A guerra na Ucrânia é, sem dúvida, o maior desafio que se coloca à União Europeia desde a sua fundação. É a primeira vez, desde a última grande guerra, que os europeus vivem uma sensação até aqui desconhecida, a sensação da insegurança. Foi esta sensação de insegurança que permitiu superar divergências internas da União Europeia que à partida se pensava que não eram possíveis de ultrapassar. Foi esta sensação de insegurança que levou a que, apenas no espaço de dois dias, todos os Estados- Membros da União Europeia condenaram de forma veemente e clara a Rússia pela invasão da Ucrânia. Foi esta sensação de insegurança que levou a Alemanha a fazer uma mudança de 180 graus na sua política de defesa. Foi esta sensação de insegurança que fez com que muito rapidamente a União Europeia acordasse um violento sistema de sanções aplicadas à Rússia. Foi esta sensação de insegurança que levou a União Europeia a definir um significativo apoio político, militar e financeiro à Ucrânia. Foi também esta sensação de insegurança que fez com que todos os Estados-membros da União Europeia aceitassem, sem grande discussão, o acolhimento a refugiados da Ucrânia, tema que levantou e continua a levantar fortes divergências quando se trata de refugiados de outras origens. Foi ainda esta sensação de segurança que levou a que a Suécia e Dinamarca alterassem a sua posição longínqua de posicionamento neutral face a eventuais conflitos militares para decidiram aderir à NATO.
Neste texto vou tentar antever algumas consequências para o futuro da Europa e dos europeus, apontar alguns pressupostos decisivos para que as coisas corram bem e referir as grandes incertezas que vão pairar no futuro.
Em termos de consequências, em primeiro lugar, a Europa e os europeus terão de estar preparados para mais tentativas de expansionismo por parte de Rússia. Esta nova realidade vai fazer com que a identidade europeia passe a ser moldada através do reforço da política de segurança e defesa europeia. Até aqui a Europa viveu com um modelo social praticamente sem política de defesa definida a nível europeu. Agora, para que esse modelo social vingue, tem de aceitar um novo fator decisivo, que tem a ver com a existência de uma sólida política europeia de defesa e segurança.
Em segundo lugar, a Europa vai ter que diversificar as suas fontes de abastecimento de energia. Hoje todos concordam que foi um grande erro ter colocado largas partes do território europeu quase exclusivamente dependente do abastecimento de energia da Rússia, designadamente do carvão e do gás.
Em terceiro lugar, vão acontecer alteração das prioridades políticas e económicas. Não será possível manter as mesmas prioridades na Europa quando uma nova prioridade surge com grande força como é o caso da política de defesa e segurança europeia.
Em quarto lugar, a Europa tem de uma vez por todas de ser capaz de definir uma política europeia de refugiados. Esta necessidade impõe-se dada a grave situação demográfica que se vive na Europa que, a curto prazo, vai ver diminuir drasticamente a sua população em idade ativa.
Mas para que as coisas corram bem para o lado europeu dois pressupostos são decisivos. São capacidades que a União Europeia tem de exibir, sob pena do projeto europeu soçobrar. Uma primeira será a capacidade para gerir a unidade no seio da União e da União com os Estados Unidos da América e com o Reino Unido. Sem uma ação concertada entre estes três polos não será possível criar condições para que os sentimentos associados à confiança e à segurança se voltem a reganhar nas sociedades europeias. A segunda será a capacidade para explicar à opinião pública o preço a pagar pela paz e segurança. Numa primeira fase a opinião pública parece ter aceitado com grande facilidade esta mudança, mas como sabemos que a opinião pública é muito volátil, os agentes políticos terão de estar preparados para explicar de forma convincente as opções tomadas face a esta nova realidade.
As grandes incertezas para o futuro são muitas e de diferente natureza. Aponto algumas: a primeira, é saber quanto tempo vai durar a guerra da Ucrânia. Ninguém sabe. Nem Putin. A segunda grande incerteza tem a ver com o relacionamento entre a China e a Rússia. Vamos viver num mundo dividido em dois blocos? A terceira grande incerteza tem a ver com a capacidade de resistência que as democracias liberais vão demonstrar na defesa dos seus valores face aos fenómenos crescentes de populismo? A sobrevivência do projeto político europeu vai depender, em larga medida, da forma como for resolvido o desfecho sobre esta última incerteza.
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