicado, é uma máquina pesada, em nome da transparência, da accountability, da burocracia, tornando as coisas impossíveis de fazer. Nós somos o contrário e temos uma relação de confiança com as pessoas que faz com que consigamos mudar rapidamente quando é preciso.

Não tem havido simplex para o sector social...
Não tem havido. Declarações pias muitas. O Estado em muitos casos continua a pedir às instituições, nas diversas candidaturas, por exemplo, os documentos que é ele mesmo que tem que fornecer. Pede os estatutos, as contas dos últimos três anos, parecendo desconhecer que isso são condições obrigatórias para o funcionamento legal. É o cúmulo da burocracia.

A pandemia acabou por ser mais uma prova de competência do sector social?
Portugal foi o país onde houve menos óbitos em lar, em percentagem. Os números oficiais dizem que foram um pouco mais de 26 por cento. O país que vem a seguir é a Alemanha com cerca e 33%, em Espanha cerca de 40%, em Itália e no Reino Unido 50%. Nós fomos capazes porque fomos ágeis e mantivemos os lares como parte da comunidade. No final das contas a resposta é brutal por parte do sector social, mesmo contabilizando também os números dos lares que não estão legalizados.

O Estado reconhece isso?
Nas palavras reconhece. A sensibilidade dos diferentes ministérios varia. O reconhecimento é grande na área da segurança social e solidariedade. Temos tido nesta última década pessoas com grande sensibilidade. Pedro Mota Soares, Vieira da Silva, Ana Mendes Godinho, cada um com a sua idiossincrasia, mas todos com grande preocupação sobre o sector social. Os primeiros-ministros, António Costa e Pedro Passos Coelho também. O pior é quando chegamos à saúde com os ministérios com dificuldades de entendimento entre si. O que aconteceu de articulação durante a crise foi muito provocada pelo nosso trabalho. O pior é quando chegamos ao vil metal. O Estado tem sempre outras prioridades. E é desgastante, difícil e complicado. Se me permite quero prestar uma grande homenagem ao padre Lino Maia. Sem ele não teria sido possível. Não tinha sido mesmo possível alcançar os resultados, sem desprimor para os outros parceiros da cooperação, designadamente o Rogério Cação que faleceu entretanto, mas o dr. Lino Maia foi absolutamente fundamental para que conseguíssemos em conjunto explicar ao país e aos governantes a necessidade de olharem com mais atenção para a área financeira. O nosso trabalho foi determinante. Tínhamos criado condições para começar a pôr a cabeça de fora...

Está a referir-se à revisão do Pacto de Solidariedade?
O Pacto é uma proposta feita pelos padres Vítor Melícias e José Maia ao então primeiro-ministro António Guterres. Depois eu e o Lino Maia valorizamos o Pacto e consideramos que ele é a nossa Magna Carta. 25 anos depois sentimos que estava na hora de o atualizar, muita coisa mudou nas questões sociais. Conseguimos fazer aprovar um texto que aumenta as responsabilidades conjuntas, nossas e também do Estado. A circunstância de estar lá escrito que tem que haver partilha de custos das respostas sociais é muito importante e é um regresso ao espírito de há anos 25 atrás.

A revalidação do Pacto de Solidariedade foi feita em Dezembro do ano passado, depois disso houve eleições e daí resultou uma maioria absoluta para o Partido Socialista. António Costa, que assinou o documento, será primeiro-ministro durante quatro anos. Considera que nestas condições é mais fácil cumprir o Pacto?
O Pacto estabelece um prazo de dez anos para chegarmos a esse equilíbrio. Para além dos aumentos de todos anos haveria atualizações até recuperarmos do desequilíbrio. Neste momento, como foi demonstrado num estudo da Universidade Católica, o Estado contribuiu com cerca de 36 por cento para as respostas sociais. Em dez anos deve chegar aos 50 por cento. Eu e o padre Lino Maia tivemos uma reunião com o primeiro-ministro e fizemos um desafio: adotar o mesmo esquema do aumento do salário mínimo e reduzir para metade o prazo de recuperação. Vamos ver o que a guerra vai trazer ao nosso país, mas António Costa tomou boa nota desta nossa pretensão. A maioria absoluta pode, de facto ser favorável, designadamente com o fim de alguns preconceitos ideológicos que a primeira maioria tinha em relação a este sector.

Tem algum receio relativamente à escolha do próximo ministro para o sector?
Estou expectante. O primeiro-ministro é que sabe e mal parecia se tentássemos influenciar. Temos com ele uma excelente relação de muitos anos, muita confiança e trabalho em conjunto. Dira que tem que ser uma pessoa disponível para o diálogo, não vir com ideias feitas, perceber somos entidades flexíveis, que nos orgulhamos muito do nosso passado, mas vivemos no presente e para o futuro.

Neste momento preside à Confederação Portuguesa de Economia Social. Há, finalmente, um espírito de equipa no sector social?
Evoluiu de uma maneira brutal. Temos que distinguir a economia social e a economia solidária. Na área da cooperação havia já uma grande coordenação com as quatro organizações do sector. A Confederação agrega uma área mais vasta. A economia social representa 6 por cento do emprego em Portugal, longe ainda de alguns países da Europa. No plano da concertação ainda existe uma visão muita rígida entre patrões e empregados, público/privado. Se houver abertura para a nossa entrada para a Concertação Social isso seria um passo muito importante para o equilíbrio da sociedade portuguesa. O Presidente da República e o Presidente do CES (Conselho Económico e Social) estão recetivos a essa ideia.

Está há 16 anos à frente da União das Misericórdias. Vai continuar?
Tenho eleições no final do próximo ano. Enquanto as instituições nos quiserem e nós tivermos vida, capacidade e vontade estarei disponível.  

V.M.Pinto (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2022-03-10



















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