EUGÉNIO FONSECA, PRES. CONF. PORTUGUESA DO VOLUNTARIADO

A Política Melhor (III)

Proponho continuarmos a refletir sobre o contributo das IPSS para que a política seja mesmo a arte de construir o bem comum, pois elas têm competências próprias nesta arte. Com efeito, elas são instâncias onde se faz “política” no sentido etimológico da palavra-defesa da “polis = cidade tendo, assim, obrigações inalienáveis fundamentadas em valores universais e não em ideologias, sejam elas de qualquer natureza. As IPSS, enquanto instituições de base, ou seja, que, na sua maioria, nascem da organização de parcelas do povo com a finalidade de criarem maior bem-estar para a restante população da área geográfica em que estão inseridas. Podem aplicar-se a este tipo de organizações aquilo que o Papa Francisco chama, na Encíclica Fratelli Tutti de “movimentos populares” (169). Na verdade, esta ligação próxima às pessoas e às suas realidades existenciais não pode ser descurada, sob pena de perderem a sua identidade e autonomia. Só os mais incautos não são capazes de reconhecer as IPSS como agentes económicos, geradores de riqueza, mas o seu modelo económico tem um valor social bem diferente. Embora seja incontornável o cuidado com a sustentabilidade financeira – grande desafio a enfrentar nos próximos tempos com a criação de um modelo de cooperação que leve a uma maior responsabilização do Estado – as preocupações de quem as dirige não se podem resumir ao “deve e haver”, tornando-as empresas vendedoras de serviços. Se aceitarmos que as IPSS resultam da organização de movimentos populares, reflitamos e levemos outros a fazê-lo sobre o que pensa o Papa Francisco: É necessário pensar a participação social, política e económica segundo modalidades tais «que incluam os movimentos populares e animem as estruturas de governo locais, nacionais e internacionais com aquela torrente de energia moral que nasce da integração dos excluídos na construção do destino comum» e, por sua vez, se incentive a que «estes movimentos, estas experiências de solidariedade que crescem de baixo, do subsolo do planeta, confluam, sejam mais coordenados, se encontrem». Mas fazê-lo sem trair o seu estilo caraterístico, porque são «semeadores de mudanças, promotores de um processo para o qual convergem milhões de pequenas e grandes ações interligadas de modo criativo, como numa poesia». Neste sentido, são «poetas sociais» que à sua maneira trabalham, propõem, promovem e libertam. Com eles, será possível um desenvolvimento humano integral, que implica superar «a ideia das políticas sociais concebidas como uma política para os pobres, mas nunca com os pobres, nunca dos pobres, e muito menos inserida num projeto que reúna os povos». Embora incomodem e mesmo se alguns «pensadores» não sabem como classificá-los, é preciso ter a coragem de reconhecer que, sem eles, «a democracia atrofia-se, torna-se um nominalismo, uma formalidade, perde representatividade, vai-se desencarnando porque deixa fora o povo na sua luta diária pela dignidade, na construção de seu destino» (169). É difícil não reconhecer a profundidade deste trecho da Fratelli Tutti aplicado às IPSS e aos alicerces em que assenta a legitimidade da sua existência.

Acentua o que já referi: a importância das IPSS nas transformações da forma de fazer política ativa no nosso país, concentrada, praticamente, nos Partidos Políticos. No que respeita à participação social, as IPSS estão mais próximas das suas comunidades; à prática política, elas, porque conhecem melhor as realidades locais, podem garantir formas de agir mais objetivas no que respeita à defesa da “polis”; a economia que as gere não carrega consigo a usura do lucro, mas os excedentes monetários servem para praticar mais justiça e solidariedade. O Papa conta com instituições desta natureza para criarem dinamismos de animação «com aquela torrente de energia moral que nasce da integração dos excluídos na construção do destino comum» de modo que impulsionem os governos, conforme os seus raios de atuação. Trata-se de fazer um apelo à utilização de um património ético que as IPSS possuem e, assim, sejam referências idóneas. Apela às instituições que com «experiências de solidariedade que crescem de baixo (…), confluam, sejam mais coordenados, se encontrem». O que ele sugere é que esta animação se faça com a dinâmica do trabalho em rede, algo que nem sempre é fácil de concretizar com eficácia e eficiência. Já tarda a revisão do modelo de funcionamentos das Comissões Locais de Freguesia e a Rede Social Concelhia e Interconcelhia. É certo que a cultura da defesa de cada “capelinha” predominante no nosso país a juntar ao protagonismo institucional, não se resolvem com alterações legislativas, mas com mudança de mentalidades. Disso não se tenha qualquer dúvida. Do pensamento do Papa, acima transcrito, gostaria que as/os leitoras/ores retivessem a designação que ele dá aos ditos movimentos populares, entre os quais se incluem as IPSS: “poetas sociais”.

Não é necessário explicitar o que quer dizer a palavra “poeta”. Todavia, por se tratar de um termo aplicado ao social, o Papa clarifica que se trata de instituições «que à sua maneira trabalham, propõem, promovem e libertam». O “poeta social” trabalha para que se torne realidade o que para alguns não passam de meros sonhos: arrisca; propõe ideias novas, porque a sua relação de proximidade o faz conhecer os anseios concretos das pessoas: é criativo; promove iniciativas que contrariam o “sempre se fez assim”: é audaz; liberta, pois não faz para, nem por os outros, mas com eles, particularmente com os mais vulneráveis: é sensível. Não quero ser demagógico, mas deixem-me ser também um sonhador, com olhos bem aberto, pois acredito que algumas das nossas IPSS já lutam por serem “poetas sociais” e outras lhes seguirão o rasto, porque a sustentabilidade de uma instituição de solidariedade não se constrói só com cifrões, mas com a alma de quem acredita que «a democracia atrofia-se, torna-se um nominalismo, uma formalidade, perde representatividade, vai-se desencarnando porque deixa fora o povo na sua luta diária pela dignidade, na construção de seu destino».  É que sem a participação da IPSS, assim como de outros movimentos populares, nunca Portugal será um país verdadeiramente democrático. Para isso, quanto às IPSS, têm de ser “poetas sociais”. 

 

Data de introdução: 2022-07-13



















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